Equivocos da democracia portuguesa - 92
Queríamos começar a crónica de hoje, com uma homenagem a um grande português e um grande patriota que foi Vitorino Magalhães Godinho, - filósofo, historiador, resistente - que nos deixou na passada terça-feira aos 92 anos. Vitorino Magalhães Godinho foi um desses homens de "rija têmpera" como diria Torga, que resistiu à ditadura, sendo exonerado do ensino universitário em Portugal, vindo a fazer uma brilhante carreira como académico no estrangeiro. Ontem como hoje, Portugal trata sempre mal os seus melhores filhos. Regressado a Portugal em 1974, viria a ser ministro da educação e cultura, onde revolucionou tudo aquilo que de mau vinha do regime anterior. O único senão, na nossa opinião, foi a eliminação do ensino técnico que, mais tarde, tanta falta viria a fazer ao nosso país. Mas na altura, a visão determinante da sociedade a isso conduzia, e ele não a pode contrariar. Da sua vasta bibliografia, destacamos a "Os Descobrimentos e a Economia Mundial" - 2 volumes (1963-1970) e "Portugal: A Emergência duma Nação" (2004). Depois desta homenagem, passemos ao que de bom e de mau se passou recentemente entre nós. A quando da celebração do 25 de Abril em Belém, Jorge Sampaio pôs o dedo na ferida, dizendo que os ataques especulativos continuariam sobre a Europa e, sobretudo, sobre o euro. Afirmação plena de actualidade, porque os tais ataques especulativos aí estão, e continuam, sobre Portugal, - contra as democracias, não tenhamos dúvidas -, com o recorde de taxas para as várias maturações, o mesmo se verificando nos outros países, nomeadamente, os já intervencionados, casos da Irlanda e Grécia. Neste último país, e apesar da intervenção se verificar à cerca de um ano, as taxas não param de bater recordes, ainda esta semana atingiu os 25%!!! Isto significa que os pedidos de ajuda, por si só, não bastam para travar a especulação, como já aqui afirmamos por diversas vezes. A Europa tem que, rapidamente, encontrar uma solução alternativa, bem como, ter um maior empenho na resolução destes problemas duma forma definitiva. Aquilo que vemos é que a actual UE se limita a fazer o mínimo, e este ainda com algumas ressalvas, que pode levar à desintegração do projecto europeu a curto prazo. Já aqui dissemos que esta não é a Europa que idealizamos, mas é esta que temos, e como tal, ela tem que encontrar soluções para evitar a sua desagregação, que seria algo de inimaginável. Ao fim e ao cabo, os especuladores é isso que querem, destruir a UE e, concomitantemente, o euro. Contudo, não nos esqueçamos que a banca foi a causadora de toda esta crise mundial, e que continua a sua saga, agora mais localizada - veja-se o caso português - criticando o Estado para melhor viver à sua sombra, como faz à século e meio. De realçar que, parece que aquilo que muitas forças vivas na nossa sociedade têm perconizado - e nós aqui também - há a necessidade dum compromisso abrangente para que as medidas a aplicar tenham sucesso e, diríamos mais, para que a ajuda chegue. A entrevista de José Sócrates à TVI, foi para nós, uma agradável surpresa. Ele mostrou toda a abertura e até necessidade urgente dum entendimento entre PS e PSD. Para quem o acusava de não querer fazer acordos não deixou de ser surpreendente. Contudo, e para surpresa de muitos - que não nós - o líder do PSD veio deixar a mensagem que não está disposto a tal. Afinal aqueles que tanto criticaram Sócrates por não querer fazer acordos, vêem agora enjeitá-lo? Esta política circense que se vem desenrolando à muito tempo entre nós tem que terminar, porque agora, é a sobrevivência de todos nós que está em causa, inclusivé a sobrevivência de Portugal enquanto tal, embora parece que ainda ninguém percebeu isso. Por isso, vimos aqui dizendo à demasiado tempo que Passos Coelho começou por ser uma esperança e hoje se transformou numa desilusão. Se era esse o pensamento do líder do PSD, é caso para dizer que nos enganou a todos ainda antes de ser eleito, se não é, então só pode significar que o círculo em torno de Passos Coelho, já lhe delimitou o território, não permitindo que ele saia de determinadas baias. Pelo que já vimos nos últimos anos no PSD, até podemos achar que esta é a verdadeira questão. Contudo, não basta distorcer o discurso do PR sobre a união dos partidos. Não basta dizer que se está a pensar numa nova União Nacional. Isso não foi o que Cavaco disse, e todos eles entenderam que não era assim, mas a vontade de formar um consenso é que é pouca. Afinal, fica cada vez mais claro, - caso tal fosse necessário - que a ânsia de "ir ao pote" foi determinante, conduzindo o país para uma crise política que não era desejável a somar à crise económica e financeira que já tínhamos. Uma última palavra para as afirmações infelizes no "facebook" feitas por José Lello, que não são dignas dum dirigente partidário, sobetudo, num momento que se pretende baixar a crispação entre as forças políticas. Mas se do lado do PS vimos esta irresponsabilidade, não deixa de ser curioso que do lado do PSD tal também se venha a verificar. Desta feita foi Nogueira Leite, na mesma rede social. Estas atitudes em nada contribuem para a resolução dos problemas do país que são muitos e urgentes, e só vem demonstrar aquilo que já aqui por diversas vezes afirmamos, que há necessidade de expurgar as forças políticas de certas pessoas menores - muito menores, de facto - que só são um factor de perturbação e não de união. Longe vão os tempos dos Estadistas - que por cá também os ouve e muitos - face à mediocridade actual, mesmo que revestida dum ar muito académico e sapiente. Talvez Vitorino Magalhães Godinho possa ser um paradigma de elevação a seguir, ele que foi também, no seu tempo, um verdadeiro estadista. Hoje que tanto se fala de cidadania, e que tão mal a tratam, talvez exemplos como este possam colher junto da irresponsabilidade que os políticos vêm demonstrando não sendo sequer capazes de se entenderem a bem do país, a bem de todos nós.