Temos voltado amiúde a estes temas porque a atualidade assim o justifica e a emergência em que vivemos também. À cerca de um ano e meio atrás, alguns barões do PSD, entre eles Nogueira Leite - o que agora diz que se "pira" - empurraram Passos Coelho para eleições antecipadas. Este já tinha dito que ainda não era tempo "de ir ao pote", mas a pressão foi tal, que ele lá foi ao pote. Só que as coisas que pareciam evidentes passaram a não ser assim tanto. Miguel Macedo, então líder parlamentar do PSD, por variadas vezes afirmou que o seu partido tinha uma solução para a crise, que a debelava em cerca de dois meses! Face a afirmações destas algum eleitorado achou que se devia tentar. E acabamos nisto. Hoje, cerca de ano e meio depois, o país está de rastos, sem honra nem glória, sem futuro, sem expectativas, onde a luz ao fundo do túnel não há maneira de aparecer e, com as últimas medidas anunciadas, a luz apagou-se de todo, se é que alguma vez brilhou lá bem ao fundo do dito túnel. A "troika" admitiu que errou, - depois desta quinta avaliação -, em algumas das medidas, o governo fez o mesmo. Daí resultou que foi-nos concedido mais tempo para corrigir o déficit. Só que a terapia que daí resultou está a colocar o país à beira dum ataque de nervos. É que essas medidas irão fazer diminuir brutalmente o poder de compra em 2013, teremos mais recessão, o IRS irá aumentar, as pensões diminuir. Esta receita errónea, leva a que se temos mais tempo teremos mais austeridade, embora essa correlação não seja direta como alguns tentaram afirmar. Contudo, do lado da despesa não se viu nada. O governo ou não sabe o que fazer, ou não pode tocar em alguns interesses instalados, ou ambas as coisas, o certo, é que do lado da despesa tudo continua igual. Lembramos aqui de novos as afirmações de Miguel Macedo que tinha a receita para "cortar as gorduras do Estado em dois meses", embora achemos estranho que não tivesse ainda dado a famosa receita a Vítor Gaspar. Daqui se conclui que, ou ele mentiu, ou então a soberba governativa o torne um mau colega de governo. Vítor Gaspar disse que agora se "ía iniciar um estudo para cortar nas despesas do Estado" e, é caso para perguntar, o que andaram a fazer todo este tempo? Será que só agora o seu colega de governo lhe facultou a tal receita? E para começar com o corte nas despesas, seria bom olhar desde logo para a CGD. Esta instiutição que deveria ser uma espécie de "land of last resort" não o é de facto, nunca o foi, e até começam a aparecer vozes a questionar para que serve. Para já, serve para ter um grupo enorme de administradores, que o PSD logo que chegou ao governo, tratou de aumentar para colocar lá os seus "boys" como foi o caso de Nogueira Leite, que citamos atrás, que foi o mentor do programa de estratégia do governo e conselheiro de Passos Coelho. O mesmo Nogueira Leite que, após o falhanço da estratégia diz que "se vai pirar". Já o devia ter feito, a bem da Nação. Era menos uma remuneração choruda que tínhamos que pagar. Vítor Gaspar contudo tinha mais um coelho para tirar da cartola - e não nos referimos ao Coelho primeiro-ministro - vai daí surge o abaixamento da TSU para as empresas e aumento da mesma para os trabalhadores! A ideia seria a de baixar os custos das empresas e torná-las mais competitivas, mas esta é uma solução teórica - e deste ponto de vista certa - mas que nunca foi testadas em nenhum país do mundo. Assim, Vítor Gaspar transforma Portugal, dum só golpe, numa espécie de laboratório onde se vão testando estas teorias. Isto diz bem da distância que existe neste ministro das finanças da realidade. Homem do campo académico não conhece a realidade empresarial que agora talvez se esforce por perceber melhor depois do coro de desagrado que foi transversal ao nosso país e que envolveu, pela primeira vez, a unanimidade dos patrões e dos trabalhadores. Vejam-se as declarações de Belmiro de Azevedo que diz que em Portugal o governo "navega à vista" frase feliz que sintetiza bem o que acabamos de afirmar. Claro que Vítor Gaspar está aflito, afogado num mar de problemas e vai esbracejando em todas as direções para se tentar salvar. Parece que ontem na reunião que teve com os deputados da maioria, ele terá afirmado que se não for assim, o déficit deste ano será superior aos 6%!!! Isto só bem demonstrar o que atrás dissemos. As políticas do governo estão erradas, não estão a resultar, e desse experimentalismo governantivo somos todos chamados a pagar por erros alheios. E não deixa de ser curioso que ontem, o ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, tenha afirmado que "os políticos se preocupam mais com o crescimento económico, ignorando uma visão mais social, que é o que distingue os grandes estadistas". Neste coro de condenados em que nos tornamos, há vozes dissonantes, cada vez mais e não já da oposição. Mesmo dentro da maioria o incómodo é enorme e a futuro da coligação poderá não estar assegurado. Ferreira Leite ontem afirmava que "o governo está a destroçar o país". Afirmações destas dizem bem do mal-estar reinante por mais que tentem elodir o problema. A própria "troika" tem-se vindo a demarar de algumas das atitudes do governo, e ontem o representante do FMI, Selassie, afirmava que "a "troika" não exigiu mudanças na TSU" acrescentando que "se houver apenas austeridade a economia não vai sobreviver". Isto diz bem do incómodo da própria "troika" face a esta política do "custe o que custar", "troika" que tão ansiosa está por ter um caso de sucesso que lhe vai fugindo uma a um. E não bastam os apelos de Durão Barroso para que se continue a ter um amplo consenso social e político, porque esse, já terminou. O copo transbordou definitivamente. E embora o presidente da CE tenha enveredado pelo caminho do federalismo, - que saudamos -, ao anunciar ontem a criação duma união bancária que já devia ter sido criado à muito para fazer face à crise e defender o euro, não deixou de encitar os países e os governos a apostarem no crescimento económico. Mas como se pode ter crescimento económico com a austeridade que nos esmaga todos os dias. Aqui também a UE deve ir mais longe e indicar o rumo, sobretudo a governos perdidos nas suas elucobrações como o nosso. No entretanto, a paz social está a ser posta em causa em cada dia que passa, e não é neste frenesim de verdadeira emergência social, que o discernimento é melhor. O grito da revolta está aí, a atravessar o país de lés a lés, onde os ministros sempre que saem dos seus gabinetes são mal recebidos, mesmo em regiões que lhes são afetas. E urgente que este movimento social imparável que se está a criar seja canalisado pelas organizações políticas e sindicais para evitar que o caos se instale com consequências que poderão ser fatais inclusivé para o próprio regime democrático. O Presidente da República tem aqui um palavra importante a dizer. É fundamental que tome uma posição num momento tão difícil para Portugal.