Natal! Eis-nos chegados ao Natal! Mais um que o calendário vai assinalar. Festa da família por excelência. Festa das crianças por tradição. Festa de comunhão familiar para uns, festa de ausentes para outros, para quem a família não passa dum eufemismo. Num mundo em transformação acelerada, num mundo que parece andar, por vezes, às avessas, cumpre-se mais um Natal. Que seja mais do que uma simples efeméride que se celebra anualmente, já carente de sentido. Que seja mais do que luzes que ofuscam a razão, presentes - por vezes inúteis - que iludem a mente, mesa farta que tolhe os sentidos. Que seja mais do que tudo isso... Estou a escrever-vos de alma despojada. A minha alma é simples, transparente e real. É uma alma que se sente sem segredos, sem pontos escuros para ocultar, com muita coisa para contar e com muitos pensamentos para passar para o papel. Este ano cumprem-se onze anos duma véspera de Natal em que estava particularmente feliz, não tinha razões para isso, mas estava feliz. Mas está escrito nas estrelas que a felicidade não é uma benesse para todos. Oito dias depois, - véspera de Ano Novo -, recebi uma notícia que me abalou muito. Tomei consciência duma realidade que não vi até então, - ou não quis ver! -, que acabaria três meses depois com a perda da única pessoa de família que me restava. Mais do que a perda, foram as circunstâncias que a rodearam. Quando uma pessoa é vítima, - para além da doença -, da incompreensão, intolerância, em suma, do mais baixo da condição humana, as coisas doem com mais força. A partir daí deixei de ter Natal. Passou a ser apenas uma data, mais do que a celebração dum nascimento, passou a ser a celebração das memórias, a celebração dos ausentes. (E não se espantem com o que aqui vos digo, por vezes, é necessário renascer, e para isso, temos que morrer, nem que seja para um passado que nos incomoda, embora nem sempre tenhamos força para isso). Este ano não será diferente. O meu coração sangra, os meus sentidos entorpecem. O sentimento de culpa é enorme, - embora não tenha culpa alguma! -, apenas a de estar desatento. Mas nunca mais a alegria passou a ocupar espaço em mim. Quando ao fundo do túnel não vislumbramos a tão almejada luz mas antes mais túnel, não podemos estar felizes. Só não morri porque estava decretado que sofresse mais do que ninguém. Estou condenado a sofrer e a ver sofrer todos os que me são queridos. Estou condenado a sentir-me só, embora rodeado de pessoas, que é a pior das solidões. Estivemos juntos neste lugar em que escrevo, onde ainda estou na minha saudade. E a saudade é um sentimento que quando não cabe no coração, escorre pelos olhos. Contudo, neste Natal tenho um paliativo, algo que me faz sentir melhor. Quis o destino que nesse mais túnel que se me apresenta, aparecesse uma pequenina luz, uma luz que espero se torne mais forte e intensa com o passar do tempo. Mas será uma luz? Que digo eu!!! Não será antes o brilho luminoso duma flor, da mais bela flor do meu jardim de Outono que aparece para amenisar a minha tristeza? Pois é, a Inês do meu contentamento, passará o seu primeiro Natal entre nós. Será uma coisa boa, quando já desesperava para que algo de bom acontecesse. O maior presente que o Pai Natal me trouxe vai para dois meses, numa Natividade antecipada, mas celebrada qual presépio fora de tempo. Espero que esta felicidade que me invade, (e disso, penso estar seguro), não seja tão efémera; esta minha alegria não seja tão fugaz como aquela que tive à onze anos atrás. Será na fragilidade dessa criança que irei buscar a minha força, que irei viver a minha epifania, que irei obter, quiçá, a minha redenção. A Inês do meu contentamento está a fortificar-se, a ter uma percepção do mund
o cada vez mais aguçada, a tempo de preencher o meu Natal. Com a sua serenidade e fragilidade de criança, com o seu olhar ainda pouco claro, ainda a descobrir o mundo, ela encerra em si aquilo que é a pureza do Natal. O Natal mais singelo, mais puro, mais contido, enfim, o Natal no seu verdadeiro espírito, na sua verdadeira essência. Foi algo de muito bom que me aconteceu na vida desde à muitos anos. Numa vida que a partir de determinada altura foi abraçada pela tristeza, com um abraço forte, do qual nunca mais me consegui desprender. Dói-me a ausência dos entes queridos. Já não é apenas o espírito e o coração que se sentem desamparados, é o corpo que me dói. O alfabeto tornou-se demasiado pequeno e
as letras insuficientes para exprimir o tamanho da minha dor. Neste Natal de sombras, onde as memórias ocupam os maiores lugares à mesa, esta criança aparece com a sua fragilidade, mas também com a sua determinação, a tentar afastar as núvens negras que pairam sobre mim. Inês flor, Inês amor, Inês do meu contentamento, envolta no teu nome de rainha, a ti estou grato pelo muito que me dás sem o saberes, sem nada pedires em troca, o que torna o gesto ainda mais puro e valioso. Espero um dia, se o Inverno da vida ainda mo permitir, agradecer-te por tudo isto que representas para mim, mas também espero que, nessa altura, já com a percepção do mundo real, me ajudes na caminhada final, no escoar dos meus dias na ampulheta do tempo. Enfim, me ajudes a cumprir a minha lenda pessoal. Tu que és para mim o maior presente que recebi, que és a essência duma vida, que és a esperança dum futuro. A ti Inês estou grato por tudo, pela singeleza do gesto, pela delicadeza do olhar, pela alegria do sorriso. A ti Inês, a mais bela flor do meu jardim de Outono, te agradeço. Um dia compreenderás que enquanto houver um nosso semelhante que não tem nada na mesa para comer, enquanto houver um animal acossado, enquanto houver uma natureza vilipendiada, enquanto não percebermos que temos que ser mais solidários com o mundo que nos rodeia, não posso ter Natal, pelo menos, um Natal de paz, - em paz comigo mesmo -, de amor, de fraternidade. Mas vamos tentando que o mundo mude, é essa a expectativa em cada ano que se dobra no calendário, para que o Natal seja possível. Que tu, Inês, sejas luz no meio das trevas, que sejas esse farol que, no meio da noite, espalha luz à sua volta, servindo de referência, de orientação ou de aviso para os navegantes. E que eu seja competente em não a esconder, nem apagá-la, mas, isso sim, em reflecti-la, em espalhá-la através do meu testemunho de vida. Com esta luz que devemos acender dentro de nós, queiramos viver sempre alegres - se disso formos capazes -, não apagando o nosso fogo em ninguém nem despresando os dons dos outros, mas avaliando aquilo que é bom e orientando tudo para o bem comum. Que esta luz nos guie ao Natal, que aprendamos a ser testemunhas da luz e a viver o mandamento novo do amor, como única solução de todas as guerras, de todos os conflitos, de todas a
s desavenças. E que estas lágrimas que me correm pelo rosto enquanto escrevo representem para ti não as lágrimas da tristeza e do sofrimento que me corrói, mas antes as lágrimas de alegria, de júbilo de tudo o que desejo para ti. Assim, a todos vós que estais em paz e equilíbrio com o cosmos; a todos vós que estais em paz e equilíbrio com o universo; a todos aqueles de quem não gosto tanto; àqueles que não gostam de mim; àqueles que se cruzam comigo no espaço cibernético, mesmo não partilhando dos mesmos ideais; aos meus amigos fiéis e sinceros, companheiros na alegria e na tristeza, símbolos da verdadeira amizade ao longo dos anos; e, sobretudo, a vós que me fazeis sentir como fazendo parte duma família que já não tenho e com isso amenisando a minha solidão; a todos vós companheiros de jornada da vida desejo-vos umas Boas Festas. Vós que com a vossa diversidade coloris o mundo, - o nosso mundo -, fazeis com que a minha vida se preencha, sem olhar a credos, opções políticas, cor de pele, ou seja lá o que for que nos diferencie, a vós todos, sem reservas ou tibiezas, desejo um Feliz Natal!