Hoje iniciar-se-á o dia como se de uma grande vitória se tratasse. Os "media" encherão páginas, as televisões farão grandes parangonas. Afinal tudo isso pelo tão propalado "regresso aos mercados" de Portugal. E quando colocamos as aspas não o fizemos inocentemente. Mas descodifiquemos a situação. Contrariamente ao que se possa pensar, esta não é uma emissão regular de dívida, mas sim, uma reformulação duma operação já existente e que se vencerá em 2017. É, ao fim e ao cabo, uma reforma de dívida. A este tipo de operações chama-se tecnicamente "operação de incremento". Logo o tão falado "regresso aos mercados" começa a parecer outra coisa. Qual o risco desta operação? Neste caso ele é nulo, porque se não existirem compradores para os títulos, - estas operações são preparadas no mercado primário com antecedência -, o sindicato bancário formado por quatro bancos para esta operação, assume ficar com ela dividida em partes iguais, ou seja 500 milhões de euros para cada um. Isto é uma espécie de jogo em que sabemos antecipadamente quem vai ganhar. Mas não faltarão pessoas a clamar esta grande vitória como se todos os nossos males acabassem hoje! Isto não significa que não seja importante para Portugal esta operação, até para testar a reação dos mercados, mas longe do embandeirar em arco que por aí se vê e ouve. Hoje também será conhecido o défice do Estado que, segundo Vítor Gaspar, ficará nos 5% acordados, embora haja sinais de que fique um pouco mais abaixo. (À hora que escrevemos ainda não temos conhecimento desses dados). Contudo, e a verificar-se essa situação, será importante sem dúvida, mas que carece de algum cuidado de análise. Primeiro, porque esta situação está a ser atingida com mecanismos extraordinários, nem sempre muito evidentes, com operações de rearranjo financeiro e vendas apressadas e ao desbarato de património. Não é caso único, nem Portugal é o único país a recorrer a estes expedientes, que embora dentro dos limites legais, não deixam de enviesar o resultado final. Mas que efeito prático terá sobre cada um de nós? Zero! Porque enquanto a economia não começar a crescer e o desemprego a diminuir, não conseguiremos sair da situação em que estamos. Agradamos aos credores e à "troika" pelo objetivo do défice, mas quanto a todos nós, nada se passará para minorar a situação em que vivemos. Uma coisa é a finança outra a economia. Dentro deste cenário, ainda tivemos o pedido de renegociação do prazo da dívida. Para um governo que dizia que nunca pediria mais tempo, não deixa de ser curioso. Já aqui o defendemos por diversas vezes, bem como, muitos economistas reputados que, aparentemente, iam contra a corrente oficial. Afinal não era assim! Ignorância ou má fé, cada um tirará as suas ilações. E porquê deste pedido? Porque Portugal tem, nos próximos 4 anos, que pagar 50.000 milhões de euros, isto é, cerca de um quarto do PIB! Mas como seria isso possível sem que a economia cresça? Uma falácia colossal. E, como vimos insistindo desde há muito, porque não renegociar os juros. Uma coisa sem a outra pode ter um efeito preverso no médio prazo. Com o seu abaixamento até se poderia aliviar um pouco a austeridade, embora é nossa convicção que o atual executivo não seguiria esse caminho. O "timing" desta operação prende-se, assim, com o abaixamento dos juros (yields) que se está a verificar nos mercados. Trata-se assim, duma "jogada" do governo antes que as coisas comecem a correr menos bem, como é nossa convicção, durante 2013 e 2014. E não tenhamos dúvidas. Isto é uma renegociação da dívida, embora o governo tente passar uma mensagem diversa. Para que fique claro, existem três tipos de renegociações de dívida: Por aumento de prazo, por diminuição de juros e, por perdão parcial da dívida, a que tecnicamente se dá o nome de "haircut", situação que já vimos a ser aplicada na Grécia. Assim, este pedido de mais tempo, não é mais nem menos, do que uma renegociação, que fique bem claro. E se o pedido foi feito às instâncias europeias, estranha-se que tenha ficado de fora o FMI. Lagarde tem dito que não, mas será importante que o FMI entre na operação neste momento em que tudo parece correr bem, porque a muito curto prazo, ainda em 2013 e como atrás já referimos, tornar-se-á visível que não será assim, infelizmente para todos nós, a menos que muita coisa aconteça ao nível da economia no curtíssimo prazo, o que nos parece pouco provável. Assim, o dilema de Gaspar é mais do que evidente. Com um cenário aparentemente benéfico, quando passamos a uma análise mais fina vemos que tal não se aguenta por muito tempo. Nada de novo para um ministro das finanças. Já vimos, o anterior ministro da pasta, homem de grande competência técnica, - tal como Gaspar -, a ter que aumentar os salários dos funcionários públicos quando todos os indicadores apontavam para o inverso, situação que depois, logo após as eleições, teve que ser corrigida. O dilema dum homem que ocupe esta pasta, e se ele é altamente competente, como é o caso, é sempre este dividir de atitudes entre aquilo que tecnicamente se impõe e aquilo que a agenda política determina. As autárquicas estão aí à porta. Não é inocente o tempo em que tudo isto acontece. Mas o dilema de Gaspar, - o sacrificar o técnico ao político -, esse manter-se-á, sobretudo, quando se começar a ver que nem tudo são rosas, mas que estas estão pejadas de espinhos.