Turma Formadores Certform 66

Tuesday, November 30, 2010

Equivocos da democracia portuguesa - 59


As eleições presidenciais estão à porta e Cavaco Silva parece ser, segundo as sondagens, o melhor candidato para vencer à primeira volta. Não somos admiradores inconfessados do actual PR, mas talvez, seja a pessoa certa no actual momento do país posição defendida por várias pessoas como o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Contudo, Cavaco Silva tem querido aparecer com uma linguagem muito salazarenta de que não é um político. Ora, um homem que foi dez anos primeiro-ministro mais cinco como presidente da República, convenhamos que não é o melhor cartão de visita para quem se diz não ser um cultor da política. Ele que tem defendido, e bem, o máximo rigor nas contas públicas, talvez não seja o melhor exemplo. Hoje, que se opõe às grandes obras públicas, nomeadamente o TGV, - com o qual estamos em perfeito desacordo, como já o afirmamos em anteriores comentários -, ele que tanto se preocupa com os encargos para as gerações futuras, não deixou de fazer a sua obra "faroónica" que foi o CCB. Nessa altura, embora com dinheiros comunitários, dirão alguns, mas com encargos que temos que pagar, e alguns deles já o estamos a pagar e continuaremos a pagar. Já para não falar nas parcerias público privadas. Como disse à dias José Miguel Júdice - que ironicamente é o presidente da comissão de honra da candidatura do Cavaco Silva - "ele (Cavaco Silva) foi o criador do célebre "monstro" que o próprio denunciou, tentando atribuir a outros a sua paternidade", mas Júdice vai mais longe, quando afirma que "Cavaco Silva destruiu o PSD, ou aliás o PPD, de Sá Carneiro, não aproveitando a herança deste impondo um estilo autoritário que desvirtuou o partido, bem como, a ideia que presidiu à sua formação com Sá Carneiro". Isto vem num livro de José Miguel Júdice que irá aparecer nos próximos dias com o título "O Meu Sá Carneiro", onde Júdice analisa o fundador do então PPD, da proximidade que teve com ele quando, durante dois anos, foi o seu advogado. Um livro muito interessante, que vem desmistificar Cavaco Silva, sobretudo, para aqueles que têm memória curta. Este homem que, segundo o próprio, "nunca tem dúvidas e raramente se engana", poderá vir a continuar a ser o nosso PR por mais cinco anos. Desta vez, será seguramente mais interventivo, até porque não existirá o espectro de nova reeleição, e poderá também vir a ser um factor perturbador político num país a braços com inúmeros problemas. Cavaco corre o risco de ser re-eleito pelos portugueses como a solução para a conjuntura actual, mas, ... e se em vez da solução se tornar no problema?

Monday, November 29, 2010

Conversas comigo mesmo - II


Um silêncio que nos chama para mais perto da vida. Em torno dos que nos morrem, há um silêncio que nos chama para mais perto da vida. Dá-nos a ouvir coisas que não sabíamos ou tínhamos esquecido. A memória guarda o que foi bom daqueles que nos morrem, o que deles foi dom para nós e para os outros. Contemplando-os, descobrimos mais lúcida e aumentada a nossa capacidade de compreensão e de perdão. Apenas os mil gestos da ternura importam afinal. E dizemos, baixinho, muito gratos: "Bem-hajas!" Sem que eles o queiram, o desarmado silêncio dos que nos morrem chama-nos a depor no santuário íntimo da consciência. É assim este mistério maior do que a morte: a quem ama parece sempre pouco o muito que dá. Por isso, mais do que de impotência, a morte fala-nos de imperfeição, de incapacidade, de fragilidade. Os que nos morrem ensinam-nos, no mais fundo de nós, a compaixão. A morte não retira seriedade à vida. Ao contrário: - ela relativiza as grandes coisas, o poder, o dinheiro ou os grandes êxitos proclamados ao som de trombetas; - ela desperta-nos para essas pequeninas e invisíveis forças do amor humano que actuam de pessoa para pessoa, que rompem pelas fendas do mundo como finíssimas raízes ou minúsculas gotas de água e fazem em mil pedaços os mais pesados monumentos do orgulho; - ela responsabiliza-nos por cada palavra e gesto, por cada uma das nossas escolhas e prioridades. A morte é sempre uma pergunta sobre o amor que fomos capazes de gerar. Os que nos morrem despertam-nos para as dores do mundo, obrigam-nos a pensar a morte para mais fundo pensarmos a vida, como duas partes de um todo. E, é curioso, de tal forma caminham entrelaçadas, que chegamos a duvidar da fronteira entre o que é a morte e o que é a vida. Tantas vezes, na vida vivida com os que nos morrem, nos impusemos renúncias e mortes ao egoísmo e tantas vezes isso gerou vida. Como se o amor fosse uma lança atirada ao coração dos rituais de auto-realização e das fórmulas fáceis, como se todo o amor tivesse uma cruz onde se morre e ressuscita para algo de maior, capaz de desafiar os medos e o sem-sentido. Os que nos morrem ensinam-nos a segurar as rédeas da vida, mas ensinam-nos também a abrir as mãos. Para acolher e deixar partir os que nunca foram propriedade nossa, mas tão só empréstimo do singular milagre da vida que vivemos juntos. A dor pela perda dos que nos morrem inaugura às vezes estranhos caminhos dentro de nós. Feliz de quem neles serenamente se descobre como o ramo que os continua. A morte é fonte de fecundidade e de esperança. É sempre do amor e da vida que falamos quando lidamos com a morte.

Sunday, November 28, 2010

Conversas comigo mesmo - I


Chove muito dentro de nós. Sentimos que quem morre nos morre. Há "mas" e "porquês" que nos sacodem. Temos o coração ferido e nas feridas toca-se devagarinho. Nestes momentos, lidamos mal com as palavras; só ouvimos a desolação interior e as palavras que vêm de fora estão, muitas vezes, gastas. À força de as termos dito e ouvido, raramente nos chegam dentro. Falam-nos mais os gestos e a presença demorada. É assim, entregues às recordações e à infinita dor da nossa perda, ouvimos subtilmente a mensagem de que precisamos: "Não estás sozinho. Estou contigo". Sentimos a partida dos que nos morrem na medida em que os amámos. Dir-se-ia que precisamos deles para respirar, porque não se trata de um eu que chora e de um tu que morreu, mas de um nós; por isso os sentimos mais próximos do que um abraço. Mas é diferente. Perdemos a possibilidade de os ouvir, de lhes dizer o tanto que devia ainda ser dito. E as lágrimas são-nos necessárias para que a dor nos não sufoque. Precisamos de chorar. Temos razões para o fazer porque sofremos com a perda de um amor que cultivámos, cuidámos, construímos e é parte de nós. O outro que morre, quando amado, para quem o ama e, curiosamente, nenhuma experiência da vida o torna tão intensamente presente no íntimo de quem o ama como quando morre.

Thursday, November 25, 2010

Equivocos da democracia portuguesa - 58


Ontem foi dia de greve geral. Ura! Agora os problemas de Portugal desapareceram. Contudo, andam por aí uns falsos portugueses que é bom que sejam desmacarados. Desde logo, Passos Coelho que, embora concordando com a greve disse que ia trabalhar! Olhem o desplante. Como se a greve geral não fosse um acto patriótico que muito veio ajudar o nosso país. Depois foram os funcionários da AR e dos restantes orgãos de soberania! Que falta de vergonha. Se não fosse o elevado número de desempregados pensamos que deveriam ser tomadas providências para os despedir com justa causa. No mínimo exigimos que sejam fortemente repreendidos para que na próxima greve geral não se auto-excluam. Os trabalhadores das empresas privadas, veja-se a pouca vergonha, quase que não aderiram. É tempo de se fazerem algumas sessões de esclarecimento - como se fizeram em 1975 - para ver se esta pouca vergonha acaba e, de futuro, adiram como os restantes. Sons de patriotismo, esses sim, vieram do presidente da Comissão Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ortiga, que apoiou a greve geral e até afirmou, e muito bem, que se deviam fazer mais greves, quando certos diplomas são aprovados. Aí valente! Isto é que são homens! Não bastou esta, mas deveriam vir mais. Acho que se deve pensar em nomear D. Jorge Ortiga para futuro presidente da Intersindical da Igreja. Estes sim, são os bastiões do regime. (Já agora, que ponha em ordem os bracarenses que aderiram pouco à greve. Isto não se pode passar, e logo, numa das mais influentes dioceses de Portugal). Estes sim, foram os homens que sofreram no antigo regime quando lutavam pela greve, numa altura em que ela era proíbida, num acto claramente anti-patriótico. Porque esta greve geral veio ajudar Portugal mais do qualquer OE que se aprove. Viva a greve geral! Hoje acordamos bem melhor do que ontem nos tínhamos recolhido. A dívida soberana passou a ser um pesadelo do qual não nos queremos lembrar, o dinheiro que ontem pedíamos ao mundo, hoje emprestamos aos outros que, como nós, não souberam fazer uma greve geral. O desemprego acabou, o apertar do cinto já é passado. A Europa contempla-nos com admiração e espanto. Mais uma vez, este pequeno país, na senda dos seus antepassados descobridores, dá lições ao mundo. Quando ouvimos discutir as percentagens de adesão pelo governo e sindicatos, podemos dizer que estamos a aferir os níveis de patriotismo deste país, que pensavamos já não existirem. Hoje somos um país novo, mais rico, mais próspero, menos endividado que os restantes. O pleno emprego é algo que pensávamos não ser possível, mas ele aí está. Saibámos estar à altura dos nossos maiores. Hoje somos um exemplo para o mundo. É caso para dizer "contra os canhões, marchar, marchar!" Viva a greve geral!

Wednesday, November 24, 2010

Equivocos da democracia portuguesa - 57


Ontem os juros da dívida portuguesa a 10 anos voltaram a subir para os 7,1%. Isto é muito preocupante, sobretudo, pelo facto de após a Irlanda ter recorrido ao fundo europeu e concomitantemente ao FMI. O mesmo se verifica na Grécia que, mesmo após a intervenção do FMI, está a sofrer novo ataque especulativo dos mercados. Para além de tudo isto, parece que o Governo quer pôr alguns portugueses ou algumas empresas fora da crise!!! Quando todos nós somos convocados para enfrentar a crise, o Governo fez passar na AR, - na discussão na especialidade do OE -, uma alínea que faz com que algumas empresas, fiquem fora dos cortes salariais já anunciados para todos nós. Por exemplo, pode acontecer que a PT, ou a RTP, ou a TAP, ou uma Câmara Municipal qualquer, não tenha que aplicar cortes salariais. No limite pode até acontecer que um trabalhador duma dessas empresas públicas ou com capital maioritariamente público pode não ver o seu salário reduzido!!! Afinal a crise é para todos ou só para alguns? Porquê esta excepção que surpreendeu todos nós? Porque é que o PSD se absteu para facilitar a aprovação da proposta? (Daí a diferença não ser nehuma entre estes dois partidos, e novas eleições não irem resolver nada, a não ser, termos novas caras na AR). Estas são questões sérias e graves que merecem um comentário político o mais urgente possível. Ninguém compreende isto, e se não for devidamente esclarecido, pode levar a um grave conflito social. Mas os equívocos da nossa democracia continuam como uma novela. Agora foi o Prof. Nogueira Leite, consultor económico do PSD, - o tal que acha que este Governo é semelhante a belzebú - afinal veio desmistificar uma questão que, já aqui neste espaço, vínhamos defendendo à mais de um ano. Disse ele que "Cavaco foi o verdadeiro criador do "monstro" que hoje ele tanto critica", imputando a terceiros a sua paternidade, diríamos nós. Finalmente parece que alguém veio a terreiro esclarecer as falsidades que o PSD vinha dizendo durante anos. Talvez estas afirmações tenham criado algum desconforto dentro do PSD, mas pelo menos falou-se verdade, embora tardiamente. Mas como diz o povo "mais vale tarde do que nunca". Cavaco que, para além de ser um economista emérito, também comete erros. À dois dias afirmou na Universidade Católica que a dívida portuguesa está alinhada pela média europeia. Nada mais errado. A dívida assumida e inscrita sim, mas não devemos esquecer que para além desta, existe uma parte de projectos já assumidos e identificados que elevam a dívida muito acima da assumida, - veja-se o estudo que o BPI fez sobre esta matéria -, e isso leva à desconfiança dos mercados sobre Portugal, acrescida pelo falhanço orçamental deste ano que se vai verificar, que condiciona aquilo que os mercados acham que será a execução orçamental em 2011, de modo a atingir os valores acordados com a UE. Em torno de todos estes equívocos fica a sensação de que, o Governo está descredibilizado e, sobretudo, o seu ministro das finanças. Como já dissemos várias vezes, o Prof. Teixeira dos Santos é uma pessoa que conhecemos pessoalmente e sabemos da sua enorme competência, daí a dificuldade em aceitarmos os vários deslizes e derrapagens que não foi capaz de evitar. Temos um PR que já está em campanha eleitoral, que quer impressionar com a sua sapiência. Afinal é o homem "que nunca erra e raras vezes tem dúvidas", como ele próprio, em tempos afirmou. Como atrás demonstramos parece que não é tanto assim. Mas os equívocos continuam. O escândalo de alguns grupos empresariais que estão a antecipar a distribuição dos dividendos para este ano de modo a que os accionistas não sejam penalizados pelas novas directivas fiscais. Isto é uma vergonha. Para além do aspecto legal - que até pode permitir esta situação - temos o aspecto moral, o sentido que é dado à sociedade não é o melhor, e os portugueses estão atentos a tudo isto. A nossa democracia está numa verdadeira encruzilhada que é muito grave podendo mesmo vir a pô-la em causa. Temos que estar todos mobilizados para enfrentar esta crise, mas temos que ser todos, e não apenas alguns, face a outros para quem a crise não existe, nem nunca existiu. O sentimento popular aí está na rua com a greve geral de hoje. Mas a greve não acaba com a crise, fica apenas o sentimento da população e o aproveitamento político de uns tantos...

NATO e a "Estratégia de Lisboa"


Realizou-se no passado fim-de-semana, em Lisboa, a Cimeira da NATO e não só. Como é do conhecimento geral realizaram-se também as cimeiras da Europa e EUA e a EUA com a Rússia. Num balanço global achamos que foi um verdadeiro sucesso. Desde logo porque se definiu uma nova estratégia para a NATO que vinha sendo falada à já muito tempo. Com algo, desde logo, muito importante, que foi a definição e calendarização da saída das tropas da NATO do Afeganistão. É evidente que a NATO tem entrado em conflitos donde a sua actuação não tem sido das melhores, veja-se o caso dos Balcãs, e a maneira como dificilmente lidou com o problema. O Afeganistão foi outra guerra onde a NATO tem tido os seus maiores reveses, mesmo quando tenta impor um regime fantoche como o do Presidente Hamid Karzai - que inclusivé, chegou a Lisboa num avião americano. Oxalá não estejamos numa situação idêntica à de Saddam Hussein, armado e treinado pelos EUA, como o foram os Talibãs. Mas a decisão não deixa de ser importante. Depois foi o acordo entre os EUA e a Rússia, sobretudo sobre o escudo antí-míssil, que tinha motivado muitas reservas, para não dizer, hostilidade, de Moscovo. O passo dado pela Rússia é verdadeiramente um passo histórico de aproximação ao Ocidente. Mas ainda se realizou uma outra cimeira entre os EUA e a UE. A UE que tem acusado Barack Obama de ter secundarizado a Europa - ele que é um homem do Pacífico, como já o referiu por diversas vezes - vinha criando um certo mal-estar na UE. Parece que as coisas ficaram um pouco mais desanuviadas a partir de agora. Mas para além de tudo isto, fica a sensação duma grande cimeira, com uma actuação exemplar das autoridades portuguesas, que não deixaram resvalar a situação para algo grave, como acontece em todo o mundo, durante eventos desta natureza, bem como um elevado protagonismo das autoridades portuguesas, desde logo, Luís Amado, que enquanto ministro dos negócios estrangeiros, teve um comportamento irrepreensível, muito saudado aliás, e José Sócrates, que, também ele, foi muito elogiado por Obama e não só. Parece que o primeiro-ministro português está numa situação em tudo idêntica à de Obama nos EUA. É mais popular no exterior que dentro de fronteiras. Quem como nós, conhece bem o que se passava para além das nossas fronteiras, sabe que Sócrates é muito considerado no exterior, pela sua determinação, coragem, empenho e capacidade de trabalho. Sem dúvida que este acontecimento veio dar a Sócrates e à diplomacia portuguesa, um elã muito importante, pelo sucesso de que esta cimeira se revestiu. Mas também, porque tem sido capaz de por Portugal no mapa, e trazer para o nosso país grandes eventos mundiais, que tornam Portugal num país de referência, como foi o caso da Cimeira da UE, donde viria a sair o famoso "Tratado de Lisboa", e agora, sai mais uma, a "Estratégia de Lisboa", marco importante, quiçá histórico, para a NATO que pode vir, e virá com certeza, a condicionar o futuro próximo de todos nós. Portugal ligado a dois importantes eventos, ambos com muito sucesso, não só nas conclusões a que se chegou, mas na sua organização, que tem feito com que Portugal seja olhado como um país capaz de organizar grandes eventos, donde têm saído decisões importantes. Esperemos que Portugal e os portugueses possam vir a colher alguns frutos de tudo isto, porque bem o merece, pelo empenho demonstrado.

Monday, November 22, 2010

A crise financeira e a recessão - XL


Todos ficámos surpreendidos pelas declarações de Luís Amado, o nosso ministro dos negócios estrangeiros, proferidas em entrevista ao jornal Expresso de à duas semanas atrás. Sobretudo, sobre as declarações finais onde se colocava a hipótese de, se as coisas continuarem como estão, não ser de excluir a possibilidade da saída de Portugal da zona euro. Esta afirmação provocou um verdadeiro cataclismo político em Portugal e no estrangeiro, o que não foi bom para a agitação que os mercados financeiros - sobretudo, o mercado primário - têm mostrado relativamente aos países periféricos e, desde logo, a Portugal. Estas afirmações pareciam deslocadas e carentes de fundamento até, Herman Van Rompuy - presidente da UE -, ter feito uma afirmação semelhante em Bruxelas, ainda com um alcance maior quando colocava a hipótese duma desagregação do euro. Angela Merkel foi pelo mesmo caminho dizendo que o fim do euro, caso se venha a verificar, seria o fim da UE. Que estranha coincidência esta, de vários líderes terem tocado no mesmo ponto na mesma altura. Ficámos com a sensação de que Luís Amado foi um porta-voz, em Portugal, de algum desencanto que se faz sentir dentro da UE e, sobretudo, dentro da zona euro. Todos sabemos que, se Portugal sair da zona euro, seria uma catástrofe para o nosso país, mas a UE ficava também em má situação, porque um precedente destes poderia levar a atitudes semelhantes de outros estados membros da União e, consequentemente, a uma desagregação da moeda única, logo, da própria UE. No nosso caso, fica a dúvida do que viria a seguir, seria de novo o escudo ou outra coisa qualquer? Mas, dada a situação económico-financeira de Portugal, essa moeda teria que ser fortemente desvalorizada logo à nascença, o que seria de todo impensável. Daí o constrangimento. Mas quando ouvimos outros líderes europeus colocar a mesma questão, ficámos com a sensação de que se passa algo mais que não é do conhecimento das populações dos vários países da UE. Será que o euro ficou aquém das expectativas criadas, será que existem condicionalismos internos que estão a perturbar os mercados? Que se passa afinal? Não somos do que aceitam liminarmente as coincidências. Achamos que algo não vai bem no seio da UE e, sobretudo, dentro da chamada zona euro. Vamos ver como tudo isto evolui, mas não nos esqueçamos que o euro tem estado debaixo de um forte ataque especulativo desde algum tempo. Estejamos atentos, porque parece que virão, a breve trecho, novidades que, na nossa óptica, não serão as melhores. A crise aí está, esperemos que não se venha a agravar, ainda mais, com esta questão do euro.

Thursday, November 18, 2010

De novo uma reflexão sobre o mundo em que vivemos


Morrem os homens e as culturas, passam as modas e os impérios. Tudo passa. Só a Fé permanece. A História e o mundo progridem e avançam em direcção a um final, mas por um caminho irregular, cheio de sobressaltos e frustrações. Na verdade, a cada perspectiva dum tempo novo ou de uma nova ordem irrompe mais uma vez o cortejo das divisões das guerras, das fomes, dos sofrimentos e catástrofes de toda a espécie. É então que nos interrogamos, para onde caminha tudo isto? Faz sentido lutar contra a maré? Vale a pena respeitar a verdade e praticar a justiça num mundo onde todos os meios se justificam, desde que nos agradem ou sejam lucrativos? Mas cremos que para além de todas as trevas brilhará o sol da justiça, pois na raiz da existência não reinam a solidão a crueldade e o caos mas o mistério do Ser Superior que se revelou e se oferece como destino final e venturoso da Humanidade. Diz-nos também hoje a mesma palavra, que a Fé e a esperança neste destino não podem ser pretexto para braços cruzados, mas razão e estímulo para nos empenharmos a fundo no testemunho e na promoção de valores, sejam quais forem as circunstâncias. Este é um mundo de conflitualidade em que vivemos, onde muitas vezes a esperança já é difícil de suster. A parábola diz-nos que "quando rezas, Deus não se fixa nas tuas palavras mas no teu coração". Daí os efeitos tão diversos da oração do fariseu e da oração do publicano. De facto, a auto-satisfação impede toda a mudança ou progresso espiritual. O que é então esse "farisaísmo" que, esse grande líder chamado Jesus, tanto censurou e combateu? É a "doença" que nos impede de ver, com objectividade, o que somos e valemos e o que os outros são e valem, respectivamente, falseando assim a nossa relação com eles e com Deus. A dedicatória da parábola não deixa dúvidas: é para os que se consideram justos e desprezam os outros. Não se trata, como é evidente, de desvalorizar o cumprimento das leis e as virtudes de quem as pratica, nem de enaltecer os que as desprezam e branquear os seus desvios ou pecados. Trata-se de proclamar, mais uma vez, que o amor de Deus é incondicional e inegociável: não se compra nem se assegura certos ritos e práticas, nem se perde, necessariamente, com certas faltas ou fracassos, e que, por isso mesmo, o homem de Fé não é aquele que põe a sua confiança na "bondade" da sua vida nem nos "direitos" conquistados pelas suas virtudes, mas aquele que, acima de tudo e apesar de tudo, põe a sua confiança no amor de Deus e trata de lhe corresponder em cada situação da vida, numa atitude humilde e perseverante de conversão e fidelidade. E nós, como saímos de tudo isto? Não pensem que vos estou a tentar converter a uma qualquer religião, até porque, basicamente, todas defendem o mesmo, o bem do ser humano e o equilíbrio num mundo cada vez mais desalinhado. Aqueles que tentam falar em nome de um Deus, seja Ele qual for, é que afastaram os homens dele e dividiram os homens entre si, com rótulos, estigmas, ou sei lá mais o quê, que justificou todo o tipo de atrocidades que a História nos revela. Ninguém é culpado e todos somos culpados, porque não somos, ou não fomos, capazes de cortar com esses extremismos, venham eles de onde vierem. É com base em tudo isto que, como dizia o poeta, "me sento à beira do caminho a ouvir os ruídos do mundo e a interpretá-los à minha maneira".

Tuesday, November 16, 2010

"Sôbolos Rios Que Vão" o último de António Lobo Antunes


Ultimamente, tenho-vos falado muito sobre o tema da morte. Quando os anos vão passando sobre nós, quando as probabilidades de vida são cada vez menores, é normal que pensemos nela, ou porque a tememos ou porque a desejamos. Desde o Dia de Todos os Santos em que relembramos os ausentes, até ao desaparecimento da minha cadelinha Luca, - que muitas saudades deixou -, o tema da morte tem sido recorrente. E hoje, trago-vos de novo o tema da morte num livro muito interessante - o último publicado à apenas uns dias - de António Lobo Antunes, que tem por título "Sôbolos Rios Que Vão", em que o tema da morte também está muito presente desde o início até ao fim. O filósofo José Gil classificou o mais recente romance de António Lobo Antunes, 'Sôbolos Rios Que Vão', como «um grande livro, com muitos aspectos insólitos e inéditos na escrita do autor». «É uma obra torrencial e uma das mais belas de Lobo Antunes», disse José Gil, no Museu da Água, em Lisboa, na sessão de apresentação do livro, editado pela Dom Quixote, que contou com a presença do autor. O pensador começou por falar da «máquina literária de António Lobo Antunes», que tem como principais características «o tempo da escrita», composto por várias camadas de planos, dispostos em frases curtas e discurso directo, e o «entretecer desses planos sem que daí resulte uma narrativa linear», já que «a narrativa seria, afinal, a corrente de escrita ou o pensamento mesmo». Essa máquina literária «funciona em pleno em 'Sôbolos Rios Que Vão'», defendeu José Gil, já que «neste romance quase parece, às vezes, que se urde uma trama», da qual «a espera e não espera da morte será porventura o traço mais evidente». Trata-se do mais autobiográfico dos livros do escritor, cujo narrador - designado como 'Antoninho' e 'Senhor Antunes' - recupera, após uma operação a um tumor no intestino e num estado entre o torpor e a dor, fragmentos da sua vida, recordando pessoas que a atravessaram e conduzindo os leitores, como que por um rio, pelas humilhações da doença, numa reflexão sobre a vida e a morte. Porque «a doença paira sobre tudo o que se diz», José Gil caracterizou o livro de Lobo Antunes como «uma meditação sobre a morte» e «uma paródia de tal meditação», com «cenas de humor que atingem a desmesura». «É certamente um imenso romance, faz-nos entrar num tipo de experiência não comum (...) e é, mesmo que não pareça, um grande romance de micro-afectos abstractos», observou. António Lobo Antunes comoveu-se com as palavras de José Gil - a quem agradeceu o facto de o «ter lido de peito aberto, que é a única maneira de se ler» - e falou da infância, da vontade que já tinha de escrever, das coisas más que escrevia e queimava depois em «pequenos autos de fé» no quintal e de não saber ainda que com trabalho poderia melhorar. «A gente não escreve porque tem coisas para dizer, a gente escreve porque quer escrever. E comecei a perceber que o que se quer escrever é aquilo que se perdeu», sublinhou. O que queria era «que os livros fossem um diálogo permanente entre o texto e o público», porque, «muitas vezes, um livro é mais uma orelha do que uma voz», afirmou, citando, a propósito, Paul Celan, que escreveu: «Sou mais eu quando sou tu». Voltando a um tema recorrente, Lobo Antunes disse que sente «desde sempre, desde o princípio», que está «a negociar os livros com a morte». «Nunca vou ter tempo para escrever tudo o que queria (...). A sensação que tenho é que somos intermediários entre duas instâncias que nos excedem, que nos ultrapassam, que não entendemos. Eu sei que vou morrer, mas tenho de continuar a trabalhar, para que o meu trabalho fique e os meus livros continuem a interpelar as pessoas», frisou. Um romance sobre a vida e a morte, na escrita inconfundível de António Lobo Antunes. Este título, que recupera um dos belos poemas de Luis de Camões, representa uma súmula do ciclo da existência entre a vida e a morte. Resumidamente, a história do romance passa-se algures entre os últimos dias de Março e os primeiros de Abril de 2007, depois de uma operação grave, o narrador, entre as dores e a confusão provocada pela anestesia e pelos medicamentos, recupera fragmentos da sua vida e das pessoas que a atravessaram: os pais e os avós, a vila da sua infância, a natureza da serra os amores e desamores. Como um rio que corre, vamos vivendo com ele as humilhações da doença, a proximidade da morte, e o chamamento da vida. Este livro, tem a curiosidade de estar escrito em ne varietur, por expressa indicação do autor. Este é, porventura, um dos livros mais importantes dentre as obras de António Lobo Antunes. Um livro muito interessante que merece a pena ser descoberto. A chancela, como já atrás referimos, é da Dom Quixote. Aqui fica o registo para os interessados.

Sunday, November 14, 2010

A crise financeira e a recessão - XXXIX


O OE lá vai fazendo o seu percurso na especialidade, esperemos que sem dar o triste espectáculo da negociação na generalidade. É um mau orçamento, - recessivo, quanto baste -, como já aqui o referimos por diversas vezes, mas pensamos que seria muito difícil apresentar outro alternativo, mesmo que o governo fosse detido por uma outra força parlamentar. Mesmo dentro do PSD isto é consensual - vejam-se as afirmações de Pacheco Pereira e mesmo de Manuela Ferreira Leite - porque esta crise não é uma crise provocada por um governo, mas sim, uma crise global que muito tem castigado a Europa. Em entrevista dada a Mário Crespo, à dias na SIC Notícias, o Prof. António Nogueira Leite, ilustre economista do PSD, que vê neste governo uma espécie de "belzebu", - até ele -, acabou por reconhecer que se o PSD estivesse no governo as coisas não se passariam de maneira diferente. Julgamos que já é tempo de começar a haver alguma seriedade política - tão descredibilizada que anda a política pela falta dela - para que o interesse nacional se sobreponha ao interesse partidário. Essas indecisões têm-nos custado caro, é ver a evolução dos juros que recaem sobre a dívida soberana de Portugal. À dias, Ricardo Salgado, presidente do BES, dizia que esta é uma situação induzida, e pôs o dedo na ferida, quando acusa a Sra. Merkel de estar a criar uma situação insustentável na Europa, com o compadrio da França, com o tema das penalizações aos países que não cumpram as metas do déficit, bem como, aos investidores que comprem títulos da divída soberana desses países. É certo que, estas indicações são válidas para os países mais pequenos e periféricos como Portugal, porque a Alemanha e a França - principais signatários desta moção - também não estão a coberto do famoso déficit, mas desses ninguém fala. Será interessante analisar o percurso da evolução económica e financeira da França e de Portugal, e se o fizerem talvez tenham uma surpresa da qual nem imaginam que exista. É certo que a banca foi a causadora de tudo isto, sobretudo, com a especulação desenfreada e a ganância desmedida, mas o sistema financeiro é que determina o ritmo e, como tal, está sempre resguardada pelos políticos, e não me refiro só aos políticos portugueses. Contudo, nem tudo são más notícias, e a estimativa rápida do INE dá indicações muito interessantes e, o espectro duma recessão para este ano foi afastada, com a divulgação dos indicadores da economia portuguesa referentes ao terceiro trimestre. É certo que o crescimento é débil, mas é crescimento, sustentado sobretudo pelas exportações e, é bom salientar, que é o melhor desempenho dos países periféricos. Há até quem considere este valor como fantástico, contudo, nós achamos que devemos ser mais prudentes, para ver se se confirma esta tendência no futuro. Mas tal retira algum espaço aos profetas da desgraça que por aí andam, a tornar ainda mais negro aquilo que já é, por si só, bastante escuro. Alguns políticos da nossa praça, devem estar incomodados com estes números, e estão seguramente a preparar as suas justificações, porque para alguns destes políticos menos sérios, a teoria do quando pior melhor, parece ser o lema. É necessário, como dizia Ricardo Salgado na entrevista que atrás referimos, que os partidos, sobretudo os do arco governamental, devem tecer acordos que façam com que o OE não seja só aprovado, mas sobretudo, aplicado. É tempo de acabar com estas diatribes de quem se está a prepara a curto prazo para eleições, porque isso não é benéfico para o país, e basta ver o comportamento dos mercados nos últimos dias. O país precisa de estabilidade política para levar a cabo as medidas que todos já conhecemos. Resta falar sobre o FMI. Ricardo Salgado é contra porque, segundo ele, isso é um desprestígio para Portugal e para os portugueses - e nisso estámos de acordo -, mas pensamos que é tempo de desmistificar tudo isto. Se o FMI vier não será o fim do mundo, já cá esteve por duas vezes, mas contudo, não criticamos Ricardo Salgado, embora não façamos disso uma bandeira. A acrescer a tudo isto, Luis Amado, o ministro dos negócios estrangeiros, em entrevista no passado fim-de-semana ao Expresso, defendeu a criação dum governo de coligação. Pensamos que seria o melhor, para dar a indicação aos mercados que, caso o governo mude, a política de recuperação continua. Contudo, tal parece muito difícil, visto os partidos - sobretudo, os do arco governamental -, estarem mais preocupados com os seus dividendos políticos do que com o país. Esse é o drama da nossa democracia e dos partidos que temos. Quando José Sócratres iniciou a constituição do segundo governo, tentou fazê-lo sem sucesso, - nem sabemos se o desejava de facto -, mas agora, pensamos que existem razões de sobejo, para que se pense mais no interesse do país e dos portugueses em detrimento dos interesses políticos. Contudo, após as presidenciais, talvez se veja um envolvimeto maior do PR - seja ele qual for - na busca de consensos em torno deste tema. Para além disso, seria bom que Sócrates pensasse numa remodelação do governo, visto existirem ministérios que nunca funcionaram. Este governo é bastante mais fraco do que o anterior, todos concordámos com isto. Vamos aguardando pelo evoluir de tudo isto e ter-mos uma evidência maior sobre o caminho que as coisas vão tomando.

Monday, November 08, 2010

Luca - A saudade na hora da partida

Hoje estou triste, muito triste. Estou devastado, foi mais um pedaço de mim que se soltou. Por isso, hoje, sinto-me mais só. Morreu mais uma das minhas cadelinhas - cerca da 1,45 horas desta madrugada - que me tinham sido legadas pela minha mãe. Tinha nascido à cerca de treze anos nesta mesma casa. Para além da perda grande que isto para mim representa, foi ver o sofrimento atróz que teve que sofrer durante cerca de quatro dias, sobretudo, nas últimas horas de vida. Tal como a sua mãe, já falecida vai para quatro anos, a Luca - era assim que se chamava - acabou por ter um sofrimento idêntico. Ela era a minha companhia, para onde quer que eu fosse, ela lá ia atrás de mim, juntamente com a sua irmã Estrelita - agora a última que resta desta ninhada. Depois destes momentos de sofrimento que vivi, dei por mim a reflectir sobre a morte face à vida, sobre o sofrimento inerente à morte. E dei por mim a pensar: Morre alguém, é como passos que param. E se fosse uma partida para uma nova etapa? Morre alguém, é como uma árvora que cai. E se fosse uma semente a germinar numa terra nova? Morre alguém, é como uma porta que se fecha. E se fosse uma passagem abrindo-se para outras paisagens? De facto, a morte continua a ser o grande enigma da condição humana, diria mais, da condição de qualquer ser vivo. Será a morte o ponto final absoluto ou apenas o fim de um estado de vida que, como semente ao morrer, se abre para um futuro insuspeitado? Da resposta a esta pergunta depende muito a nossa postura perante a vida, ou seja: o enfoque e o sentido que lhe damos. E quem nos dá a resposta? Como diz E. Chillida: "Da morte, a razão diz-nos que é definitiva. Da razão, a razão diz-nos que é limitada". Se ficamos, pois, pela voz da razão, estamos perante uma vida sem futuro ou um futuro sem vida. Mas a consciência dos limites da razão face a este mistério pode abrir-nos para outra luz e outras respostas. A luz e as respostas que nascem da Fé. É ela que nos garante que Deus é um Deus de vivos e não de mortos, que o seu amor é fiel e imutável e que, na morte nos acolhe como filhos para um abraço de comunhão e de vida para sempre. Por isso proclamamos: "Creio na vida eterna". Mas não pensem que esta lauda tem por destinatários apenas os seres humanos. Como S. Francisco de Assis dizia, Deus está em tudo o que nos rodeia, daí ele se referir ao "irmão lobo", "irmão vento", "irmã luz", "irmã árvore". Como Francisco de Assis, quero crer que este ser que sempre foi meigo, gentil e fiel ao seu dono, depois duma agonia enorme, estará seguramente num lugar melhor. Se um ser como este não o atinge, com a sua pureza, a sua mansidão, então, nenhum ser humano será digno dela. Afinal a semente lançada à terra desaparece para dar lugar a uma linda planta. A minha Fé a isso conduz, e espero, diria mais, estou certo, que um dia nos reencontraremos algures no Universo. Lá onde estiveres, que estejas em paz. Por cá, ficam as saudades e a dor imensa da separação. RIP.

Sunday, November 07, 2010

E agora? Por uma Nova República


Manuel Maria Carrilho, que agora desempenha as funções de embaixador de Portugal na UNESCO, e já tinha passado pela pasta da Cultura, apresenta o seu último livro chamado "E agora? Por uma Nova República". Homem de cultura imensa, que tive o previlégio de conhecer quando desempenhei funções directivas na Fundação para o Desenvolvimento e Reestruturação da Zona Histórica do Porto. Homem exigente, de enorme saber, nunca se satisfazendo com as meias palavras, Manuel Maria Carrilho nunca se considerou um homem do aparelho do PS. Hoje, por maioria de razão, sente-se como um militante de base, embora pessoas com esta dimensão nunca o sejam de verdade. O afastamento da actual direcção do PS, segundo o próprio, deveu-se precisamente a este livro. Um livro muito importante, onde se cruzam muitas perguntas com possíveis respostas, sobre o nosso futuro colectivo. Algumas das questões levantadas neste livro, tornaram-se hoje, uma amarga realidade. Num país que se aproxima, cada vez mais, da bacarrota, sem saber bem o que quer, com dirigentes que, apesar do seu melhor, ainda não foram capazes de encontrar a terapia para tantos males de que o país padece, este livro vem mostrar a sua actualidade, mesmo quando se utilizam escritos já com alguns anos. Manuel Maria Carrilho avança com várias propostas, defendendo uma visão do país e do seu futuro centrada na urgente qualificação do território, das instituições e das pessoas, que lance as bases de uma Nova República. No meio de uma crise que torna a intervenção pública um imperativo de cidadania, este livro procura, num registo simultaneamente político e pedagógico, estimular um debate fundamental sobre os problemas do nosso tempo e do nosso país. Como venho defendendo neste espaço, parece-me inevitável e até necessária a refundação numa Nova República, face à descredibilização desta, dos próprios partidos políticos e de todos os seus agentes. Quanto antes melhor, para evitar o esmagamento deste país com mais de oito séculos de História. Isto não é um drama, já outros países europeus o fizeram antes, veja-se a título de exemplo, a França. Apenas algumas palavras sobre o autor. Manuel Maria Carrilho é, como já atrás o referi, o actual embaixador de Portugal junto da UNESCO, em Paris. Professor Catedrático de Filosofia Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa desde 1994, foi ministro da Cultura dos XIII e XIV Governos Constituicionais, de 1995 a 2000, e deputado à Assembleia da República entre 2000 e 2008. Colabora regularmente, sobre temas políticos e culturais, em diversos media, e assina uma crónica semanal no Diário de Notícias. É autor de uma vasta obra, publicada em Portugal e no estrangeiro. Aqui fica o conselho para que considerem este livro como um bom manual de reflexão - pleno de actualidade - sobre Portugal no momento presente. No ano em que se comemora o centenário da República, este poderá ser um contributo muito importante para o futuro de todos nós. Resta dizer que a edição é da Sextante Editora.

Thursday, November 04, 2010

Equivocos da democracia portuguesa - 56


Estamos a assistir à discussão do OE para 2011. (Aqui na AR onde nos encontramos, podemos ver muitos jovens nas galerias, alunos de várias escolas e universidades. Eles que são o futuro deste país que pensarão? Talvez estejam um pouco confusos com todo este carnaval mediático). Para além das promessas de intensão de todos os partidos, esta é uma discussão que é uma mera formalidade porque o OE já está aprovado na generalidade, com a abstenção do PSD, que já foi acordada com o Governo. E é sobre este acordo que queremos falar. Depois duma inusitada encenação, que só prejudicou o país, - analisem os juros da dívida pública durante esse período -, este acabou por acontecer com o patrocínio do PR. Foi bom para o país, sobretudo porque se evitou uma crise política - para já! - porque a posição do PSD é clara, e está à espera da sua oportunidade, que deseja breve, para regressar ao poder. E isto não escapa aos observadores externos que responderam com um novo agravamento dos juros, depois de estes terem regredido após o acordo entre o Governo e o PSD. Estas não são atitudes responsáveis de um partido responsável que já prejudicou muito o país, até mesmo no passado recente - veja-se a fuga de Durão Barroso e o descalabro de Santana Lopes - pelas hesitações que teve no acordo que firmou, o que levou até a uma forte crítica de alguns dos seus membros mais destacados, como foi o caso de Manuela Ferreira Leite. A atitude do PSD é tanto mais incompreensível visto saber que não existe outro caminho para trilhar, algo com que alguns dos seus membros já concordaram. O PSD ajuda a viabilizar o OE com a sua abstenção, mas não quer aparecer colado a ele. Isso viu-se no debate, na crispação que existiu entre os dois partidos e o governo. Tal verificou-se até, com a famosa fotografia do acordo, - que deixamos aqui para a posteridade - que não foi autorizada pela direcção do partido. Mas, apesar disso, não é o suficiente para passar uma esponja sobre os actos que se tomam. Quer queiram, quer não, a ligação entre os dois partidos e o governo fica gravada a ferro e fogo, embora muitos não o queiram admitir. Achamos este OE muito mau, as populações vão senti-lo duma forma muito dura, e cremos que o governo - que convenhamos, também não tem andado bem em tudo isto - não tem dado indicação de conseguir actuar duma forma clara e eficaz do lado da despesa. Não é só do lado da receita - isto é, de todos nós - que se deve actuar. Pode ser o mais fácil mas, seguramente, não é o mais justo. A ideia do Estado gastador é por demais evidente, e não podem ser as populações a pagar as diatribes dos poderes públicos. (Nós que conhecemos o funcionalismo público, sabemos bem do que falamos). Parece que o tango não correu bem, depois passou-se ao baile mandado (de Bruxelas) e neste debate parece mais que se está próximo do rap mais marginal. Contudo, neste segundo dia, o confronto foi mais ameno, talvez pela intervenção no facebook e no twitter de Cavaco Silva, que já está em pré-campanha - só foi pena o não ter feito noutras ocasiões, e houve muitas ao longo destes anos. Para além disso, é de salientar uma extraordinária intervenção de MFL. Como é do conhecimento dos leitores deste espaço, não somos dos que mais estão de acordo com as propostas de MFL, mas à que salientar, que teve um verdadeiro discurso de Estado, que foi muito elogiado. Só falta saber se este é o discurso oficial da liderança actual do PSD ou apenas um discurso de facção - os barões, como são conhecidos. (Bastou ver como a última fila, dita dos barões a aplaudiu de pé, e a maneira pouco efusiva do líder parlamentar). Este foi um discurso para fora do PSD, mas também, foi um discurso muito virado para dentro deste partido. Mas é bom que se saiba que, para além do déficit ou da dívida pública, o que está verdadeiramente em causa é o financiamento. Desde logo dos bancos que a criaram e daí o seu regozijo. (Veja-se a entrevista, ao Jornal de Negócios do patrão do BES, bem como, as revelações dos lucros das principais empresas, desde logo, as energéticas). É certo que tem havido mau direccionamento de alguns dos investimentos que foram efectuados, mas pensamos que as coisas já estão a ir longe de mais. Afinal, se ler-mos Eça de Queiroz, verificamos que afinal as coisas não mudaram tanto assim. Esse foi o drama da Monarquia, depois da República e, esperemos que, não o venha a ser de novo, desta Democracia que se apresenta tão doente. Contudo, e apesar de tudo, não devemos esquecer que esta crise mundial foi despoletada por um capitalismo feroz que tem no lucro desenferado e a qualquer preço, a sua divisa maior, aliada a uma ganância desmedida. A banca foi quem o despoletou e todos nós é que temos que pagar a factura. Não nos esqueçamos da romagem - ou intimidação - que um grupo dos nossos principais banqueiros fez a Passos Coelhos no sentido de o pressionar a criar condições para aprovar o orçamento. E ainda ontem, quando se iniciou o discussão do OE, Ricardo Salgado, o patrão do BES, em entrevista ao Jornal de Negócios dizia que "este acordo foi bom para nós, valeu bem a pena o nos termos esforçado para que ele fosse aprovado". Não temos nada contra os bancos - que achamos fundamentais para o financiamento da economia - nem contra os banqueiros, mas quem criou a crise devia assumir as responsabilidades. É injustificável para os portugueses que, enquanto todos se preparam para mais um ano muito difícil, a banca em geral vá apresentando cada vez mais lucros, como ainda ontem foi anunciado por algumas instituições bancárias enquanto, repetimos, se discutia o OE, que tantas restrições vai impor a todos nós. Mas a discussão ainda não terminou, agora vai-se seguir a discussão na especialidade e vamos ver o que lá vai acontecer. F. J. Quesado escreveu à uns anos atrás no jornal Público: "Vinte anos depois, Portugal é um país de auto-estradas com menos coesão territorial e crescentes desigualdades, numa Europa em grande indefinição de identidade". Isto depois de ter reflectido sobre o Quadro de Reestruturação Estratégica Nacional (QREN) cujas verbas poderiam ser canalizadas para outros fins que não aqueles para que foram criadas dadas as dificuldades financeiras do país. A impressão com que muitas vezes se fica, olhando para Portugal, nestes anos de tantos, tão dispersos e tão desperdiçados esforços, lembra a famosa história do barão de Munchaussen, que pretendia ter conseguido sair do pântano onde tinha caído, puxando... pelos próprios cabelos! Estamos num daqueles momentos em que, como há dias dizia Eduardo Lourenço, todos ganharíamos se a política deixasse cair a sua máscara de alegre comédia, e se assumisse como tragédia. Talvez essa mudança ajudasse a reinventar o sentido de responsabilidade, individual e colectiva, que a situação actual urgentemente reclama.

Monday, November 01, 2010

À memória dos ausentes


Neste momento sinto-me só. As recordações são avassaladoras, o silêncio é cada vez mais caro, o tempo é cada vez mais curto – as novas tecnologias, nomeadamente, a internet, o fazem assim – o estar com um amigo é gratificante. Quando passamos os 50 anos temos a sensação de ter-mos nadado muito e estarmos já muito próximos da praia. Exeunt omnes (Que saiam todos de cena), como diziam os encenadores pré-elizabetianos, e é nessa altura que estamos mais sós no palco da vida, embora a solidão possa ser compensada pelas vozes que nos chegam dos nossos mortos e dos outros, os vivos, sobretudo, dos amigos. Alguém dizia que, podemos não ter dinheiro, não ter nada, mas se temos amigos nunca seremos verdadeiramente pobres. Neste dia em que os rios se soltam, os rios da nossa memória para com aqueles que preencheram o nosso imaginário passado, é sempre bom sentirmos essa alegria, essa coragem que faz com que continuemos a sobreviver. O passado já não existe, o presente é cada vez mais curto, o futuro é já aqui. Pareço nostálgico, mas compensado pelas boas memórias que povoam a minha mente; pareço infeliz mas sobretudo, só terrivelmente só num mar de adversidade, em que a ânsia de chegar à praia é cada vez maior. Dizia a minha avó de saudosa memória “que não havia mal que sempre durasse, nem bem que nunca se acabasse”, a realidade diz-me que o bem acabou à muito e o mal, esse vai perdurando sem fim à vista. Durkheim dizia que “o suicídio era o acto filosófico por excelência”. Aqui à dias discutiu-se no Porto o aumento de suicídios que existem entre nós, o que levou alguns oradores a comentarem que começa a haver um desrespeito pela vida, o que para outros, não era mais do que o perder do medo da morte, - daí o elevado número de cremações -, o desrespeito pela morte. A morte, a morte está aí, é uma realidade que hoje celebramos, com todo o cortejo de angústias que daí emanam mas temos que ter a convicção de que ela é apenas uma parte do ciclo da existência, ou seja, a única garantia que temos no dia em que nascemos. Até o acto de amor se alterou. Como dizia à dias António Lobo Antunes, “seria incapaz de fazer amor com um crucifixo no quarto, porque não queria que um crucificado visse o que eu estava a fazer”. Tudo muda na dimensão da vida, dimensão essa, que é prolongada pela morte. Este é um dia diferente, não sei se triste ou alegre, não sei se triste pela perda, pela ausência que ele encerra; não sei se alegre, porque nos dias que passam talvez tenhamos a necessidade de pensar numa outra dimensão onde, quero crer, se esteja melhor. Deus e o acto de amor são coisas privadas de que não gosto de falar na praça pública, talvez isso seja castrador, redutor até, mas não podemos renegar os tempos que já vivemos, condicionados pela educação que tivemos. Neste momento sinto-me só. Ou talvez, seja apenas a sensação limitada de não ser capaz de ver para além desta tridimensão que nos amarra e a que a física quântica – porque não a metafísica - procura dar resposta. Muitas vezes pensamos que estamos sós, mas isso não passa duma mera ilusão. Porque as vozes do passado vão preenchendo os espaços, onde os silêncios são necessários para as escutarmos. Neste momento estou só. Apenas os odores do espaço onde nasci, da felicidade que me rodeou, me trazem à memória recordações ternas da minha meninice e daqueles que me conduziram pela mão nesta escalada da vida. Sei que já passei mais de metade da minha existência, desta vida tal como a conhecemos, mas isso não me aflige. Apenas espero que o tempo me vá amadurecendo, me ajude a compreender tudo aquilo que ainda não alcancei, que me dê a sapiência que tanto almejo e tão arredia anda. Somos sábios na nossa ignorância, pretendendo saber tudo, sem que nada saibamos, deste vazio que nos corrói, na ânsia de saber os porquês, as razões daquilo que nos cerca, daquilo que somos, donde viemos e para onde vamos. Afinal nascemos sós e morremos sós. Enquanto a chuva lá fora, fustiga a vidraça, eu estou só, o violoncelo faz-se ouvir no seu som arrastado, é Bach que me veio visitar, um amigo de à muito tempo que também teve períodos da sua vida bem difíceis. Os meus cães dormem. Na sua simplicidade o mundo está em harmonia para eles – sobretudo, se pensarmos nos outros que por aí andam com fome (muitas vezes de amor) e frio. O frio de Novembro que começa a aparecer. E eu continuo só. Só com as memórias de tempos mais prósperos, tempos em que, tal como os meus cães, o universo estava em harmonia, assim pensava eu, embora para outros, a vida não fosse fácil. Dou comigo a olhar pela janela, a água da chuva escorre pela vidraça, Bach continua a fazer-se ouvir e eu estou só. De repente percebi que sou mortal…