Quando a Rosita afinal é Mariana!!!...
Começa hoje o outono. À 1,54 horas deste dia 23 de setembro de 2018 dá-se o chamado equinócio de outono. O equinócio de outono é a designação que a astronomia atribui ao fenómeno natural que assinala o final do verão e a chegada da nova estação. É o instante preciso em que o sol cruza o plano do equador celeste, o que decorre em setembro no hemisfério norte e em março no hemisfério sul. E assim ficaremos até ao dia 21 de dezembro, quando ele se despedirá de nós e dará lugar ao inverno. Por variadas razões, esta é a estação que mais me atrai. Nem sei bem explicar porquê. Talvez por esta minha índole nostálgica a tocar o romântico. Sempre que esta estação chega, perfila-se na minha mente aquela imagem de estar sentado em casa, um céu um pouco velado, uma luz mais crepuscular, um livro talvez de poesia e uma música suave, quiçá em piano, talvez Chopin, ou porque não Schubert. Esta é uma imagem recorrente que ano após ano se desenha na minha mente quando o outono faz a sua aparição. Coisas de velho talvez, onde a sensibilidade já vai desenhando a traço mais firme e vincado o nosso carácter. E assim ficarei, de novo, afogado nas minhas memórias, nas recordações dum tempo outro onde os anos eram mais escassos e as expectativas eram o mote. Mas tudo passa por mais que queiramos negar a evidência. A nossa vida, tal como as estações do ano, vão-se esgotando uma atrás da outra, como a nossa vida se vai esgotando desfazendo-se em nada quando o fim chega. À medida que envelhecemos estas imagens são mais presentes porque a nosso fim está mais próximo como nos diz qualquer teoria básica das probabilidades. No entretanto, enquanto a vida nos brindar com a sua presença, vamos admirando este tempo novo. O das cores das folhagens que se transmutam como num passe de mágica, depois lá mais para a frente, vão-se desprendendo das árvores e vão formando autênticos tapetes com que vestem as ruas. Este também é um tempo dum outro encanto, duma outra beleza, dum outro horizonte. É por isso que se diz que esta é a estação dos poetas, dos visionários, dos românticos. Afinal o outono tem a sua graça, o seu encanto, a sua magia, pelo menos para mim.
Confesso que tenho andado apreensivo. Nas minhas sessões de jogging pela manhã bem cedo, sempre me cruzo com muitos gatos, alguns deles até parece que me vêm saudar. Desde à três dias que não vejo nenhum no meu trajeto habitual. Sei o que isso significa porque já não é a primeira vez que tal acontece. E por isso, o meu incómodo era muito. Hoje pela manhã, e já sem esperança, vi a Rosita que veio de novo ter comigo para a habitual guloseima, uns bocados de queijo. A princípio não pensei que era ela. Ainda estava lusco-fusco. Mas depois vi que sim. A Rosita tinha voltado. (Não sei porque se ausentou, sendo castrada, julgava que seria mais sedentária). Mas desta vez mais fugidia, alguma coisa lhe deve ter acontecido porque não veio ter comigo com o mesmo à-vontade que fazia antes. O seu companheiro(a) ou irmão(ã) também apareceu mas sempre muito à distância, mas este(a) foi sempre assim. Pelo que vos contei antes parece que a Rosita escapou desta vez à saga habitual aqui do envenenamento de gatos. Pareceu-me normal, não lhe vi sinais de qualquer ferida ou outro problema qualquer. Sei que está diferente, um pouco fugidia. Veremos ao longo do dia se retoma a confiança habitual. Para já, estou feliz. A Rosita voltou e comeu a sua guloseima que tanto gosta. A sua comida e água estavam intactos, a sua cama não tinha sido utilizada. Aguardemos para ver como as coisas evoluirão. Para já estou contente com o seu regresso e o Nicolau terá de novo um motivo para a sua habitual 'gato-terapia'. Tem alguém com quem fazer exercício. Bem vinda, Rosita! Nem sabes a alegria que nos destes depois de tanta apreensão e preocupação. Que sejas sempre feliz nesta casa.
"Sentir tudo de todas as maneiras; saber pensar com as emoções e sentir com o pensamento; não desejar muito senão com imaginação; soffrer com coquetterie; ver claro para escrever justo; conhecer-se com fingimento e tactica, naturalizar-se differente e com todos os documentos; em summa, usar por dentro todas as sensações, descascando-as até Deus; mas embrulhar de novo e repôr na montra como aquelle caixeiro que de aqui estou vendo com as latas pequenas da graxa da nova marca." - Fernando Pessoa (1888-1935) in 'Livro do Desassossego'.
"Todas as manhãs a gazela acorda sabendo que tem que correr mais veloz que o leão ou será morta. Todas as manhãs o leão acorda sabendo que deve correr mais rápido que a gazela ou morrerá de fome. Não importa se és um leão ou uma gazela: quando o Sol desponta o melhor é começares a correr." - Mia Couto in 'A Confissão da Leoa'.
Passaram já vinte e oito anos desde um dos dias mais importantes da minha vida. Desde essa altura até agora muita água correu sob as pontes, como é natural ao longo duma vida. Umas vezes melhor, outras menos bem, lá fomos encontrando o equilíbrio para manter esta relação. Coisa assaz diferente do que se vê hoje em dia, onde a capacidade de 'aturar o outro' não existe, e daí a quantidade de separações. E se estas deixam sempre marcas, - por mais que o queiramos negar -, elas ainda são maiores quando existem filhos, que são sempre o elo mais fraco sobre quem desaba tudo isso. Não temos filhos, mas isso não impediu que não tivéssemos a tal capacidade de nos 'aturarmos um ao outro'. Mas não vos falo disto para celebrar uma efeméride de que sou protagonista. Quero antes trazer aqui a memória do abade Ramiro Ferreira, um homem que apesar da sua idade, soube interpretar os nossos sentimentos. Sempre nos recebeu bem e acabou sendo frequentador da nossa casa. É a ele que me quero referir com mais evidência. O abade Ramiro era um homem duma força enorme por trás da sua aparente fragilidade. (Era um padre exorcista dos muito poucos que existem na Cúria, embora não gostasse de falar sobre isso). Muito humilde e culto, muitas vezes lhe ouvi as histórias da Ordem de Cristo, - Ordem que foi detentora do mosteiro em que ele celebrava -, o mosteiro de Águas Santas. E estou a falar no passado, porque o abade Ramiro já nos deixou à um par de anos. Já aposentado, não durou tanto assim a sua aposentação, porque viria a falecer pouco tempo depois na sua casa de Fiães, em Santa Maria da Feira, donde era natural. Sempre que passo por Águas Santas, não deixo de visitar aquele mosteiro, que muito me agrada, e invocar a memória veneranda do abade Ramiro. É a ele que aqui quero celebrar, para além de tudo o resto, pela sua abnegação, dedicação, humildade, tudo predicados dum grande homem.
Se as suas férias estão a terminar não pense em adotar um animal para o abandonar no próximo verão, numa qualquer autoestrada, numa qualquer estação de serviço, numa qualquer mata. Se quer passear não tenha animais. É o melhor que tem a fazer. Um ser destes é para a vida e não só para quando dá jeito. Para ter fechado numa varanda, num apartamento, acorrentado a uma casota, triste só e abandonado, e depois abandoná-lo quando chegarem de novo as tão "merecidas férias", pois então, esqueça. Você não é digno de ter animais. Animais tão sublimes como gostaria você de ser e não é. Talvez tenha inveja de não o ser. Se calhar por isso usa da bestialidade sobre eles. Apenas e só para demonstrar a sua prepotência. Apenas e só para demonstrar a sua pequenez. Seja bem regressado das tão "merecidas férias".