Turma Formadores Certform 66

Monday, September 30, 2013

Equivocos da democracia portuguesa - 287

Depois da realização das autárquicas é tempo de nos virarmos de novo para aquilo que somos, o estado em que estamos e a maneira de sairmos desta trapalhada colossal em que o governo ultraliberal nos mergulhou de cabeça e donde não sabe como nos fazer sair. Se as eleições deram a perceção de como os portugueses olham para a situação política atual e para os partidos que nos fizeram mergulhar nesta época de trevas onde estamos, agora é altura de se tentar encontrar respostas que nos conduzem a uma recuperação tão desejada por todos. E desde logo, é preciso que o governo nos dê a indicação do que pensa sobre a mutualização da dívida. Este foi assunto já há muito puxado pela oposição a que o governo nunca deu crédito, mas agora que o FMI começa a pensar do mesmo modo, será bom saber qual o posicionamento do governo em torno desta matéria. A capacidade de Portugal pagar a dívida é nula, já todos o sabemos. A sua mutualização será a saída para ajudar a minimizar os estragos na economia dos países sob resgate, ou então será o colapso. Muito se tem escrito sobre o assunto mas pouco ou nada se tem avançado. Mas o FMI até vai mais longe propondo à UE a criação dum fundo de desemprego comum, dum orçamento comum, (desde que os países abdiquem dum pouco da sua soberania), na tentativa de evitar que, de novo, hajam países a cair na mesma situação, instabilizando assim a zona euro e a própria UE. Afinal, por mais irónico que isto pareça, do que se trata é de caminharmos para uma certa forma de federalismo, - de que somos fortes defensores -, e que estava inscrita na matriz da própria UE a quando da sua fundação. Apenas o "nacionalismo serôdio" dos países tem evitado isso, a que a chegada dos ultraliberais consolidou, embora com todo o embaraço que existe e é visível nas instâncias de Bruxelas. Mas não deixa de ser curioso que o FMI tenha colocado a questão com tanta clareza, talvez por ter uma diretora de origem europeia ou, simplesmente, para se afastar desta situação o mais definitivamente possível. Contudo, achamos que esta situação só será ultrapassada por uma UE de cariz federal que, estamos certos, chegará mais cedo ou mais tarde. Se assim não for, a situação que agora se vive dentro da zona euro poderá repetir-se nos mesmos ou noutros países sem que para tal a UE consiga criar mecanismo de o evitar.

Equivocos da democracia portuguesa - 286

Esta é a noite de todos os vencedores! Uma espécie de noite dos Óscares, mas se nessa há quem perca e quem ganhe, entre nós a originalidade é de que todos são vencedores... E agora, como pedia Cavaco a semana passada, será necessário que os políticos comecem a falar mais de crescimento e de emprego. Curiosamente, o governo tem sido aquele que menos tem recorrido a este tema, preferindo falar da possibilidade dum segundo resgate. Seja por estratégia ou não, o que pensamos é que tal será inevitável se nada se vier a alterar num futuro próximo. Mas o mais interessante, é que após a invetiva de Cavaco o PM, nessa mesma noite, em campanha autárquica, mudou de discurso e foi de encontro ao que afirmou o PR horas antes. Isto diz bem da falta de rumo deste executivo que muda de discurso às primeiras palavras de Cavaco, que afinal é o seu patrono sem o qual o governo já não existiria à muito. O resultado eleitoral espelha bem isso. Ainda sem as urnas encerradas, o vendaval que passou pelo PSD é sintomático daquilo que os portugueses pensam do executivo. A maneira como o castigou foi sem precedentes desde que vivemos em democracia. E uma coisa é certa. Digam lá o que disserem, o governo sai fortemente abalado de toda esta situação. Na relação com a "troika" a sua força sai diminuída porque já não representa a maioria de Portugal. Por mais justificações que se inventem, será necessário um governo que represente os portugueses dentro do novo alinhamento eleitoral. E isso só será possível com um novo governo saído de novas eleições. Não basta invocar a crise, a credibilidade externa ou seja lá o que for. Portas assumiu uma crise dentro da crise e até parece que os portugueses gostaram da atitude. O país não acabou por isso, nem vai acabar. A justificação apenas serve para perpetuar no executivo uma certa visão ideológica e nada mais. Estamos convencidos que nada será como dantes depois destas eleições. A "troika" ainda está aí e deve ter percebido o recado. É tempo de se ler a mensagem que Portugal deu sem tibiezas ou falsos receios. O povo falou com clareza cristalina. E em democracia, isso basta. 

Sunday, September 29, 2013

"Uma Prova do Céu" - Dr. Eben Alexander

Meus amigos, não é meu hábito seguir aqueles livros da moda de interesse passageiro e de profundidade inexistente. Contudo, depois de ler algumas páginas deste livro não resisti a comprá-lo. Depois do que li achei que o devia partilhar convosco. Este não é mais um livro sobre o Além, sobre experiências paranormais fantasiosas, ou sequer, um livro de religião. Este é um livro sobre uma experiência extrema dum homem que esteve cinco dias em coma e que fez uma viagem alucinante. É um médico neurologista que até essa altura apenas acreditava na ciência. Hoje já não pensa assim e até se expõe a um certo ridículo junto dos seus colegas, como ele percecionava os outros antes de passar por esta experiência. O Dr. Eben Alexander tentou explicar-se a si próprio e aos leitores algumas das alterações que ocorrem no nosso cérebro quando estamos a passar por uma EQM (Experiência de Quase Morte), mas sempre que o fez foi ter ao mesmo sítio. Algo de extraordinário se passou consigo e foi bem real. Com cinco dias em coma, afirma o Dr. Alexander, o nosso cérebro fica profundamente afetado e com sequelas para o resto de vida, que podem colocar um indivíduo como um ser meramente vegetativo. Consigo foi diferente. A sua doença é rara, apenas afeta um em cada dez milhões de pessoas, e ele recuperou totalmente, fazendo hoje, a sua vida normal de médico. Um livro interessante que me trouxe à memória um outro, também duma EQM, de José Cardoso Pires - escritor português já falecido - e com o título de "De Profundis, Morte Lenta", que muitos de vós já tereis lido e do qual já aqui apresentei o meu comentário em tempo útil. E estou convencido de que algo está perto de nós numa outra dimensão quando a experiência da morte se torna palpável. Já senti isso quando, já lá vão muitos anos, estive na eminência da morte a bordo dum avião, que é uma experiência terrível que nos marca para a vida e que espero nunca por ela passeis. Contudo, não tão extrema como quando entramos num túnel sem retorno, (pelo menos aparente), como foi o caso do autor do livro. O Dr. Eben Alexander é doutorado pela Universidade de Duke nos EUA. É especializado em neurocirurgia e passou quinze anos da sua vida na Faculdade de Medicina de Harvard. É autor e co-autor de centenas de artigos especializados de ciência médica. O livro chama-se "Uma Prova do Céu" e o autor é o Dr. Eben Alexander. A editora deste livro é a Lua de Papel. Um livro a todos os títulos recomendável para ser lido e, como costumo dizer, mastigado. Para além das crises, do mundo conturbado em que vivemos, existe algo mais que a nossa perceção só tem acesso em situações extremas de quase morte. Ele regressou para contar - segundo as suas próprias palavras - outros não. Daí a relevância do testemunho.

Tuesday, September 24, 2013

António Ramos Rosa (1924-2013), uma vida dedicada à poesia

Morreu esta segunda-feira em Lisboa, aos 88 anos, o poeta e ensaísta António Ramos Rosa, um dos nomes cimeiros da literatura portuguesa contemporânea, autor de quase uma centena de títulos, de O Grito Claro (1958), a sua célebre obra de estreia, até Em Torno do Imponderável, um belo livro de poemas breves publicado em 2012. Exemplo de uma entrega radical à escrita, como talvez não haja outro na poesia portuguesa contemporânea, Ramos Rosa morreu por volta das 13h30 desta segunda-feira, em consequência de uma infeção respiratória, em Lisboa, no Hospital Egas Moniz. Além da sua vastíssima obra poética, escreveu livros de ensaios que marcaram sucessivas gerações de leitores de poesia, como Poesia, Liberdade Livre (1962) ou A Poesia Moderna e a Interrogação do Real (1979), traduziu muitos poetas e prosadores estrangeiros, sobretudo de língua francesa, e organizou uma importante antologia de poetas portugueses contemporâneos (a quarta e última série das Líricas Portuguesas). Era ainda um dotado desenhador. Prémio Pessoa em 1988, António Ramos Rosa, natural de Faro, recebeu ainda quase todos os mais relevantes prémios literários portugueses e vários prémios internacionais, quer como poeta, quer como tradutor. Já muito fragilizado, o poeta, que estava hospitalizado desde quinta-feira, teve ainda forças para escrever esta manhã os nomes da sua mulher, a escritora Agripina Costa Marques, e da sua filha, Maria Filipe. E depois de Maria Filipe lhe ter sussurrado ao ouvido aquele que se tornou porventura o verso mais emblemático da sua obra — “Estou vivo e escrevo sol” —, o poeta, conta a filha, escreveu-o uma última vez, numa folha de papel. Para Pedro Mexia, poeta e crítico, Ramos Rosa mostrou, nomeadamente através das revistas que dirigiu e da primeira fase da sua obra poética, “que era necessário superar a dicotomia fácil entre a poesia ‘social’ e a poesia ‘pura’, e que o trabalho sobre a linguagem não impedia o empenhamento cívico”. Como ensaísta, continua Mexia, Ramos Rosa esteve atento ao panorama europeu e mundial, de René Char a Roberto Juarroz, e aos autores portugueses das últimas décadas, incluindo os novos: “Descobri muitos poetas através de obras como Poesia, Liberdade Livre ou Incisões Oblíquas". Autor "muitíssimo prolífico", "nunca se afastou do seu caminho pessoal, mesmo quando a abundância e a insistência numa 'poesia sobre a poesia' fizeram com que nos esquecêssemos da sua importância decisiva." Era uma homem duma unidade muito grande. O escritor e crítico Fernando Pinto do Amaral prefere eleger como "verdadeiramente singular" em Ramos Rosa “a atmosfera muito espacial que a sua poesia, ou melhor, os seus ciclos de poemas, são capazes de criar”. Atmosfera essa que resulta de uma “conjugação precisa de palavras”: “Isso vê-se muito bem em O Ciclo do Cavalo, de que gosto particularmente, e em Gravitações, onde se sente que há como que uma força cósmica que atrai e repele as palavras e a própria natureza”. A ideia de respiração é, aliás, muito importante na obra deste autor, continua Pinto do Amaral, admitindo que não é fácil explicar o que dela emana, em parte porque passou por várias fases, “muito distintas”. É numa delas, mais realista, “ligada ao quotidiano e às suas burocracias”, que se insere um dos seus poemas mais conhecidos, O Boi da Paciência. “Ele, que também foi um funcionário de escritório, mostra aqui como pode ser monótona a vida e como é preciso combater a monotonia”: “Mas o homenzinho diário recomeça / no seu giro de desencontros/ A fadiga substituiu-lhe o coração”, escreve. “Tudo está em tudo na poesia de Ramos Rosa”, “como no movimento constante de inspirar e expirar”, resume o escritor, defendendo que se trata de um poeta que precisará sempre de antologias: “Um jovem leitor que queira iniciar-se na sua poesia vai sentir-se muito facilmente perdido. Ele escreveu muito, publicou muito. Fazer antologias suas não é, no entanto, tarefa fácil, porque há uma unidade muito grande em cada livro, o que torna difícil escolher um poema em detrimento de outro”. É detentor duma obra lírica imensa, este poeta nascido em Faro em 1924 — faria 89 anos a 17 de Outubro —, António Ramos Rosa frequentou ali o liceu, mas, por razões de saúde, não terminaria os estudos secundários. Uma escassez de estudos formais que a sua avidez de leitor não tardou a compensar largamente. Trabalhou algum tempo como empregado de escritório — experiência que inspirou o célebre Poema de Um Funcionário Cansado, incluído no seu livro de estreia —, ao mesmo tempo que dava explicações de português, inglês e francês e traduzia autores estrangeiros, primeiro para a Europa-América e depois para outras editoras.Envolveu-se, logo após o final da segunda guerra, na oposição ao salazarismo, militando no MUD Juvenil e participando em manifestações. Nos anos 50 ajudou a fundar e coordenou várias revistas literárias, incluindo Árvore, Cassiopeia e Cadernos do Meio-Dia, nas quais colaborou com textos de crítica literária e poemas. Embora publicasse poemas em revistas desde o início dos anos 50, o seu primeiro livro só saiu em 1958, aos 34 anos. Mas a partir desta estreia algo tardia, nunca mais deixará de editar poesia a um ritmo impressionante. Se O Grito Claro é ainda aproximável do neorrealismo, mesmo que já com tonalidades muito peculiares, a escrita de Ramos Rosa não tarda a destacar-se quer deste movimento, quer das inevitáveis influências do surrealismo, enveredando pelo caminho de uma poesia mais elementar, deliberadamente ancorada, sobretudo nos livros iniciais, numa certa rarefação vocabular. Uma característica que, a par da própria extensão da obra, terá ajudado a gerar o equívoco de que esta seria uma poesia monocórdica. Nada mais falso. Sem detrimento da sua consistência enquanto obra, e mesmo essa talvez mais resultante da fidelidade a um percurso do que propriamente da reincidência de tópicos obsessivos, a poesia de Ramos Rosa não só tem ciclos muito marcados como é variadíssima do ponto de vista formal e discursivo. Bastante indiscutível é a importância de António Ramos Rosa, quer como poeta quer como crítico, para a evolução da poesia portuguesa (e do gosto dos respetivos leitores) ao longo dos anos 60 e no início da década seguinte. Na atenção à materialidade do texto, numa dimensão política que dispensava a explicitude do neorrealismo, no rigor construtivo, até numa certa contaminação filosófica, a poesia de Ramos Rosa tinha, nos anos 60, afinidades bastante óbvias com poetas como Carlos de Oliveira ou Gastão Cruz. No entanto, foi-se tornando nela cada vez mais insistente a procura de uma espécie de voz original que pudesse cantar o mundo ao mesmo tempo que o criava. E se durante algum tempo a sua poesia ainda inclui explicitamente, como um dos seus tópicos, o fracasso desse impossível retorno à origem, vai depois tornar-se, cada vez mais, um hino reconciliado e extasiado com a diversidade exultante do real, uma música que destaca a sensualidade das formas — de uma mulher, de uma planta, de um curso de água, do flanco de um cavalo, mas também das próprias palavras — ao mesmo tempo que ela própria contribui para erotizar o mundo. Livros como O Ciclo do Cavalo (1975) ou Volante Verde (1986) costumam ser invocados, e com boas razões, como alguns dos momentos cimeiros desta imensa obra lírica. Mas há obras recentes que tiveram pouco eco crítico e são notáveis, como o criativo Nomes de Ninguém (1997), cujos poemas partem todos de nomes femininos inventados, ou As Palavras (2001), onde encontrámos um inesperado Ramos Rosa a ironizar com o modo como foi sendo lido. Segundo informação da família, o corpo do poeta será velado terça-feira a partir das 18h30, na Capela do Rato, em Lisboa, estando prevista para as 21h30 uma celebração pelo padre e poeta José Tolentino Mendonça. O funeral parte na quarta-feira de manhã, pelas 10h30, para o Cemitério dos Prazeres, onde será sepultado no Jazigo dos Escritores. Aqui vos deixo um link com um dos seus poemas que podem escutar em https://www.youtube.com/watch?v=CIV-0QN0tww . Que descanse em paz!

Monday, September 23, 2013

Equivocos da democracia portuguesa - 285

Precisamente hoje, segunda-feira, dia 23 de Setembro de 2013, Portugal deveria ter regressado aos mercados. Deveria mas não regressou... (Já tínhamos afirmado há cerca dum ano atrás que os indicadores conhecidos tornariam essa meta inatingível). Num governo que parece fazer do embuste a sua política - Rui Machete ocultou o caso BPN, Maria Luís Albuquerque os famosos "swaps", Miguel Relvas o intriguista supremo, só para citar alguns - é confrontado com o ceticismo dos mercados. Neste governo cheio de mentiras os mercados já não acreditam. Porque a reforma do Estado não se fez, e tantas outras medidas que nem sequer começaram, os objetivos não foram atingidos. Por tudo isto, estamos na iminência do segundo resgate. Já longe vão os tempos de fazer do "programa do FMI ser o nosso programa" (Passos Coelho dixit), do "não termos problemas em governar com o FMI" (idem), do "de irmos para além da 'troika'" (idem ibidem). Neste emaranhado de confusões que vemos? Vemos um primeiro-ministro a achar que com os juros acima dos 7% é difícil regressar aos mercados no final do programa. Agora chama aos mercados "preconceituosos" no passado recente dizia que "era a falta de credibilidade do governo (anterior) que a isso conduzia". Vemos que o primeiro-ministro culpa essa situação da crise criada no Verão pelo seu parceiro de coligação e, sobretudo, na figura de Paulo Portas. O Tribunal Constitucional também não escapa, afinal o importante, é justificar o insucesso seja lá com quem for. O Presidente da República quer voltar a apelar ao consenso depois das autárquicas num gesto que, como disse e bem Marques Mendes, "aligeirar a sua responsabilidade face à iminência dum segundo resgate". Sabendo de antemão que esse consenso é impensável neste momento. Mas para além da gravidade da situação continuamos a ouvir o governo a falar a diversas vozes, desconexo, sem rumo. Passos Coelho prepara o país para um segundo resgate, Maduro acha que nem pensar, Portas diz que o pior já passou! Assim não. Esta é a imagem que dá um governo sem diretriz, sem objetivo, que já assume que falhou, que não tem alternativas. Não nos regozijamos com isso e achamos que ninguém de bom senso o pode fazer. O segundo resgate está iminente, - como muitas vezes já aqui o afirmamos - e custará muito a cada um de nós. Afinal a ânsia de "ir ao pote" (PM dixit) soube a pouco. Que deixa este governo? Um país destroçado, de terra queimada, sem esperança e desalentado. A crise governamental no início do Verão alterou a maneira como o exterior olha para nós sem dúvida, mas não foi só isso. Faltou chama e arrojo para lutar por Portugal e bater o pé às instâncias internacionais. Afinal o ser "bom aluno" não chega, se não formos capazes de associar a teoria à prática. E é neste ambiente desajeitado que vamos a votos dentro de dias para as autárquicas. Terreno também ele fértil para a especulação e o aproveitamento político. E estas eleições são a verdadeira imagem do Portugal atual. Onde muitos falsos independentes mostram a sua apetência de continuarem agarrados ao poder, talvez porque não saibam fazer mais nada, talvez porque o país que temos nem a eles dá perspetiva de futuro. Estas eleições são bem o retrato do nosso descontentamento, nesta democracia "superficialmente democrática" para utilizar a feliz expressão do historiador José Miguel Sardica. Afinal que nos resta depois de tudo isto? Nada, definitivamente nada. Vítor Gaspar falhou a profecia que fez em Maio de 2011. Não regressamos hoje aos mercados, nem sabemos quando o faremos de novo em condições capazes. Mas ele avisou redimindo-se na carta que escreveu a quando da sua demissão. Parece é que ainda ninguém a leu com atenção, ou o espaço de manobra é tão estreito que não permite arrepiar caminho. Basicamente o que Gaspar escreveu foi que esta política falhou, não iremos ser capazes de atingir os nossos objetivos seguindo por este caminho. É tempo de ideias novas, de políticas diferentes. E isso o governo não consegue fazer porque está demasiado comprometido com este caminho (errado) e sem alento para voltar atrás. Caímos num embuste quando elegemos estes governantes, eles próprios defensores de embustes, num governo que faz do embuste a sua matriz política. Afinal que podemos esperar mais?

Thursday, September 19, 2013

Equivocos da democracia portuguesa - 284

Esta semana em que a "troika" começou a 8ª e 9ª avaliações tem sido fértil em acontecimentos, o que mesmo a presença dessas entidades não impediu. Desde logo, o crónico arranque polémico das aulas. Dizemos crónico porque infelizmente este não é o único ano em que tal se verifica. Isso só vem provar que o ensino é tratado sem grande empenho, o que infelizmente não é só apanágio deste governo. Muitas escolas, neste dia em que escrevemos, ainda não reabriram, ou porque não tem professores, ou por outra razão qualquer, onde o conceito economicista no ensino não é o menor. Enquanto uma grande parte delas são escolas onde ainda não está preenchido o quadro de professores na sua totalidade, enquanto existem professores à porta - até a levar os seus filhos - que se encontram a engrossar o exército de desempregados que temos. Uma suprema ironia num país em que o conhecimento nunca foi muito acarinhado. Depois é o regresso deste imbróglio em que se tornou o caso dos "swaps". Na comissão parlamentar nomeada para o efeito, Almerindo Marques - o antigo presidente das Estradas de Portugal - partiu a loiça, dizendo que os "swaps" feitos tiveram o conhecimento, concordância e até contaram com a assinatura de Maria Luís Albuquerque. (Ver notícia hoje publicada no Expresso Online onde são mostrados todos os documentos sobre esta matéria). Penso que já ninguém tem dúvidas de que a ministra não disse toda a verdade na comissão parlamentar, e quando vemos deputados do PSD a virem a terreiro tentar branquear este caso acusando o executivo anterior - coisa que ainda usam como arma de arremesso mais de dois anos depois o que prova que não têm a consciência muito tranquila - apenas serve para adensar as responsabilidades em torna da ministra que começa a não ter condições para continuar no cargo. É curioso notar que este executivo tem-se visto, por uma razão ou outra, mergulhado em escândalos de toda a ordem que tentam ocultar sempre da forma costumeira de culpar terceiros - normalmente o executivo anterior - forma bem aligeirada de tentar ocultar a sua incapacidade. Confusão governamental que teve o seu zénite - por agora - na crise que foi aberta por Paulo Portas. E embora muitos já se tenham esquecido do facto, os mercados não o esqueceram de todos. E face aos problemas de instabilidade política que se vivem, os mercados usam a sua habitual prudência e estão desconfiados. Vai daí que essa incredulidade se manifeste nos juros cada vez mais altos. Se a crise que Portas abriu deixou mossa, não nos parece que seja só isso a motivar tal facto. Ficamos com a sensação de, apesar das bonitas palavras que os políticos sempre usam nestas circunstâncias, a substituição de Gaspar por Maria Luís não foi bem vista pelos mercados. Gaspar, queiramos ou não, era coerente com o seu pensamento. Uma figura muita conhecida a nível das instâncias europeias que muito o estimavam. Isso não quer dizer que estivéssemos de acordo com ele, e disso fizemos eco na altura própria, mas tinha um carima bem diferente da sua sucessora, e disso também não temos dúvida. Para além disto, Gaspar era uma espécie de impoluto ministro a que nada se apontava, enquanto Maria Luís se viu no epicentro da polémica desde a sua nomeação e donde nunca mais conseguiu sair. A crise de Portas teve a ver com ela, os "swaps" que pretendiam atingir terceiros quando foram atirados para a praça pública, afinal vieram a tornar-se num dos maiores pesadelos para a ministra e para o governo. Assim, é hoje claro - como aliás já muitas vezes aqui dissemos - que Portugal está mais perto do segundo resgaste do que dum programa de apoio. A dívida está cada vez maior e por isso cada vez mais impagável, o défice apesar de algum abrandamento ainda não está ajustado como deveria estar nesta fase do programa de ajustamento, o desemprego continua enorme, embora dando sinais de alguma estabilidade, mas não esqueçamos a sazonalidade que as estatísticas nos mostram, enfim, tudo aquilo que o governo pretendia corrigir não foi capaz de o fazer. (Por isso, a continuidade da austeridade será um dado e isso constitui-se como razão para a S&P's ameaçar com o abaixamento do "rating" do nosso país por, precisamente, a continuação dessa mesma austeridade impedir a economia portuguesa de crescer. Convenhamos que até parece uma ironia!) Até a famosa reforma do Estado, pedra basilar em tudo isto, vem sendo adiada, com medidas avulsas aqui e ali, mas sendo incapaz de diminuir a despesa pública para valores razoáveis em tempo útil. Tudo tem falhado apesar do esmagamento a que os portugueses têm sido sujeitos nestes últimos anos. E as lágrimas de crocodilo do FMI no seu último relatório não chegam para encobrir uma instituição que mesmo reconhecendo a excessiva austeridade não parece quer dar sinais de mudar de rumo. Enfim, ainda temos um longo e espinhoso calvário pela frente. Não se iludam com os magos de última hora que sempre aparecem em períodos eleitorais. (Até porque não estamos certos de que as eleições possam alterar o rumo dos acontecimentos nesta fase). Portugal bateu no fundo, lá se encontra e não dá mostras de muita capacidade para de lá sair. Por mais atos de contrição que por aí se façam, esta é a dura realidade a que cada um de nós dificilmente poderá escapar.

Tuesday, September 17, 2013

Equivocos da democracia portuguesa - 283

A "troika" aí está, mas se ela representa aquilo que de mais negativo sentimos em Portugal, também é bom dizer-se que ela, a "troika", em bom rigor, não é culpada de tudo o que de mau acontece entre nós. Há muito que se fala sobre Portugal e o euro. Será bom estarmos dentro da zona euro ou seria melhor sairmos? Pensamos ser claro para todos, que Portugal fora da zona euro estaria hoje a enfrentar uma situação bem mais agreste do que aquela que hoje temos. É certo que o alinhamento seria mais rápido fruto da possibilidade de desvalorizarmos a moeda nacional, mas outros fatores seriam impeditivos do bom desempenho face a esta situação. Aliás, pensamos ser evidente que Portugal e os portugueses estão confortáveis no euro, é o que as sondagens dizem, mesmo numa população que de economia e finanças percebe pouco. Mas há o sentimento intrínseco que leva a que as pessoas percebam que se não fosse assim, estaríamos ainda pior. Mas se o desemprego que se verifica pode ser assacado à famigerada "troika", isso só por si, é redutor. Porque quando as economias contraem em bloco, como é o caso das economias da zona euro, e até fora dela, obviamente que países pequenos e pobres como o nosso, terão muitas dificuldades em se realinharem. Se o mercado encolhe, as empresas ficam com mais excedentes, a contração do lucro é evidente e a necessidade do reajustamento é inadiável, e o fator trabalho é o mais imediato e que produz efeitos mais rápidos e consistentes, infelizmente. Isto é uma evidência que mesmo o Sr. de la Palisse não ignoraria. Pensamos ser correto afirmar que Portugal e os portugueses estão a adaptar-se à nova realidade, que afinal o mercado - sempre soberano neste tipo de economias - acaba por impor. Apesar de tudo, o comportamento das exportações tem surpreendido todos, mesmo aqueles que não vêm nesta política o rumo ajustado para se debelar as dificuldades por que todos estamos a passar. Mas a economia portuguesa tem apresentado efeitos tão surpreendente que a tornam até, se o podemos afirmar assim, como algo "sui generis", das suas concorrentes, ou pelo menos não tão normal, dentro daquilo que os compêndios de economia assinalam. O que as últimas estatísticas nos mostram é que entre a faixa etária entre os 15 e os 34 anos, diminuiu o emprego e o... desemprego!... Este é um fenómeno raro em economia, embora na faixa para lá dos 35 anos tudo é radicalmente diferente. A diminuição da população é um fator evidente e claro nesta faixa etária. É óbvio que esta situação é potenciadora de perigo de conflitualidade social, mas isso é algo que temos de resolver (o governo naturalmente) e nada tem a ver com a ação da "troika". Queremos com isto dizer que, apesar de discordarmos do caminho que as coisas estão a seguir, apesar da incapacidade que o governo tem demonstrado para se impor às diretivas externas, não podemos culpar só  ou quase exclusivamente a "troika". Eles fazem o seu papel de representantes dos credores que querem a todo o custo receber o dinheiro que emprestaram, e compete-nos a nós lutar contra esta maré negativa e avassaladora. Coisa que até agora ainda não vimos.

Monday, September 16, 2013

Equivocos da democracia portuguesa - 282

Esta semana inicia-se com mais uma visita da "troika" - agora renovada com novas caras mas com o mesmo propósito -, estarão em curso a 8ª e 9ª avaliações. Esta visita é percursora das medidas que irão constar do OE2014. E aqui é que está a questão. A cerca de um mês da apresentação do OE2014 na AR, ainda parecem existir dúvidas quanto ao valor do défice! Portas diz que Portugal irá renegociar os 4% para 4,5%, Passos Coelho diz que ainda é cedo para se falar nisso e Maria Luís Albuquerque diz as duas coisas, depois do puxão de orelhas de Bruxelas (que está mais preocupada em saber se a crise política criada por Portas está resolvida ou não). É sabido que a UE não gosta que se falem em público destas coisas, e com eleições na Alemanha a terem lugar no próximo domingo, ainda menos. Mais uma vez o governo demonstra a sua inabilidade política acabando a falar a duas vozes. Se a posição de Portas é razoável, porque temos sempre cumprido e parece ter sido este o motivo da viagem que fez com a ministra das finanças pelas instituições que compõe a "troika", não parece razoável que publicamente se venha falar de algo que ainda não está definido, e muito menos no momento político melindroso que a Alemanha está a viver. Para um alemão falar de alargamento do défice é equivalente a dar mais facilidades aos países do sul esbanjadores por natureza! E isso põe em causa a política de Merkel que afinal tem sido o verdadeiro motor da austeridade dos países sob resgate. Tanta inabilidade política vinda de Portas, um político sagaz e experimentado é, no mínimo, estranho. Mesmo que tivesse sido como forma de pressão, o momento não seria o melhor. Seja como for, o que interessa aos portugueses é que a austeridade vai continuar, a carga fiscal poderá até aumentar, contrariamente ao que o PM vai dizendo. Mas é também certo que o governo continua a estar em desintonia, a falar a várias vozes e, o que ainda é mais preocupante, a não ter um valor claro para o défice para o OE2014 a cerca de um mês da sua apresentação, que era de esperar que todo o trabalho técnico já estivesse feito. Neste país de equívocos, num executivo já ele equivocado, tudo é de esperar. Enquanto isso, os portugueses esperam ansiosos por mais um pacote que lhes vai tolher, ainda mais, a vida e a capacidade de subsistência.

Friday, September 13, 2013

Equivocos da democracia portuguesa - 281

Estamos a poucos dias do início da campanha para as eleições autárquicas, embora com a pré-campanha já em curso, até parece que ela já começou. Mas esta campanha, para além das habituais promessas, atos de contrição, insultos e quejandos, tem um suplemento adicional que pode baralhar as contas dos diversos partidos. Trata-se dum elevado número de candidaturas independentes a que não se estava habituado a ver entre nós. Se algumas são, de facto, independentes, outras não são mais do que tentativas de alguns políticos se perpetuarem no poder por mais uns anos, nem que para isso se tenham de desfiliar dos seus partidos, até arrazoar contra eles. Nestas coisas da política como noutras na vida, a sobrevivência é mais importante do que as ideias, sobretudo, quando estes políticos profissionais nada mais sabem fazer do que política e quanto a ideia ou ideologias nem é bom falar como se vê. Se os partidos não os recandidataram então eles vão à luta com outras armas. E isso pode baralhar, e de certo irá acontecer, as contas dos partidos que de um dia para o outro não só têm que se combater entre si, como até alguns que eram seus correligionários num passado recente. Mas mesmo nestes candidatos independentes - estou a referir-me àqueles que renegaram os seus partidos nestas eleições - já nada importa. Até agora lutavam pela sua terra, donde eram oriundos, neste momento lutam pelo poder em terras que lhes são estranhas, e que mal conhecem, apenas e só porque querem manter-se na política. E isso será um verdadeiro teste à democracia que nunca entre nós se viu testada desta forma. Depois de quase quatro décadas duma democracia formal e enquadrada pelos partidos, parte-se agora para um outro tipo de democracia onde a ação cívica, a cidadania, tem um peso maior. É certo que a independência de grande parte dos candidatos vale o que vale, mas até a intervenção cívica dum grupo de cidadãos conhecidos como a "revolução branca" e que tanta perturbação causou nos últimos tempos, também são um sinal de que algo está a mudar. A lei de delimitações dos mandatos, que deveria ser um verdadeiro tampão a estas situações, afinal é como se não existisse, depois das decisões do Tribunal Constitucional. Mas seja como for, temos a sensação que as coisas estão a tomar outro rumo, face a partidos desacreditados, a um exercício do mandato político não tanto como uma comissão de serviços, mas como um "arranjinho" até à reforma, uma espécie de emprego para quem não sabe, ou não quer, fazer mais nada. Mas algo ficará diferente depois de tudo isto, e o nervosismo nos partidos é evidente, sejam quais forem as suas zonas de influência. No dia 29 deste mês saberemos o que aconteceu e como os partidos vão gerir a situação. Até lá, a campanha está na rua. Anda por aí embora duma forma menos mediatizada do que o habitual pelas questões levantadas pela Comissão Nacional de Eleições. Até isso será algo de novo neste teste à democracia. Contudo, isto pode ser a autonomia da democracia face a uma cidadania mais interventiva ou apenas algo que simplesmente muda para que tudo fique na mesma como é habitual entre nós.

Thursday, September 12, 2013

"Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril" - José Milhazes

Quando trouxe o tema do centenário de Álvaro Cunhal e da famosa fotobiografia disse na altura que voltaria a pisar estes terrenos quando fizesse aqui o comentário do mais recente livro de José Milhazes, "Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril". Ou, como se diz na capa do mesmo, "como a União Soviética não quis a revolução socialista em Portugal". E como o prometido é devido, aqui estou de novo para cumprir a promessa. Todos sabemos que os partidos comunistas de então, tinham uma grande obediência a Moscovo, quanto mais não fosse, para obterem fundos do chamado "fundo revolucionário" que tinha sido criado por Lenine em 1917, e que se destinava a ser utilizado naquilo que chamavam a "revolução mundial". O PCP não era exceção a esta regra e dele recebeu avultadas quantias, sobretudo, quando na Europa a desobediência a Moscovo se tinha tornado regra, nomeadamente, na Espanha, França e Itália. Viviam-se então os tempos do chamado eurocomunismo. Mas voltemos ao 25 de Abril de 1974. A URSS ficou surpreendida com o golpe, tanto quanto o seu arqui-inimigo os EUA. Desde logo, se pensou por cá que era altura de lançar um assalto ao poder dentro daquilo que o modelo soviético tinha feito a quando da sua chegada ao poder na Rússia. Contudo, dois fatores levaram a um repensar da estratégia. O primeiro é que em Portugal não havia as divisões entre os democratas-cristãos, os sociais-democratas e socialistas como aconteceu na Rússia de 1917, e o resultado das eleições que se realizaram um ano depois tornaram isso claro. O PCP tinha tido pouco mais de 15% bem longe do PS e em que a soma de votos do PS com o então PPD (hoje PSD) davam uma clara ideia do rumo que as coisas iriam tomar em Portugal. Mas um segundo fator apareceu no horizonte que, a acreditar no autor, nem mesmo o PCP tinha a certeza, embora suspeitasse. Parece ter existido uma espécie de "Tratado de Tordesilhas" entre a URSS e os EUA, demarcando as suas zonas de influência. Se a URSS queria ficar com a então Checoslováquia, Portugal ficaria na órbita ocidental, isto é, na zona de influência dos EUA. Nas zonas cinzentas, como era o caso de África, viu-se o que aconteceu com guerras civis influenciadas e apoiadas por um lado e pelo outro, de que as populações e os próprios países foram os mais sacrificados. Escrito com base em entrevistas, este livro pretende responder às perguntas seguintes, o de saber que influência teve a União Soviética no 25 de Abril e se conspirou para a instauração duma revolução comunista em Portugal. Tenta também esclarecer qual foi o papel de Álvaro Cunhal e do PCP na complicada teia política do PREC e que tipo de relação mantiveram com o Komintern e a URSS de Brejnev. E no contexto de guerra fria que então se vivia, será que os comunistas portugueses ajudaram a combater o arqui-inimigo norte-americano? Estas e outras questões são abordadas neste livro baseado em entrevistas como atrás disse, mas também, alicerçado em forte documentação, dentro daquilo, que até agora, foi desclassificado em termos de arquivos para os historiadores. Um livro muito interessante que desconstrói muito daquilo que se vivenciou nesses anos de revolução que conduziram Portugal até à vereda duma guerra civil. Quanto ao autor, José Milhazes, é sobejamente conhecido como correspondente da SIC em Moscovo e um profundo conhecedor das relações luso-soviéticas. Esta obra lança assim, uma nova luz sobre um dos aspetos menos conhecidos da história de Portugal recente. A edição é da D. Quixote, empresa do grupo Leya. Um livro que recomendo vivamente para que se perceba melhor os acontecimentos que então se vivenciaram e de que muitos de nós foram testemunha.

Sunday, September 08, 2013

Leça do Balio - Terra Hospitalária

Está a decorrer neste fim-de-semana em Leça do Balio a sua 8ª feira medieval. Um encontro que se vai repetindo ano após ano com cada vez mais visitantes e que pretende recrear a época medieval, seus costumes, lendas e tradições. Leça do Balio será seguramente um destes locais emblemáticos que melhor encarna esta tradição. Situada no Caminho de Santiago e na confluência para a cidade de Braga - também ela um centro importante da religiosidade da época e que ainda hoje o continua a ser - Leça do Balio (ou Bailio como ainda se vê inscrito em toponímias mais antigas) viu implementada ainda antes do condado portucalense a Ordem dos Hospitalários que contou com a proteção de D. Tareja (D. Teresa) mãe de D. Afonso Henriques. (Para os que conhecem o local, o caminho de Santiago de então fazia-se pela estrada antiga que ainda existe e onde se situa a conhecida Ponte da Pedra). Neste local foi onde D. Fernando veio casar com D. Leonor de Teles, fugindo a um casamento em Lisboa - como seria normal - ou até no Porto, e veio refugiar-se em Leça do Balio sob a proteção dos cavaleiros da Ordem Hospitalária. Se este foi um verdadeiro casamento por amor, onde o rei não aceitou a mulher que lhe seria atribuída por questões políticas, ele também encerra uma grande divisão entre o povo e a realeza de então. Por causa deste casamento já tinham havido revoluções em Lisboa e daí a sua celebração ser feita fora dos já então grandes centros. É precisamente este casamento que se vai recriar hoje, último dia dos festejos, depois de termos tido o cortejo e toda a envolvência medieval desde sexta-feira última. Para concluir resta apenas dizer de que do Bailio de Leça apenas resta a sua majestosa igreja (mosteiro) duma Ordem que dominava os terrenos em volta num raio de vários quilómetros e que constituíam propriedade da Ordem do Hospital. Para os interessados neste tema, aconselho-vos um livro já com alguns anos mas que talvez continue a ser o que de melhor existe sobre esta região do país. Chama-se "O Bailio de Leça" e é da autoria de Arnaldo Gama. Há várias edições, aquela que possuo é das Publicações Europa-América. Numa linguagem clara e acessível, Arnaldo Gama leva-nos a uma viagem sobre esse tempo ainda anterior à fundação de Portugal e sobre a história dum mosteiro que tem cerca de mil anos. Um livro a ler para os interessados neste período histórico e, sobretudo, na análise da influência que as ordens militares tiveram na fundação de Portugal e na sua manutenção territorial. Por tudo isto, impõe-se uma visita a Leça do Balio, sobretudo hoje, onde se celebra o casamento real que tanta visibilidade deu à grei de então.

Thursday, September 05, 2013

Equivocos da democracia portuguesa - 280

Neste país equivocado, - a primeira empresa falida criada por D. Afonso Henriques, como era costume ser apresentada a economia portuguesa aos estudantes da FEP -, não é de admirar que soframos do mesmo mal e que também vivamos equivocados. Tudo isto a propósito das afirmações da ministra da justiça quando afirmou que "deveríamos seguir o exemplo alemão que nos anos 90 depois de passar por uma terrível crise, aceitou baixar os salários em vez de haver despedimentos". Se calhar no essencial até podemos estar de acordo, mas seria necessário dizer toda a verdade. Nos anos 90 a Alemanha, apesar da crise por que passou, estava em bem melhores condições do que Portugal hoje, depois do desgoverno deste executivo a que a senhora ministra pertence. Depois, até aceitaríamos a legitimidade das palavras da responsável da justiça se a tivéssemos visto a defender o nivelamento dos salários, ainda antes de haver crise, para o nível alemão. E só damos o exemplo germânico apenas para utilizar a mesma bitola de comparação da Dra. Paula Teixeira da Cruz. Finalmente seria de lembrar à senhora ministra que o abaixamento dos salários já está a ser feito por via indireta como é o caso do aumento do horário de trabalho, o aumento do IRS, e por aí fora. Se mesmo assim, envereda-se-mos por um abaixamento generalizado de salários, estaríamos a proceder a um duplo abaixamento, que não foi o caso da Alemanha nos anos 90. Assim, pensamos que a senhora ministra deve uma explicação à grei que, pelos visto, anda profundamente equivocada, a menos que o ande a senhora ministra. Mas esta afirmação, vem na linha do que vem dizendo o executivo nos últimos tempos. Quando Passos Coelho afirmou há dois anos que "para sairmos da crise seria necessário o país empobrecer" - coisa que aliás já não diz porque estamos em período eleitoral e assim o "empobrecer" passou a chamar-se "ajustar" - ele já tinha em mente aquilo que se iria passar desde o empobrecimento claro do país, a desvalorização do fator trabalho, a diminuição do poder de compra, e daí ao cortejo de falências, desemprego e estagnação foi um ápice. Sabemos que muitas das políticas do governo não têm sequer origem no executivo - fazemos-lhe essa justiça - mas sim nas instâncias internacionais e, desde logo, a UE que pauta o rumo dos seus países membros. Mas será necessário tornar as coisas claras para que uma simples frase, que até pode fazer sentido, esconda uma realidade bem mais dura do que aquilo que pode fazer crer. Claro que os políticos deste país que vão dividindo os proventos entre si de quatro em quatro anos, numa democracia aparente que nos faz crer que somos os detentores do destino do país, não sentem nas suas bolsas o impacto das medidas onde o viver com pouco mais de 200 euros não é uma realidade tão escassa assim. Estes senhores não conhecem a realidade da vida das pessoas, encerrados nos seu confortáveis gabinetes pagos por todos nós. Só assim se compreendem algumas afirmações perigosamente equívocas, num país, já ele, equivocado vai para 900 anos!

Wednesday, September 04, 2013

No centenário de Álvaro Cunhal - Do sectarismo militante ao homem de cultura

No centenário de Álvaro Cunhal que se celebrará a 10 de Novembro próximo, não queria deixar de aqui fazer algumas reflexões sobre este político que, tal como cada um de nós, tem duas faces muito vincadas tal como as faces duma qualquer moeda. Figura importante da luta antifascista, homem oriundo duma classe média abastada que tudo renegou em prol dos seus ideais políticos, - o que o torna ainda mais louvável a sua militância -, nunca foi um homem de consensos sempre partindo para a rutura como forma de fazer política. Foi assim nos tempos da ditadura às mãos de quem sofreu imenso nas várias vezes que esteve preso pela polícia política, até ao dealbar da democracia e, diria mais, até à sua morte. Nunca se libertando duma certa tendência estalinista, que nunca renegou, e que sempre impôs ao seu partido, o PCP. Disso foi exemplo o que aconteceu a quando do seu regresso depois de instauradas as liberdades em Portugal, e do muito que depois se viria a passar, ao ponto de Portugal ter estado à beira duma guerra civil. (Curiosamente à revelia duma certa visão do seu mentor a ex-URSS que sempre olhou para Portugal com algum cuidado não querendo por em causa o equilíbrio que exista no âmbito da guerra fria que então era paradigma. Sobre esta questão não deixar de ler o livro de José Milhazes, "Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril" a que, numa outra altura analisarei neste espaço). A política do silêncio, do reescrever a História, sempre foi uma caraterística do PCP, então liderado por Álvaro Cunhal, em que a "morte política", o desaparecimento puro e simples duma pessoa, uma espécie de proscrito, tanto se aplicou a muita gente que andou próxima de Cunhal. Conheci Cunhal há muitos anos, ainda estudante da FEP, numa altura em que decorria nas instalações da faculdade um encontro ou congresso do PCP - já não me lembro bem - com um convidado especial e muito pouco conhecido entre nós na altura e que viria a deslumbrar o mundo, tratava-se de Mikhail Gorbachev. Se a sua tenacidade e determinação eram evidentes e contagiantes, também eram temerárias as suas decisões. Os vários "pogrom" que aconteceram sobre a sua liderança são disso um exemplo. Contudo, nesse homem enérgico e simultaneamente afável, viria a despontar uma veia de cultura que desde muito cedo se acentuaria. Os anos de prisão, se amargos e terríveis para quem os sofreu, são também ironicamente os anos em que Cunhal dá largas à sua criatividade, que vai desde a escrita de livros, passando pelo desenho e pela pintura. Na prisão iria dedicar-se também ao estudo que o levaria a licenciar-se em Direito. Reconhecido pelos seus contemporâneos, mesmo aqueles que lhe deram a prisão como Salazar e Caetano, como um homem de inteligência superior, por ele passariam ao longo da sua longa vida alguns dos mais conturbados momentos da História portuguesa e mundial. Mas se compreendo, apesar de tudo, esse sectarismo fruto dum tempo difícil em que viveu e até do muito que sofreu, já é com dificuldade que aceito que nos tempos de hoje, quase 40 anos de democracia volvidos, os seus seguidores continuem a tentar reescrever a História duma forma inimaginável. A recente fotobiografia de Cunhal é disso exemplo. Desde fotos manipuladas onde Mário Soares foi banido de algumas até àquelas em que Gorbachev nem sequer aparece. Se compreendo que os mais antigos militantes que muito sofreram não se tenham libertado dessa pecha sectária, tenho mais dificuldades em aceitar que as novas gerações se mantenham na mesma linha, ou se deixem manter nessa linha, típica dum outro tempo e dum outro espaço. Afinal o sectarismo continua apesar dum certo discurso brando e democrático que, depois disto, parece afinal falso e hipócrita. Contudo, e porque não sei ser sectário, queria aqui deixar lembrado o Cunhal homem de cultura - de muitas culturas e de muitos saberes - para além do político. A quem não se ficava indiferente quando o conhecíamos pessoalmente. Afinal quero com isto dizer que são mais importantes os laços que a cultura tece e as vontades que une, do que as ideias políticas que, quase sempre, dividem.

Tuesday, September 03, 2013

"Ser espiritual: Da evidência à ciência" - Luís Portela

Há dias ouvi na Antena 2 a apresentação deste livro numa entrevista ao seu autor, Luís Portela. Se a entrevista me motivou, daí a adquirir o livro foi um instante. Depois de o ler fica-se com a sensação a pouco. Como afirmava Luís Portela um ex-médico que virou empresário de sucesso, "a ciência tem renegado muita coisa por medo de perder o seu protagonismo". É isso mesmo. A ciência tal como as pessoas, por vezes, temos medo de falar sobre estes temas por julgarmos que, perante os outros, nos tomem por alucinados ou dementes. Sempre a ideia do outro a limitar a nossa capacidade evolutiva! Mas este livro vai muito para além de tudo isto. Com cerca de 140 páginas - aquilo que chamaremos um livro pequeno - ele é grande naquilo que encerra. "Aparentemente, a Humanidade tem feito uma grande progressão no domínio tecnológico, mas, mantendo-se embriagada com a exploração material e distraída com um mar de futilidades, tem deixado para segundo plano a exploração espiritual. O ter tem-se sobreposto ao ser. E, recentemente, parece que já nem faz falta ter, basta parecer. Tendo assumido a ilusão tal dimensão, parece oportuno procurar recentrar o Homem no seu âmago do ser. Foi o que o autor procurou fazer, cruzando os saberes tradicionais com os resultados da investigação científica recente e sugerindo um prévio despojamento de conceitos e preconceitos, uma grande abertura a uma perspetiva diferente dos conhecimentos aceites pela cultura vigente. Ou seja, uma real abertura do leitor a perspetivar o Universo a partir do seu eu espiritual". Isto é o que se pode ler na apresentação deste extraordinário livro. Não sendo um livro sobre religiões. Muito menos um livro sobre espiritismo, ele encerra aquela dimensão espiritual que todos possuímos - e que hoje já ninguém põe em causa - tentando trazer a ciência para o centro da reflexão, sem medos de poder ser desacreditada. Desacreditados serão aqueles que ignoram que para além do nosso corpo material nada mais existe, negando algumas experiências que vão acontecendo um pouco por todo o lado, e de que a de "quase morte" não é seguramente a menor. Livro muito interessante a ser "devorado" avidamente. Sobre Luís Peixoto, como atrás já referi, é um médico nascido no Porto em 1951. Depois de passar pela Universidade do Porto como docente, acabou por assumir a presidência do companhia  farmacêutica Bial, vindo a ser o seu chairman em 2011. É detentor de vários prémios e doutor honoris causa  por várias universidades, desde logo, a de Cádis em Espanha e da Universidade do Porto. Quanto à edição do livro é da responsabilidade da Gradiva. Um livro que recomendo vivamente mesmo - e sobretudo - para aqueles que ainda hoje fazem tabú destes temas.

Sunday, September 01, 2013

Homenagem aos heróis anónimos


Um novo mês se inicia marcado pela tragédia que ciclicamente mergulha Portugal no caos. Estou a referir-me à praga dos incêndios que aparece por efeito do clima mas também de mão criminosa que todos os anos enluta o nosso país. Este ano a situação tem sido verdadeiramente caótica, sobretudo o mês anterior, onde já morreram cinco bombeiros que, por acidente ou por maior voluntarismo, acabaram por ser colhidos pelo fogo. Ainda alguns estão nos hospitais e um número significativo deles estão em estado considerado muito grave. Não sabemos se deste grupo sairão mais alguns para engrossar o grupo dos muitos, que este ano, já deram a vida pelo bem dos outros. As populações que clamam por eles são muitas vezes responsáveis por tal situação. É o abandono da floresta, é a falta de limpeza das matas, é o deixar que a vegetação quase que lhes entre pela porta adentro. Mas o Estado também aqui tem uma responsabilidade muito grande. Perante algumas afirmações surgidas nos media, o governo veio na semana passada justificar-se dizendo que apenas possui cerca de 2% da floresta. Não sei se é assim ou não, mas tomando como certa a afirmação e pelo que tenho vista nas imagens que as televisões fazem chegar até nós, mesmo esses 2% não servem de exemplo para ninguém. E assim sendo, como é que o Estado pode exigir dos particulares a limpeza das matas quando o exemplo que dele se colhe é precisamente o contrário? Quanto às ignições que todos os anos se verificam, certamente que muitas serão por condições climatéricas, outras por negligência mas, um cada vez maior número, parece ter origem em mão criminosa. Confesso que isso sempre me causou muita incompreensão. No tempo do Estado Novo também as havia e dizia-se então que eram aqueles que eram contra o regime. Em democracia falava-se então nos madeireiros, depois nos negócios ligados ao imobiliário e agora, pasme-se, cada vez mais se fala em vingança. Afinal que gente é esta que ateia incêndios. Nem tudo pode ser justificado por alcoolismo ou perturbações mentais, porque se assim o for, por mais que as autoridades façam, eles acabarão por sair em liberdade logo de seguida para continuarem a sua senda destruidora. Tenho por certo, talvez erradamente, que a falta de meios e a formação não são as mais eficientes e necessárias. Num período de crise como o que se está a verificar, onde todos os meios são sacrificados no altar do défice e da dívida, será natural que muitos dos recursos sejam canalisados para outros fins que não o de apetrechar as corporações de bombeiros. A formação parece também ser uma pecha a que se deve dar atenção. Não sei se estou a ver corretamente o problema, mas tanto quanto sei, os bombeiros falecidos são todos voluntários, o que significa que os outros que são profissionais terão ao seus dispor outros meios e outra aprendizagem. Não sei sequer se estou a ser justo quando faço esta apreciação, mas é aquilo que me parece correto face ao que vejo. Penso que agora não será altura para recriminações, para aproveitamentos políticos, cuja tentação será fácil, mas sobretudo, será um tempo de juntar esforços para debelar esta situação que estamos a viver. Mas depois, quando tudo isto terminar, penso que será necessário fazer um balanço cuidado e tirar as respetivas ilações. Tenho ouvido muitas críticas dos bombeiros, não sei se são justas. Haverá o tempo para que tudo isso seja analisado. Agora é apenas o tempo de cerrar fileiras e prestar uma homenagem sentida a estes heróis anónimos que, a troco de quase nada, dão a vida para que a vida de outros se salvem. Será justo um obrigado sincero a todos eles pelo que têm feito, e àqueles que já não estão entre nós, será necessário mais do que um obrigado. Eles deram aquilo que de mais precioso tinham que eram as suas próprias vidas. O Estado, e porque não todos nós, mesmo em tempo de restrições, não possamos, diria melhor, não devamos fazer um pouco mais pela sua memória e pelas famílias que deixaram para trás. Um obrigado sincero e público, não tardio e timorato como aquele que se viu das autoridades portuguesas que só o fizeram depois de muito alarido mediático. Obrigado a todos pelo que sois, obrigado a todos pelo que fazeis. Sois os melhores de nós todos.