Conversas comigo mesmo - CII
"Ecce homo!" "Eis o homem!", melhor dizendo eis os homens, espíritos lúcidos do seu tempo, que não tiveram medo de dizer que o rei vai nú. Separados pelos tempo, unidos na mesma crítica mordaz aos poderes instituídos que, por baixo do seu ar cândido, escondem por vezes outras intenções. Um deles foi notícia há dois dias atrás, embora volta e meia, vá dando que falar. Falamos de D. Januário Torgal Ferreira que não teve pejo em dizer que "este governo é corrupto e não acredita em alguns ministros". Na TVI24, o bispo das Forças Armadas fala mesmo em "diabinhos por comparação com o governo anterior". E acrescenta: «Há jogos atrás da cortina, habilidades e corrupção. Este Governo é profundamente corrupto nestas atitudes a que estamos a assistir», frisou, acrescentando: «Nós estamos numa peregrinação em direção a Bruxelas e quando tudo estiver pago daqui de Portugal sai uma procissão de mascarados a dizer: vamos para um asilo, salvem-nos». Com a clareza habitual de quem não tem medo das palavras e do seu significado, o bispo das forças armadas volta à carga: «O problema é civilizacional, porque é ético. Eu não acredito nestes tipos, em alguns destes tipos, porque são equívocos, porque lutam pelos seus interesses, porque têm o seu gangue, porque têm o seu clube, porque pressionam a comunicação social, o que significa que os anteriores, que foram tão atacados, eram uns anjos ao pé destes diabinhos negros que acabam de aparecer», frisou no programa «Política Mesmo». E o escândalo foi muito nas hostes bem falantes dos políticos. Ao fim e ao cabo, alguém teve a coragem de dizer que o rei ia nú. Dando vós aos que não a têm, as palavras de D. Januário foram acolhidas com a sibilina compreensão muito típica das figuras da Igreja. A conferência episcopal, veio demarcar-se do seu bispo, embora nunca o critique, mas lá foi dizendo que "é bom que hajam pessoas a dizer a verdade". Descodificando, isto significa que a Igreja se revê nas palavras do seu membro, embora duma forma não ostensiva. Afinal, a Igreja que tanto tem apontado o empobrecimento das populações e de como começam a ter dificuldade em suprir as carências dos necessitados cada vez em maior número, terá visto nas palavras dos seu bispo, o grito de revolta que encarna a posição de muitos portugueses. Mas D. Januário Torgal Ferreira não foi o único a fazê-lo, senão vejamos: "Nós estamos num estado comparável apenas à Grécia: a mesma pobreza, a mesma indignidade política, a mesma trapalhada económica, a mesma baixeza de caráter, a mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas quando se fala num país caótico e que pela sua decadência progressiva, poderá vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se em paralelo, a Grécia e Portugal". Qualquer pessoa dirá que isto só pode vir dum qualquer elemento da oposição, radical e furibundo, contra o governo. Mas desengane-se quem assim pensa. As palavras citadas atrás são da autoria de Eça de Queiroz, nas suas "Farpas". É verdadeiramente impressionante o paralelismo. Afinal parece que desde 1872 até hoje, não melhoramos assim tanto, e os mesmos cancros sociais, os mesmos politiqueiros - com ou sem equivalências - parecem que se vão perpetuando ao longo do eixo do tempo. Mas Eça não fica por aqui. Quem se lembra das palavras publicadas no Distrito de Évora em 1867: "A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse". Que atuais são estas palavras. Parecem terem saído dum qualquer cronista dos nossos dias e afinal já passaram sobre elas 139 anos!!! Afinal porque se escandalizam tanto os poderes instituídos contra D. Januário? Se Eça vivesse neste nosso tempo atribulado e com déficit de caráter, para além do outro déficit, teria dito o mesmo ou algo pior. E para terminar, ainda recorramos a Eça: "Os políticos e as fraldas devem ser mudadas frequentemente e pela mesma razão".