Afinal, como já tinha dito o governo, o acordo com a "troika" tem por base o PEC 4, reformulado. (Até a "troika" o reconheceu). Se algumas das intenções do PEC 4 foram suavisadas, outras há que foram acrescentadas e mais gravosas. Daí o considerarmos que, depois do conhecimento do documento, continuamos a achar que talvez não tenha sido bom a não aprovação do documento em Março. A base do PEC 4 não pode escandalizar ninguém, porque se este já tinha sido acordado com as instituições europeias, seria natural que muito do que nele está inscrito fosse aproveitado. Se se questionou o PEC 4, teremos alguma dificudade em aceitar que, os partidos - ou pelo menos, alguns deles - que rejeitaram o documento, o venham a aceitar sob uma outra forma - até mais gravosa - embora proposto e subscrito por outras entidades. Basicamente, o plano é mau, - na nossa opinião - , vindo a criar um sério problema para a classe média, que veremos como vai enfrentar as dificuldades e se, inclusivé, virá a recuperar de tão duro golpe. A questão interessante é que este plano não põe demasiado em causa o estado social, embora o reformule, mas não o penaliza tanto quanto pensávamos que viesse a acontecer. Contudo, um dos sérios problemas que saltam desde logo à vista é a falta de iniciativas para criar condições para o crescimento da economia, e sem crescimento, dificilmente sairemos da situação em que nos encontramos. O escalonamento para o emagrecimento do Estado não são tão visíveis assim, e a carga fiscal que se anuncia será um factor de grande estrangulamento das PME's. Há quem questione se esta estratégia não terá a ver com os problemas que internamente a UE está a enfrentar, e este período de três anos - duração do plano - poderão servir para tentarem arrumar as economias internas dos países membros. Porque se não é assim, com o mau tratamento que se está a dar aos países periféricos do sul, poderá ser o canto do cisne do próprio modelo europeu, como lembrou e bem, Nouriel Roubini. Porque, se analisarmos bem o documento, não se vislumbra qualquer hipótese de crescimento - ou este será muito débil - para os próximos três anos. Se não houver crescimento, haverá seguramente recessão - já anunciada -, e isso, poderá implicar que após este período, Portugal possa estar na iminência de ir pedir novo empréstimo. Não deixa de ser curioso que um em cada sete euros vá para a banca, o que vem demonstrar aquilo que já aqui afirmamos várias vezes, que a banca sendo a causadora de parte do problema, não se assume como solução, vindo sugar, (ou pelo menos, têm esse dinheiro como reserva), uma parte importante do empréstimo para se financiar. (Basta ver a satisfação de Fernando Ulrich (BES) sobre o acordo que se conseguiu, embora expressadas duma maneira deselegante muito típica dos banqueiros que sempre falaram de barriga cheia). Poderá ser imoral, mas é assim mesmo. E embora o documento não faça menção à privatização da CGD, Passos Coelho, em entrevista à RTP1 na passada quarta-feira, insiste na sua privatização. Se há assim, tantas questões de divergência entre a "troika" e o PSD, porque será que eles vão assinar o documento? Não será só por patriotismo. Analisando superficialmente este acordo, verificamos que este documento indicia aquilo que já se esperava. Haverá uma forte restrição ao consumo, o que implicará uma forte contracção do sector terciário da economia - comércio e serviços - que conduzirá inevitavelmente a mais desemprego. Desempregados que, em termos fiscais, poderão vir a pagar mais IRS! É verdade, como faz parte do acordo, uma família que tem um desempregado poderá ter que pagar mais IRS, pelo facto de ter que declarar o subsídio que recebe e este vir a ser incluído através do englobamento de rendimentos. É inexplicável que os desempregados sejam penalizados desta maneira. Já o PSD achava que deveria ser deduzida na reforma, os valores dos subsídios que recebessem. Se um desempregado já sofre pela situação em que se encontra, como aceitar esta penalização? Até parece que uma pessoa que fica desempregada, por mais respeitável que seja, vira criminoso e suspeito por um facto de que não tem - na maioria dos casos - culpa alguma. Outra questão prende-se com o ensino. Temos assistido a uma estratégia sindical sem precedentes contra a avaliação dos professores. Já aqui expusemos a nossa opinião. Mas agora, para além disso, vão continuar - e duma forma mais decidida - o encerramento de escolas criando novos agrupamentos, o que levará a uma diminuição dos professores. Para quem tanto lutou para não ser avaliado, parece que obteve fraca compensação. Já aqui afirmamos em anterior crónica que, o FMI está mais empenhado em suavizar a estratégia para Portugal do que a UE, pelo menos, assim parece. Hoje o Financial Times acaba por afirmar o mesmo por outras palavras. Diz o periódico inglês que "Portugal precisa mais do FMI do que da Europa". Baseando o seu raciocínio - e na nossa opinião bem - no comportamento da economia portuguesa que se aproxima mais da de uma economia emergente. Ainda continuando com a análise do acordo, vemos uma imposição que nos agrada muito que é sobre a política do medicamento, nomeadamente, dos genéricos. Estes têm que ser mais baixos em 60% relativamente aos outros, e não os actuais 35%. Medida que saudamos. Este plano é, na nossa opinião, mau, "muito exigente" como afirmou em conferência de imprensa Poul Thompson do FMI. Mas esta pode ser, paradoxalmente, a nossa oportunidade de reestruturarmos o Estado e aproveitar esta oportunidade para reconverter o nosso modo de viver. Em chinês, a palavra "crise" também significa "oportunidade", saibamos pois colher os ensinamentos desta cultura milenar. Este acordo, teve - ao que tudo indica - uma forte componente de apoio do actual governo (de gestão) - e isso foi afirmado quer pelo ministro da finanças, quer pelos elementos da "troika", que foram mais longe, dizendo que algumas medidas já estavam a ser implementadas por acção do PEC 4 em que se baseou, embora parece que alguns andem aí a dizer que não. Assim, este acordo acaba por ter a aceitação e até já alguma implementação do governo, aquilo a que se designa por "ownership" do programa. Depois da rejeição do PEC e da queda do governo, assistiu-se a um "downgrade" da República, que conduziu a uma deterioração da liquidez. Daí a degradação do PIB em 2% em 2011 e 2012. No acordo também vem anunciado o fim das "golden shares" - EDP, PT, REN - embora seja uma medida interessante, deve ser acautelado o interesse público através da regulação. Veremos se vai ser assim. Existe um plano ambicioso de privatizações que deverá vir a diminuir a despesa do Estado. O mais preocupante será o nível do desemprego que atingirá os 13% em 2013, vindo depois a diminuir, assim se espera. Quanto ao financiamento virá numa primeira tranche - dois terços do valor - muito rapidamente, isto é, durante o primeiro ano, sob a forma dum financiamento à cabeça ("front loading"), até porque, segundo afirmações do ministro das finanças - Portugal só terá dinheiro até ao fim deste mês de Maio. O valor é, como se sabe, de 78 mil milhões de euros que, quanto a nós, é insuficiente. Daí talvez a afirmação de Teixeira dos Santos que disse que "em 2012 Portugal estará em condições de ir aos mercados". Não será só porque é mau para um país estar dele afastado durante muito tempo, mas porque haverá necessidade de dinheiro que este empréstimo não cobre na totalidade. Veremos se o futuro nos dá ou não razão. A taxa de juro é fruto duma fórmula que inclue o valor dos financiadores que também têm que ir ao mercado buscar o dinheiro, mas parece ser previsível de que será aproximadamente de 3,25% durante os primeiros 3 anos e de 4,25% a partir do 4º ano. Taxas interessantes, mas é preciso dizer que, a economia tem que crescer na mesma dimensão, e é preciso pensarmos que a economia portuguesa não cresce ao ritmo de 4% à mais de dez anos! (Também tem que se esclarecer que esta taxa tem a ver com o que cobra o FMI, a UE costuma cobrar 5%, por isso, à que aguardar para ver o que vem por aí). O período de resgate deste empréstimo prolongar-se-á por treze anos. Mas o importante é que o acordo tenha o consenso alargado das principais forças políticas - o que parece ser o caso - até porque se assim não for as sanções aí estarão para nos lembrar o compromisso. O PSD parece que vai viabilizar o acordo, embora Passos Coelho o não tenha afirmado definitivamente em entrevista à RTP1. Preferiu fazê-lo na RTP2 no programa humorístico "5 para meia-noite"!!! Até aqui, parece que Passos Coelho acha que não deve dar esclarecimento em horário nobre, ou acha que o programa de jovens é o mais adequado ao tema, ou não tem sequer consciência da sua atitude. Paulo Portas, convenhamos, já anunciou o seu apoio, e é de justiça afirmar, que foi aquele que melhor postura teve em todo este processo. Embora achemos estranho que - PSD e CDS/PP - assinem um acordo baseado no PEC 4 - por mais escapatórias que utilizem para o negar - que conduziu à criação da crise política em que estamos mergulhados. Mas, como a vergonha não é um sentimento que abunde na política, ainda lutam por reinvidicar a sua paternidade, - e o programa não é dos melhores - e o mais ridículo é que, aqueles que o fazem, não participaram nas negociações. Souberam tarde e más horas, depois de terem estado um dia inteiro à espera da "troika" que não foi, nem mandou recado. O simples facto duma luta pela reinvidicação dum documento que achamos mau é bem o sentido do desaforo a que chegamos onde tudo vale até a falta de vergonha. Mas ele aí está e é para ser cumprido. Só lamentamos que seja preciso virem entidades externas para por as partes de acordo, coisa que até aqui não tinha sido possível. Quanto a nós, só nos resta aceitá-lo, porque achamos que ele, apesar de tudo, é necessário. Saibamos pois, como atrás dissemos, saber tranformá-lo numa janela de oportunidade.