A campanha para as presidenciais tem-nos trazido alguns episódios recambolescos. Tal até seria normal em idênticas situações, mas quando os desmandos vêm de pessoas com elevada responsabilidade, é de todo confrangedor. Todos nos lembramos que num passado não muito longínquo, Cavaco Silva lançou o famoso "monstro", - era então primeiro-ministro Santana Lopes -, bem como a famosa frase da "boa moeda que expulsa a má". Palavras que não agradaram ao PM de então como é natural. Agora, em plena campanha eleitoral, Cavaco Silva volta a dizer que vinha alertando e que nada foi feito. É certo que o PR em Portugal não tem poderes para governar, mas tem outros poderes para dar sinais da sua posição e, quiçá, influenciar o rumo das coisas. Veja-se a convocação tardia do Conselho de Estado, a quando da aprovação do OE, que lhe tem valido críticas dos mais variados sectores. Mas as coisas não ficam por aqui. É bom lembrar que Cavaco Silva, logo após a vitória eleitoral que o levou a PM, decidiu o aumento generalizado dos funcionários públicos (?), alegando que era necessário dar dignidade às pessoas. Com esse gesto, aumentou em 50% a despesa pública, contra a própria opinião do ministro das finanças da altura, - Miguel Cadilhe -, que o tem citado em variadas entrevistas. Mas enfim, era a época do dinheiro fácil e a rodos, e mesmo Cavaco Silva, que pretende ser a consciência moral do regime, não lhe escapou. É certo que o seu sucessor, António Guterres, não lhe ficou atrás. Com a criação do rendimento mínimo, viria a aumentar os encargos do Estado, que na altura tinha pouco mais de 10.000 pessoas nesta situação, vindo a tornar-se o "patrono" de cerca de 150.000. Como se vê, os desmandos vieram de todos os lados, sobretudo, como é natural, das forças políticas que estão no arco da governabilidade, mas nunca nenhuma delas levou o "paternalismo" tão longe como Cavaco Silva. Como diz o povo, "só fala quem tem que se lhe diga". É preciso ter consciência que, aquilo porque estamos a passar agora, tem raízes bem mais longínquas, sobretudo, nos anos 80 e 90. Assim, como aquilo que estamos a pedir agora, terá repercursões numa geração futura, daqui a cerca de 20 anos. Este é o ciclo económico, e é preciso ter consciência disto, para não nos deixar-mos levar por "cânticos de sereia" por mais belos que eles sejam. Muitos dos problemas que estamos a passar, não derivam de desmandos actuais, porque esses só mais à frente, irão incomodar a geração dos nossos filhos. É necessário esclarecer tudo isto, para que não nos deixemos iludir. A crise da economia portuguesa vem de mais longe, quando todos pensávamos que tudo estava bem. O ciclo económico é longo e os impactos demoram a chegar, mas chegam. Sempre que a economia portuguesa esteve bem e em crescimento - uma das vezes foi nos anos 80, após a intervenção do FMI (!) -, em vez de se abater a dívida e reequilibrar a economia, seguiu-se a posição contrária. Como os juros, na época baixaram, a dívida ficou menor, e então à que gastar a torto e a direito, porque isso até dá votos. À dias, dizia Miguel Cadilhe que, nos anos 90 tinha sido convidado para umas jornadas do PSD, e que nelas, terá defendido o fim do betão, e a diversificação para outras áreas. Segundo o próprio afirmou, "zangaram-se comigo". Isto diz bem do que se está a passar, do que se passou e daquilo que por aí virá. Nesta saga em torno da economia portuguesa, é preciso ser-se bem avisado, e pensar que não existem inocentes, mesmo quando eles aparecem com a roupagem "paternalista" de "salvadores da pátria". Para além da discussão sobre o BPN, que contaminou a pré-campanha, e que promete continuar, ainda não foram discutidos nenhum dos problemas que afligem Portugal e os portugueses. Se o esclarecimento em torno do que se passou no BPN é importante, até para que todos saibamos quais as relações perigosas existentes, - mesmo entre alguns que se pretendem assumir como o paradigma de Portugal -, outro tema foi introduzido no fim-de-semana por Pedro Passos Coelho. O líder laranja em quem depositava-mos algumas esperanças para o futuro, vem-se mostrando, cada vez mais, ou sem sentido de Estado, - o que é grave para um candidato a futuro PM -, ou então, como fruto de manipulação pelos seus pares - com a ambição, já não contida, de chegar ao poder. Isto tem a ver com a possível entrada do FMI em Portugal, fruto do recurso do nosso país, ao fundo de estabilidade da UE. Como tem saído nos últimos dias na comunicação social, a Alemanha e a França vêm pressionando o governo português, no sentido deste, recorrer ao fundo. Apesar dos desmentidos, todos sabemos que, não à fumo sem fogo. Pois logo o jovem líder laranja veio dizer que se tal vier a acontecer deverão ser convocadas eleições antecipadas, logo secundado pelo populista Paulo Portas, que vê o ensejo de, mais uma vez, se sentir ministro. Estas afirmações são graves e desproprositadas. Primeiro, porque nos países que tiveram a intrevenção, como foi o caso da Grécia e da Irlanda, não houve alteração dos respectivos governos; segundo, porque com isto, estamos a dar sinais de profunda instabilidade política que os mercados não deixam de ter em conta. Marcelo Rebelo de Sousa já veio, no passado domingo, alertar para isto, dizendo que o PSD não pode dar sinais de: a) dar como certa a vinda do FMI, e b) depois disso, criar uma instabilidade política de que ninguém, (com bom senso), quer ouvir falar. O PSD tem estado, permanentemente, a dizer que não quer a crise, mas a potenciar essa expectativa no futuro imediato. Convenhamos que não é a melhor actuação na actual conjuntura. Se o FMI vier por aí - como achamos que virá - não será o fim do mundo como muitos o pretendem fazer crer. (Já o afirmamos em anteriores crónicas neste espaço e reafirmamos a mesma posição. Deixe-mo-nos de nos deixar assustar por papões que são agitados mais por interesse político do que pelo interesse nacional). No fundo, achamos que se devem ter em atenção as palavras de Manuela Ferreira Leite na comemoração do 9º aniversário da gestão autárquica da Câmara do Porto. Dizia ela que, "a classe política está desacreditada, afastada das populações e que os líderes políticos se habituaram a agradar a todos e tudo isso gera uma falsa esperança". Já vínhamos alertando para isto neste espaço e agora, MFL - com a qual até temos algumas divergências -, vem colocar o problema com o mesmo registo. Portugal e os seus políticos precisam duma forte reconversão, para que as populações - tão sacrificadas -, olhem para eles como o futuro da nação. Contudo, as contradições de todas as forças políticas, nomeadamente aquelas do chamado "arco da governação" são tão insanáveis, que parece que caminhamos a passos firmes para um beco sem saída do próprio regime. Poderá ser a democracia que está aqui em causa, numa das situações mais críticas que estamos a viver depois do 25 de Abril de 1974. Julgamos ser necessária a refundação da democracia, para dar oportunidade a outros, com melhores ideias e maior credibilidade, possam fazer algo por Portugal. Talvez estejamos a caminhar para a necessidade de fundar a 3ª República - ideia que vimos defendendo desde já algum tempo - com mais credibilidade, aproximando mais os políticos das populações, que todos nós, enfim, sintamos que estamos a contribuir para o bem comum. E devemos pensar nisto rapidamente, antes que Portugal se veja mergulhado numa implusão social sem precedentes, que ninguém deseja, mas que ninguém parece fazer nada para evitar.