Turma Formadores Certform 66

Thursday, March 31, 2011

"O Anjo Branco" - José Rodrigues dos Santos


José Rodrigues dos Santos, conhecido jornalista da RTP e também escritor, regressa com mais um livro que prepassa a memória da sua família. Depois de "A Vida num Sopro" que nos relatava a vivência no Portugal dos anos da ditadura, e a maneira como o seu avô tinha vivido esse tempo, volta agora com o "Anjo Branco", baseado nas memórias de seu pai e que encerra uma visão não só do Portugal da ditadura vivido no continente, bem como, o outro Portugal colonial nas suas vivências em Moçambique. A vida de José Branco mudou no dia em que entrou naquela aldeia perdida no coração de África e se deparou com o terrível segredo. O médico tinha ido viver na década de 1960 para Moçambique, onde, confrontado com inúmeros problemas sanitários, teve uma ideia revolucionária: criar o Serviço Médico Aéreo. No seu pequeno avião, José cruza diariamente um vasto território para levar ajuda aos recantos mais longínquos da província. O seu trabalho depressa atrai as atenções e o médico que chega do céu vestido de branco transforma-se numa lenda do mato. Chamam-lhe o Anjo Branco. Mas a guerra colonial rebenta e um dia, no decurso de mais uma missão sanitária, José cruza-se com aquele que se vai tornar o mais aterrador segredo de Portugal no Ultramar - o massacre de Wiriyamu. Inspirado em factos reais e desfilando uma galeria de personagens digna de uma grande produção, "O Anjo Branco" afirma-se como o mais pujante romance jamais publicado sobre a Guerra Colonial - e, acima de tudo, sobre os útimos anos da presença portuguesa em África. O autor, José Rodrigues dos Santos nasceu em 1964 em Moçambique. Abraçou o jornalismo em 1981, na Rádio Macau, tendo ainda trabalhado na BBC e sido colaborador permanente da CNN. Doutorado em Ciências da Comunicação, é agora professor da Universidade Nova de Lisboa e jornalista da RTP. Trata-se de um dos mais premiados jornalistas portugueses, galardoado com dois prémios do Clube Português de Imprensa e três da CNN, entre outros. Este é o seu oitavo romance, que vos recomendo vivamente, pelo que de interessante tem sobre um dos períodos mais conturbados da nossa História recente. A edição é da Gradiva.

Wednesday, March 30, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 84


A crise continua... Crise de valores, crise de ética, crise de seriedade. Depois da demissão do governo, a situação económica e financeira assistiu a um agravamento sem precedentes. Logo que se soube da resignação do PM, as agências de notação financeira baixaram o "rating" da República. Menos de uma semana depois, o "rating" sofre novo corte, aproximando-se daquilo a que os analistas chamam de "lixo". A razão é simples. "Crise política que torna incerto o futuro agravada pelo desconhecimento daquilo que as outras forças políticas irão apresentar", quem o diz é a Standard & Poor's. Não basta um processo de intenção, como tornou público o PR, de que "todas as forças políticas principais assumiram o compromisso de combater o déficit". Isso não chega e Cavaco Silva sabe-o bem. Mas, convenhamos, neste momento não pode fazer mais do que isso. Quando o pode fazer nada fez. A situação agravou-se rapidamente nestes últimos dias duma maneira assustadora. Depois do compromisso do PM - soube-se ontem - ter acordado com o BCE e com a UE que era Portugal que iria ser a barreira face aos especuladores, e que aqui iria terminar o contágio à Europa. A oposição - nomeadamente o PSD - deveriam ter entendido isto. Agora expõem o país a uma situação muito mais gravosa com a possibilidade - cada vez maior - de entrada de entidades estrangeira em Portugal. Isto não é um problema só de Portugal - daí a preocupação na cimeira europeia da semana passada - mas algo mais abrangente. É um problema para a Europa e para a zona euro. Já aqui tínhamos afirmado que o PEC 4 deveria ter sido aprovado, independentemente do governo continuar ou não, bem como, afirmamos que as medidas nele inscritas, apesar das críticas da oposição, não eram suficientes (E Passos Coelho veio-nos dar razão). Hoje, Passos Coelho num artigo de opinião publicado no World Street Journal afirma que "o PSD rejeitou o PEC porque ele não ia suficientemente longe"!!! Leram bem, é mesmo assim. O mesmo homem que achava que este PEC era demasiado gravoso, hoje diz que ele afinal, tinha que ser mais duro. Esta deriva, ora num sentido, ora noutro, não trás credibilidade à política portuguesa e, por extensão, aos mercados financeiros. No entretanto, os líderes partidários - nomeadamente o dos dois maiores partidos - enredam-se num triste espectáculo, do "ora acusas tu, ora acuso eu". Este emaranhado de equívocos arrasta-se à demasiado tempo num "espelho de posturas digno dum casal desavindo à beira de um divórcio" para utilizar a feliz expressão do filósofo João Gil. Mas o que não pode ser negado é que, a confusão no PSD é muita, já se tinha notado a quando do possível aumento do IVA proposto por Passos Coelho e prontamente desmentido. Ainda ontem, Carlos Moedas, conselheiro de Passos Coelho para os assuntos económicos, dizia que tal "só seria de ter em conta como situação extrema o que ainda não era o caso". Já antes o tinha dito Miguel Relvas. Depois veio mais uma proposta avulsa de privatizar parte da CGD, o que levantou um coro de protestos vindo dos homens da banca. Enfim, uma série de dados que nos fazem concluir que ninguém sabe bem para onde ir. Pelo sim pelo não, a reunião da comissão nacional do PSD de ontem à noite, aconselhou Passos Coelho que seja mais prudente. Este somatório de confusões e equívocos vêm consolidar a nossa posição, já antes referida, de que este não era o momento que o PSD e Passos Coelho queriam para abrir uma crise. Mas então porque se abriu? Talvez a ânsia de outros chegarem ao poder rapidamente tivesse determinado esta atitude, o que a ser verdade, só indicia que Passos Coelho não tem a liberdade e o poder que muitos pensavam que tinha. Várias figuras importantes do PSD, como José Júdice ou Marcelo Rebelo de Sousa, afirmaram que esta não era a altura para eleições, aliás, tinham já publicamente assumido que essa altura seria a discussão do OE para 2012, lá para meados de Outubro. Mas, repetimos, então o que levou a esta antecipação (precipitação) da crise? A sede pelo poder que atrás referimos, ou o medo de que o governo superasse a situação, o que tornaria a luta eleitoral mais difícil, ou ambas as coisas? No entretanto, Portugal vai-se depauperando, a vida dos portugueses está cada vez pior, e a possibilidade dum entendimento é cada vez mais estreita. E não é por falta de avisos de algumas figuras públicas prestigiadas, como foi o caso de Miguel Cadilhe, que referimos em nota anterior. Pensamos que neste momento de crispação e de crise profunda, todos nos devemos lembrar - especialmente os políticos - da célebre frase de Aristóteles "a política é a arte do possível" (In "A Política). Por isso, urge que todas as forças políticas - especialmente as que têm mais responsabilidades na governação - se unam para bem de Portugal. Não estamos aqui a fazer laudas ao governo, que todos sabemos das suas responsabilidades, mas não podemos ficar impávidos parante esta "guerrilha" que não indicia nada de bom para o nosso país que, entretanto, se vai degradando cada vez mais. Não somos dos que diabolizam o pedido de ajuda externa, mas pensamos que, deveríamos fazer tudo para a evitar. Porque se ela vier, as medidas serão, necessariamente, mais gravosas do que aquelas que estavam inscritas no PEC que conduziu à crise que todos estamos a sofrer. A ser assim, a vitória da oposição seria uma "vitória de pirro", a menos que, por trás, existam outros interesses inconfessáveis, para os quais já alertamos em escrito anterior. Esperemos, mais uma vez, que o bom-senso prevaleça, embora pensemos que - tal como outros portugueses - estamos a clamar no deserto.

Monday, March 28, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 83


A semana que findou, como a que agora começa, promentem ser muito activas e quentes, dignas duma pré-campanha eleitoral que, de facto, já começou. Campanha essa para a qual Portugal está a ser empurrado, depois do principal partido da oposição, coligado inclusivé com a extrema esquerda parlamentar(!) - estranha coligação - ter chumbado o PEC 4 que será inevitável num futuro governo, seja lá ele qual for. Por ironia do destino, até pode ser que o PSD tenha que vir a aplicar este PEC num futuro próximo, só que mais agravado, porque durantes estes dois próximos meses, a situação vai agravar-se porque os políticos estão mais interessados numa campanha eleitoral do que no interesse do país. E até já começaram as confusões dentro do PSD. Enquanto Passos Coelho admitia o aumento do IVA em dois pontos percentuais, bem como o aumento do imposto sobre os combustíveis, Miguel Relvas, por seu turno, afirmava que não haveriam aumento de impostos. Curiosamente, foi Passos Coelho que, em entrevista à SIC, se viu obrigado a recuar, o que mostra bem o espaço de manobra que ele tem dentro do seu próprio partido. Depois do "puchão de orelhas" em Bruxelas protagonizado pela sua correligionária política Angela Merkel, e do elogio desta a Sócrates - o mesmo se diga de Sarkozy - Passos Coelho não teve uma auspiciosa entrada nos areópagos europeus. Quase ignorado pelos seus pares, que não lhe perdoam o ter colocado a UE e a zona euro em causa devido a minudências políticas que em nada beneficiam a Europa, Portugal e, muito menos, os portugueses. Bem andou uma figura próxima do PSD e ex-ministro das finanças Miguel Cadilhe que pôs o dedo na ferida quando afirmou: "Uma ajuda externa não é uma ajuda é um resgate e o resgatado é Portugal". E concluiu: "Como diz o povo entendam-se, entendam-se, que diabo, entendam-se". Aqui fica o recado dum sénior da nossa política insigne professor de Economia e gestor público, figura grada do PSD a este "grupo de rapazolas" candidatos a "estadistas". Achamos que esta gente ainda não percebeu o que isto significa, a menos que, o FMI, com quem até estão interessados em governar (!), seja a entidade que, cabotinamente, permita ao PSD aplicar a sua agenda ultra-liberal, escudando-se atrás do FMI. Agenda oculta que, por incrível que pareça, ainda ninguém conhece, nem sabemos se o próprio PSD tem alguma ideia do que quer fazer. Para já, a única coisa que se vai ouvindo são medidas avulsas como a "privatização parcial da CGD" e pouco mais, desarticulado dum todo que faz com que ninguém perceba o que de facto vem por aí. Mas o certo, é que o famoso PEC4 que levou a esta crise terá que ser aplicado - o aviso já foi dado a Passos Coelho pela UE - com medidas que serão até mais gravosas dado o impasse em que Portugal se encontra e que continuará pelos próximos dois meses, até à realização de eleições. O receio do PSD de conquistar votos entrou na fase do vale tudo. Na sexta-feira passada, o PSD - mais uma vez com a estranha coligação parlamentar - votou o fim da avaliação dos professores. Medida irresponsável que, ironia das ironias, tinha contado com o apoio deste partido junto com o PS na sua aprovação e aplicação. Este golpe de rins é uma desavergonhada "caça ao voto" sem se preocupar com o bem-estar das escolas e da educação. Esta é uma medida que leva ao inevitável, a entrada dos sindicatos nas escolas e o controlo das mesmas por estes. É estranho que o actual modelo de avaliação que terminava em Dezembro próximo, viesse a ser interrompido agora. Nunca tal se faz a meio do ano lectivo. A única justificação é a "compra" de votos a qualquer preço, não importando o ensino para nada, porque a ambição política de "ir ao pote" é bem mais importante para esta gente. A situação foi de tal modo embaraçosa para o próprio PSD, que levou a inúmeras declarações de voto, desde logo, de Pacheco Pereira que afirmou: "O fim da avaliação dos professores é demagógico e populista, é entregar as escolas aos sindicatos". Por sua vez, Maria José Nogueira Pinto, deputada independente pelo PSD, viria a afirmar: "A suspensão da avaliação é algo que não deveria ter sido feito". Ontem, Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, mostrou também o seu desagrado não só por isto, mas também, pela não aprovação do PEC. Disse: "O PEC deveria ter sido aprovado, até porque se o PSD vier a ser poder vai ter que o aplicar". E vira ainda a afirmar que "o voto na AR foi contra Sócrates". Estranho sentido de responsabilidade, não se importando de mergulhar Portugal numa crise ainda maior do que aquela por que está a passar!!! Na entrevista que Passos Coelho deu à SIC, viu-se que existe um vazio de conteúdo, a única coisa que ficou, como disseram os comentadores políticos que fizeram a análise do debate, foi que tudo ficou adiado. "Em breve, teremos o projecto pronto para apresentar aos portugueses" disse Passos Coelho, o certo é que já o disse por várias vezes, e até agora, ainda não se viu nada. Como em tempos afirmamos, tivemos muitas esperanças em Passos Coelho, visto ser um líder jovem, que achavamos capaz de rupturas. Hoje pensamos que é mais do mesmo, talvez não por vontade própria, mas porque dentro do seu partido, há quem não o deixe sair de determinadas baias. E isso é preocupante. A sondagem ontem efectuada para a TVI/Inercampus, dá a vitória ao PSD, mas sem maioria absoluta, o que significa que, caso se venha a confirmar, é mais do mesmo. O que leva a que seja necessário haver entendimentos entre as diferentes forças políticas. (Passos Coelho até o admitiu mesmo que tivesse maioria absoluta!). Mas não é com afirmações como as que Miguel Macedo fez sexta-feira em Viseu que isso se conseguirá. Avisinham-se tempos difíceis para os portugueses, mesmo para aqueles que se queriam ver livres de Sócrates. Porque se calhar Sócrates não era o problema, o verdadeiro problema é aquilo por que vamos ter que passar, seja lá quem for o futuro primeiro-ministro. E não será só por dois ou três anos, desenganem-se os que assim pensam, será mais um trabalho duma geração, que terá que implicar novas formas de trabalhar, novas formas de pensar, novas formas de estar neste mundo globalizado.

Saturday, March 26, 2011

Mudança da hora 2011


Eis-nos chegados à chamada hora de verão. Assim, e de acordo com a legislação em vigor, em Portugal continental será adiantada de 60 minutos à 1 hora do tempo legal (1 hora UTC) do dia 27 de Março e atrasada de 60 minutos às 2 horas de tempo legal (1 hora UTC) do dia 30 de Outubro. Assim, as noites começarão a sentir-se mais curtas, o que será indício de que o Verão está a aproximar-se. Os dias maiores, a temperatura mais agradável. Não se esqueçam de acertar os vossos relógios.

Friday, March 25, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 82


A triste saga de Portugal lá vai continuando. Ontem a agência Fitch desceu em dois níveis o "rating" da República, estando à beira de ser considerado "lixo". O argumento para isto foi simples. "O que hoje está mal, amanhã estará pior" a isto chama-se a Lei de Murphy. O governo demissionário, apesar de tudo, parece que dava garantias que o futuro não posiciona no horizonte. Merkel já ontem o tinha afirmado (vidé a nossa crónica de ontem) duma maneira veemente: "Seja quem for governo em Portugal tem que seguir estas políticas". Passos Coelho lá foi também ao beija-mão de Merkel - que ele criticou a outros - para ouvir um "raspanente" e uma advertência, ou seguimos o que está definido para Portugal, ou nada de bom virá por aí. É bom que reflictamos sobre tudo isto. Depois deste "golpe palaciano", segundo as palavras da constituicionalista Isabel Moreira, parece que quem para ele contribuiu obteve uma vitória de "pirro". Talvez isto não afecte os partidos e as máquinas partidárias e seus dirigentes, mas afecta a maioria do povo português que, diariamente, luta para sobreviver. Mas isso não conta para os políticos, e quando eles são irresponsáveis, ainda conta menos. Santana Lopes já veio dizer que "não acha que o seu PPD/PSD tivesse andado bem em tudo isto" e até o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, ontem numa conferência, afirmou que "não achava bem que o PSD não tivesse aprovado o PEC". Nem sempre estamos de acordo com as afirmações de Marcelo Rebelo de Sousa, mas pensamos que ele tem razão, porque está a por acima dos interesses partidários o interesse nacional. O PEC era importante para a credibilidade de Portugal na UE, situação que hoje é, de veras, preocupante. Jean-Claude Junker, o presidente do Eurogrupo, já veio afirmar que aquilo que estava acordado com Portugal terá que ser cumprido, sabesse que isso foi dito a Passos Coelho, que se deve estar a sentir muito desconfortável no papel que está a desempenhar, por vontade própria ou por vontade de outros. As sondagens divulgadas pela SIC e pelo JN, sobre a justeza da crise política, são bem evidentes daquilo que os portugueses pensam. Podíamos não estar bem, mas seguramente, agora estámos bem pior e, ainda por cima, sem a perspectiva de que haja uma evolução positiva no futuro mais imediato. O PSD sabe que o país está a seguir com atenção o desenrolar da situação, e como pretende ganhar as eleições, e para isso, tem que ampliar a sua base de apoio, depois de ontem se ter falado de aumento de impostos, achou que deveria compensar esta situação para não perder eleitorado. Vai daí, recorreu à mais fácil arma de arremesso, que são os professores. Hoje vai ser discutido na AR uma proposta do PSD para acabar com a avaliação dos professores. Pode dar votos - e com certeza dará - mas os professores não podem esquecer que a sua avaliação foi uma proposta do governo apoiada pelo PS e pelo... PSD!!! A que se deve tanta bondade? Que interesses são esses que fazem rasgar acordos que antes subscreveram? (Embora isso seja habitual no PSD, veja-se o que se passou com o chamado "pacto para a justiça"). E é bom lembrar que a avaliação dos professores foi acordada com muitas das suas estruturas, excepto as que são afectas ao PCP. Estranha coligação de interesses. Será que julgam que os portugueses não estão a ver tudo isto? Será que pensam que somos assim tão estúpidos? E meus amigos a "procissão ainda vai no adro". Seria bom que lessem o recente livro de Passos Coelho - "Mudar" - para se começar a ver as diferenças, e este ainda não foi eleito PM. Só a título de rodapé gostavamos de dizer que muito se tem falado sobre um entendimento político de base alargada, e há até, quem tenha citado o nome dos partidos que gostavam que dela fizessem parte. Pois ontem na SIC Notícias assistimos a um frente-a-frente entre Francisco Assis e Aguiar-Branco. A maneira como este último se colocou no debate foi bem elucidativo daquilo que nos espera. Numa postura arrogante de quem é vencedor (de quê, perguntamos), Aguiar-Branco levou o debate para uma picardia de quem já se sentia PM. Para já, o PSD ainda tem que ganhar as eleições, depois o candidato a PM não é Aguiar-Branco, a menos que este esteja a preparar as habituais rasteiras que são frequentes dentro do PSD. Debates deste poderam contribuir para tudo, mas jamais para criar pontes de entendimento futuras, como bem disse Francisco Assis, que sempre teve, mesmo na AR, uma postura muito dialogante e aberta. Quanto a nós a nossa posição é clara e já por diversas vezes defendida neste espaço. Defendemos um governo acima dos partidos, um governo tecnocrático para endireitar o país, o que daria tempo para a refundação da democracia numa 3ª República limpa destes factores de perturbação. Sabemos que isso não colhe junto das forças políticas, não porque já não tenham pensado nisso, mas sobretudo, porque os afecta directamente. É o grito da auto-proclamada "classe política". Porque aos portugueses, o que mais importa é ver a sua vida melhorada, colocando-se á margem desta "guerra de rapazolas" (António Barreto dixit), que só nos vieram colocar numa situação ainda pior e, agora, e cada vez menos, sem esperança no futuro próximo.

Thursday, March 24, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 81


E aí está o dia seguinte. Ainda o PR não aceitou a demissão de Sócrates, e o PSD, na sua desenfreada cavalgada para "ir ao pote" já começou a preparar as medidas que antes até criticava ao governo socialista. Miguel Relvas, citado pelo "Económico", veio já deixar entreaberta a porta para o aumento do IVA, notícia dada esta manhã, através do "Correio da Manhã". Afinal a carga fiscal era excessiva, Sócrates não sabia o que fazia, "se o PSD chegasse ao poder - o que ainda não aconteceu - não haveria mais agavamento de impostos" (Miguel Frasquilho dixit), e então, menos de vinte e quatro horas após a queda do governo já preparam o país para um aumento do IVA até dois pontos percentuais? A maneira despodurada com que estes "senhores" tratam o país e os portugueses é deveras achincalhante. Será que os portugueses não percebem que estes que traíram ontem Portugal e se preparam para o vender ao estrangeiro, merecem alguma credibilidade. Como pode um país como o nosso, na situação em que se encontra, estar a braços com a quinta eleição(!) em menos de dois anos? A falta de vergonha já à muito que tomou posse da política portuguesa, mas que tenha chegado a tanto é que estavamos longe de acreditar. Mas enfim, são talvez os sinais dos tempos. Quando Sócrates era apontado por todos como o problema, eis que após a sua saída, os juros bateram novos máximos (neste momento os juros a cinco anos já atinge os 8,833%, quando a meta seriam os 7% para a um país como o nosso). A preocupação em Bruxelas é evidente, Portugal passou a ser um problema e, corre o risco de ter que sair da zona euro. A pressão da UE para Portugal recorrer à ajuda externa é evidente desde esta manhã, levando àquilo que, - faça-se justiça -, Sócrates conseguiu evitar. O elogio de Merkel não foi só um elogio de circunstância, e a maneira como Merkel discursou hoje de manhã, e a veemência com que o fez, dizendo que "não se importa se era um partido social-democrata ou democrata-cristão, o importante é que havia um PEC - que ontem foi rejeitado no Parlamento - que ajudava o país e dava confiança à UE, e que agora, com esta crise, põe em causa até alguns equilíbrios a nível de Bruxelas, desde logo, o fundo de estabilidade". A reversão da dívida por parte dos credores será mais uma dor de cabeça a curto prazo, porque agora, a crise é um facto e o futuro aparece incerto, porque não se sabe quem vai ganhar as eleições e se terá ou não, maioria para governar. Tudo isto a acontecer apenas algumas horas após a demissão de Sócrates. Sócrates que hoje recebeu um rasgado elogio do governo chinês, pelo seu empenho, caso único tanto quanto nos lembramos, dum governo chinês sobre o nosso país. Gostemos ou não, para o bem e para o mal, José Sócrates marcou a diferença. Veremos quem vem se será capaz de fazer melhor. Para já, aquilo que vimos e ouvimos não augura nada disso. Entretanto, o país está a caminhar alegremente para o caos, sem que ninguém pareça ter vontade de deitar a mão. Os portugueses têm que estar alerta sobre aquilo que por aí vem, porque se estavam a pensar que as coisas iam melhorar, talvez estejam enganados.

Wednesday, March 23, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 80


E a morte anunciada do governo concretizou-se, - embora o PR ainda não tenha aceite a demissão. Mera formalidade! - como já era esperada desde o "famoso" discurso do PR. (Apenas passaram cerca de duas semanas). Nunca pensamos assistir a uma irresponsabilidade destas na nossa democracia. Não que achemos que o governo esteva a trabalhar bem, - longe disso - ou pensemos que se não for este governo será o dilúvio. Não. O que achamos é que o interesse nacional deve, sempre, sobrepor-se ao mero interesse partidário. Sabemos da ânsia de alguns "irem ao pote", mas pensamos que Portugal vale muito mais do que isso. Nas vésperas duma reunião importante em Bruxelas, - importante para a Europa e para o euro -, Portugal vai aparecer numa posição enfraquecida com um governo demissionário - embora apareça em funções pela não aceitação imediata do PR - que não pode assumir nada, numa altura em que a Europa define um rumo para o futuro. Sabemos que o PM não andou bem em tudo isto, - seria de propósito? -, mas penso que para além disso o interesse nacional tem que se sobrepor. Mau será se assim não for. A irresponsabilidade da oposição - nesta estranha coligação - é por demais evidente. Se alguns defendem a posição do "quanto pior melhor", outros há que deveriam ter o sentido de responsabilidade mais apurado, - o que parece não terem -, aguardando que duma maneira "carneirista" os portugueses lá vão às urnas, para justificar a irresponsabilidade que eles próprios criaram. Nunca pensamos que as coisas chegassem a tanto. Apesar disso, não deixa de ser curioso que o PR se mantenha num silêncio absoluto, e só depois dos apelos de Mário Soares, Jorge Sampaio e do próprio Ramalho Eanes - figura próxima de Cavaco - é que ele e o seu chefe de campanha viessem dizer que "o PR tinha pouca margem de manobra"!!! Aliás, isso vem na linha do que Cavaco defendeu no seu discurso de posse, abrindo as portas para a chegada do "seu" PSD ao poder. É caso para dizer, - utilizando um célebre "slogan" político de outros tempos -, "quanto mais a luta aquece mais o PR desaparece". Afinal onde está a "magistratura activa"? Ou essa "magistratura" é criar condições para levar o seu partido para o poder? Assim, e como vimos defendendo à muitos tempo neste espaço, é necessário refundar esta democracia que está doente, talvez seja a altura ideal para limpar a vida política destes partidos gastos e sem credibilidade, caminhando para a 3ª República, mais humanista e solidária. Uma República onde os valores não sejam a mesquinhez serôdia que hoje enlameia a nossa democracia. No entretanto, Portugal tem que se voltar a financiar no exterior, esta instabilidade já disparou os juros para valores proibitivos - como aconteceu ontem atingindo os 8% no empréstimo a 5 anos (hoje já vão nos 8,2%) -, fruto da má imagem que Portugal está a dar para o exterior. Só para se ter uma ideia daquilo que está a acontecer,- e que a comunicação social não está a divulgar, vá-se lá saber porquê!!! -, a bolsa portuguesa ontem foi a segunda pior do mundo, só ultrapassada pela da... Mongólia! É verdade! (Hoje já está a perder mais de 2%). Por isso, achamos que está na hora de se tomarem medidas sérias face à situação do país, criadas por forças políticas que não tiveram pejo de trair Portugal e vendê-lo ao exterior, apenas por interesses próprios. (Basta ler o que os principais orgãos de comunicação social internacionais dizem sobre o que se está a passar em Portugal). Defendemos portanto, que seja criado um governo alargado de figuras técnicas, - um governo tecnocrático, se assim quiserem -, onde nenhum partido tivesse assento, apenas técnicos descomprometidos, para quem Portugal vale mais do que um voto numa urna ou um lugar na AR, para endireitar Portugal. Os sindicatos têm que ser mais controlados, - talvez alterando a legislação em vigor -, de modo a evitar o desgaste a que temos assistido neste últimos anos, em que alguns se tornaram em autênticos "lobbies" que muito afectaram as instituições, veja-se a título de exemplo o que tem acontecido com a justiça. Não podemos estar interessados em aceitar passivamente traidores e vendilhões que empurraram o país para o abismo, duma forma despudorada. Quanto aos eleitores, achamos que deveriam fazer um voto de protesto forte nas próximas eleições, votando em branco, para que estes "senhores" percebam que estamos todos fartos deles. Desses que não se importam de parar o país durante dois meses, a braços com uma crise financeira grave, somando uma crise política que levará Portugal a uma vereda donde muito dificilmente sairá. Esta é a inquietação que nos consome. A queda dum governo é normal em democracia, mas que tal aconteça em vésperas duma importante cimeira europeia, é que é mais questionável. O país está sem rumo, contudo, os que se apressam "a ir ao pote" não têm uma estratégia diferente. (Basta ver a sua moção de rejeição que apresentaram hoje na AR, verdadeiramente inócua, onde não constam quaisquer medidas). Por isso, é que nunca apresentaram alternativas, porque bem sabem que, chegados lá, terão que fazer o mesmo que este governo está a fazer. E não será só até 2013! Desenganem-se os que pensam assim, isto será um trabalho duma geração, e muitos anos passarão em que as dificuldades serão a palavra de ordem. A estratégia que tem que ser seguida - e que Bruxelas já muito bem indicou - não poderá ser alterada, caso contrário, Portugal não terá quem lhe empreste o dinheiro de que precisa, nem a banca conseguirá financiar-se. Infelizmente é assim, e quem disser o contrário, está simplesmente a vender ilusões. Muitas vezes os portugueses esquecem-se disso quando são chamados a votos, olham para os partidos como o seu clube de futebol preferido, mas seria bom que começassem a pensar de maneira diversa. Afinal é o seu futuro, o futuro de todos nós, que está em jogo.

Sunday, March 20, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 79


E a crise aí está! A maneira como as coisas se precipitaram em apenas alguns dias, é que é um mistério. Como dissemos na crónica anterior, ou as situação ia evoluir para uma crise, ou Sócrates tinha alguma na manga. E essa dúvida, quanto a nós, permanece. Não compreendemos o que se passou com a apresentação do PEC 4 - ou como diz o governo - apenas as suas linhas orientadoras. Como é do conhecimento geral, isto até nem é novidade. Em 2004, com o governo Durão Barroso, a maneira como ele foi apresentado em Bruxelas, foi em tudo idêntico, à maneira como este o foi, e a única coisa que aconteceu, foi este ter que o discutir na AR, - por iniciativa do PS que apresentou um projecto de resolução -, sem que para isso houvesse lugar a tanto burburinho. (Como é do conhecimento geral, todos os países da zona euro têm que apresentar um PEC anualmente, em meados de Abril de cada ano). Mas mais surpreendente ainda, é a maneira como Passos Coelho inverteu a sua ideia sobre a possibilidade de contribuir para uma crise política. À dias, Passos Coelho afirmou que estava disponível para discutir todos os ajustes necessários à política económica para os anos de 2012 e 2013. Agora, diz que nem sequer está disponível para analisar aquilo que foi proposto pelo governo. Inclusivé, dispôs duma moção de censura do BE, à apenas alguns dias, e absteve-se, quando podia ter votado contra e fazer cair o governo. Que se passou de facto em tudo isto? É sabido que as tensões dentro do PSD são constantes e até recorrentes, - embora nos outros partidos o mesmo se verifique, contudo, é no PSD que tal assume maior visibilidade -, o que leva a que Passos Coelho, parece que quis evitar uma crise interna no seu partido, e para isso, não se importou de criar uma crise no país. Aliás, utilizando as palavras do próprio, parece estar na altura de "ir ao pote". Como já por vezes aqui afirmamos, a mudança de governo ou de partido, em nada vai contribuir para a alteração da política. Com isso, damos um sinal de instabilidade para a Europa, não só para os mercados, mas também, começa a surgir a interrogação de que seremos ou não capazes de continuar na zona euro. A maneira como tudo isto surge, depois dos elogios em Bruxelas sobre os planos apresentados - até Durão Barroso não escapou a fazê-lo. Como será que a UE olhará, daqui para a frente, para nós. Esta irresponsabilidade vai custar muito caro ao país, não só os custos de elaborar novas eleições, mas aqueles outros que daí derivam, porque a alternativa às políticas seguidas não existem. E quem o disser, ou está a mentir, ou de economia sabe muito pouco. O discurso será diferente, as pessoas também, mas tudo o resto será igual. Com a agravante de que, esta instabilidade está a criar condições para a entrada de entidades externas que imporão condições ainda mais gravosas. É notável que pessoas importantes do PSD venham defendendo a entrada do FMI desde à muito. É caso para dizer, que ganham eles com isso, e que ganhamos nós? (Será que pretendem, como alguns dizem, aplicar o seu programa liberal a coberto do FMI?) A situação até chega a ser caricata. À dias na AR, num debate entre Teixeira dos Santos e o deputado do PSD, Miguel Frasquilho, o ministro levou a que o deputado afirmasse que quando forem governo não serão necessárias mais medidas. É incrível como este deputado - que até é professor de Economia -, pode fazer tal afirmação. É certo que depois de se ver encurralado, lá foi dizendo que não era bem assim. Estas são as confusões da nossa democracia, que poderão vir a criar uma forte instabilidade nos dias mais próximos. Como disse um notável social-democrata, "é preciso passar uma rasteira ao governo, para o fazer cair". Parece que foi isso que aconteceu. E quem se preocupa com o país que somos nós todos? Como afirmou Karl Marx: "O fim dos regimes normalmente assume a forma de comédia". Parece ser este o caso, embora se vislumbre, para além da comédia, a tragédia. Os confrontos entre o PS e o PSD em nada vão ajudar. Mas, como este circo em que a política se transformou, parece que há sempre algo mais a acontecer. Ontem uma vice-presidente do PSD, Paula Teixeira da Cruz, veio afirmar que Sócrates teria faltado à verdade sobre o ter apresentado este PEC primeiro em Bruxelas e só de pois em Portugal. Horas depois, Sócrates no Porto, mostrou o e-mail que envio a Durão Barroso, em que se provava que afinal a afirmação da "laranjinha" era falsa. Mas apesar disto, o gabinete de Durão Barroso, veio afirmar que Sócrates tinha dito a verdade e, afinal, quem mentiu foi a vice-presidente do PSD!!! (É interessante verificar como Bruxelas vai acompanhando o triste espectáculo que se está a dar dentro das nossas fronteiras!). Acresce ainda que, para os que não se lembram, Durão Barroso também pertence ao PSD!!! Desde à muito que a Comissão Europeia, na pessoa do seu presidente, bem como outras figuras destacadas da UE, têm feito sentir alguma admiração por Sócrates, (a maneira como ele tem lutado para evitar a entrada de entidades externas a isso não é alheia), por isso, eles têm algumas dificuldades em entender o que está a acontecer em Portugal. Dizia-nos um euro-deputado à dias que, em Bruxelas, muitos pensam que estamos todos loucos, em criar uma crise política desnecessária num momento tão difícil para o nosso país. Mas, a ânsia de poder por parte do PSD, parece que se sobrepõe a tudo o mais. E nos portugueses ninguém pensa, utilizando-os apenas como arma de arremesso político, quando dá jeito para justificar as suas posições. Mas algo de surpreendente aconteceu no congresso do CDS/PP que está a decorrer, neste fim-de-semana em Viseu. Algumas das figuras importantes deste partido, vieram a terreiro afirmar que, caso se avance para eleições, o melhor seria um governo de base alargada com CDS/PP, PSD e... PS! Até ouve quem defendesse que este partido deveria votar favoravelmente o PEC apresentado, como foi o caso de Nobre Guedes (!). (A ideia que se criou da forma como o PEC foi apresentado já não colhe, o formalismo por muitos defendido, não passa dum pretexto). Afinal, se o PS é o causador de tão difícil situação, porque o querem agora no governo? Porque se estão a criar condições para que isso seja equacionado? E o PR que tem a dizer de tudo isto? Ele que criou estas condições com o seu tristemente famoso discurso de posse, abrindo caminho para levar o seu partido - PSD - para o poder, como olha para esta situação? Ainda não lhe ouvimos nenhuma palavra sobre este tema. O homem dos "tabús" criou mais um, mas o seu silêncio cúmplice, pode ter uma leitura bem mais complexa. Pode levar a que os portugueses comecem a olhar para o actual PR, não como o PR de Portugal, mas como o PR de uma facção. E isso, seria ainda mais grave. Esta semana que começa, será decisiva para sabermos se estamos confrontados com outra crise - agora política - ou se, finalmente, o bom-senso vai prevalecer.

Friday, March 18, 2011

Conversas comigo mesmo - VIII


"As nossas obras são a nossa assinatura". Eis a frase bem conseguida que uma empresa de construção encontrou para se apresentar e recomendar. Também nós, nesta caminhada pela Quaresma devemos reflectir naquilo que dizemos e fazemos. Por vezes, dizemo-nos cristãos só porque frequentamos a missa dominical. Mas será que as nossas palavras e exemplo - as nossas obras - são guiados por esse princípio? Devemos examinar bem os alicerces da nossa vida, não aconteça dizermo-nos cristãos e andarmos a construir a vida sobre outros fundamentos que não o da rocha, como diz o evangelista. Na verdade, reduzimos, com frequência, a Fé a um âmbito que chamamos religioso - o mundo das devoções, dos ritos, do culto, do milagroso - e separado das tarefas e das responsabilidades da vida quotidiana. Tudo isso nada vale se não nos levar a uma vida mais interveniente e construtiva, do ponto de vista da justiça e da fraternidade entre as pessoas, as famílias e os povos, ou seja, de um mundo mais conforme com o Divino, em que dizemos acreditar. Mas os equívocos por vezes prevalecem, sobretudo, num tempo que nos chama a uma profunda revisão de vida, face aos graves equívocos ou tentações que sempre nos espreitam e assaltam. O primeiro desses equívocos é pensar que a um ser humano basta proporcionar-lhe alimento e novas tecnologias para que ele se desenvolva harmoniosamente e alcance uma realização feliz. Daí o evangelista nos dizer "nem só de pão vive o homem", pois se há coisas necessárias à vida, o mais importante da vida não são as coisas. É fundamental abrir a nossa mente àqueles valores morais e espirituais que, embora tão depreciados hoje, são a luz e o sal que dão sentido e sabor à nossa vida. O segundo equívoco é pensar que o lugar que não damos ao espíritual fica vazio. Bem pelo contrário, o que acontece é que os ídolos de turno vêm rapidamente preenchê-los. Ídolos de todos os nomes que nos podem prender e absorvem, que nos desgastam e desumanizam. O terceiro equívoco é pensar que a Fé é uma espécie de "seguro contra todos os riscos" e que nos dá direito de O utilizar de modo egoísta ou mágico. Entender assim a religião é destruí-la. A verdadeira Fé não nos conduz nem à passividade nem à alienação, mas a uma entrega confiante com vontade de servir e de colaborar. Nem sempre se pensa assim, por isso, - como já por mais de uma vez afirmei -, o Homem tem separado aquilo que Deus quis uno, mesmo dentro das religiões instituídas, onde a palavra tolerância tem sido, ao longo dos tempos, uma palavra vã. Só nos lembramos de tudo isto, quando somos confrontados com grandes privações ou desastres, como aquele que ocorreu a semana passada no Japão. Um português que lá estava e que foi entrevistado para uma cadeia de televisão dizia que pensava que ia morrer e que só depois disso é que "começa a dar sentido à vida e a reflectir sobre ela". É pena que só em situações extremas pensemos nisso, embora a experiência nos diga que, após ter-mos superado as situações, rapidamente nos esquecemos e voltamos àquilo que éramos. Como dizia Oscar Wilde "quando Deus criou o Homem, sobrestimou a sua capacidade".

Monday, March 14, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 78


Depois da discussão duma moção de censura - sem sentido - apresentada pelo BE, (a sétima que Sócrates já enfrentou!), na passada sexta-feira, veio a "bomba" apresentada em Bruxelas, de mais austeridade para 2012 e 2013. Embora, como nesta espaço já referimos, acha-se-mos que as medidas apesentadas eram insuficientes, pensamos que, cada vez existe menos espaço para o apertar do cinto, o que está a servir de caldeirão a uma verdadeira explosão social, sem precedentes entre nós, de que a auto-proclama "geração à rasca" é apenas o prenúncio. "Geração à rasca" que, no passado sábado, conseguiu uma grande manifestação bem mais participada do que os próprios organizadores esperavam. Duas questões se colocam de imediato. A primeira é saber se esta demonstração de intervenção cívica vai conseguir manter-se apartidária, sem se deixar manipular por esta ou aquela força. (Não deixou de ser curioso, ver-mos alguns políticos - mesmo das respectivas juventudes -, a tentarem capitalizar a situação, embora camuflados pela afirmação de que "estou aqui a título pessoal"). Todos nós sabemos o que isso significa... Esta participação veio na sequência do apelo do PR recentemente empossado, embora talvez não lhe tenha agradado o facto de, alguns cartazes e palavras de ordem, afirmarem que PS e PSD não eram parte da solução, mas sim, ambos parte do problema (Até Cavaco terá pensado que afinal também "choveu no seu quintal", situação que talvez não tenha equacionado bem, "quando incitou à rebelião, num discurso infeliz", como afirmou o insigne constitucionalista Prof. Jorge Miranda). Como já aqui dissemos por várias vezes, a diferença entre PS e PSD é apenas de pessoas e discursos, mas não de "praxis" política. (Mais uma vez sugerimos que leiam os programas dos dois partidos e vejam as diferenças). Mas independentemente de tudo isto, é importante salientar que hoje a política dos países europeus, nomeadamente dos países periféricos, é decidida em Bruxelas e não no território nacional. O anúncio na semana passada de mais um PEC - o quatro da série - é bem evidente do que aqui referimos. Veio-se a saber que até tinha contado com a participação de técnicos da UE e do BCE, a quando da sua visita a Portugal. Assim, o estar o PS ou o PSD no poder será indiferente, porque qualquer um deles terá que seguir, inevitavelmente, as directrizes da UE. Quando Passos Coelho diz que não vai apoiar mais nenhuma medida, até dá vontade de rir. Porque pode não apoiar explicitamente, mas deixá-las passar através do mecanismo da abstenção. Estes sofismas políticos são sobejamente conhecidos por cá, para voltarmos a cair no mesmo. A segunda questão, ainda sobre a manifestação, - e esta mais preocupante - é pensar que a solução é lutar contra as instituições. Isso é perigoso e pode levar a aproveitamentos de outra índole. Para quem comemorou o centenário da República o ano passado, já se deveria ter apreendido com o erros, que no fundo são os mesmos, como já enunciamos neste espaço. A democracia não se faz sem partidos, o que nos parece é que podemos não estar satisfeitos com estes, mas dizer que eles não são necessários - como ouvimos na manifestação - é perigoso e redutor. Estes são apelos que já escutamos noutros espaços e noutros tempos. Embora os mais jovens não tenham a percepção disso, porque para eles apenas a democracia existe, - porque só esta conheceram -, e outras formas de exercer o poder apenas as vêem pela televisão; os mais velhos, contudo, têm a obrigação de os alertar para o perigo que representam determinado tipo de afirmações, que abrem caminho a outras formas de fazer política, que sabemos sempre como começam mas nunca como e quando acabam. Direito à manifestação sim, mas sem perder de vista o perigo de certos aproveitamentos que não são claros. À dias vimos os "Homens da Luta" numa entrevista na televisão, e ficamos preocupados quando o seu líder falava do economista liberal Stuart Mill, dizendo que ele defendia o "direito às pessoas serem felizes". É verdade que ele escreveu isso, mas escreveu muito mais que o Jel (nome artístico do líder do grupo), com certeza não teve tempo de ler, ou de entender. Não deixa de ser estranho que um homem que se identifica com luta popular, mas também, com o movimento liberal, afirmando-se "libertário" - seja lá isso o que for -, e de seguida defenda que o povo não precisa de partidos para governar!!! É uma confusão ideológica que nos preocupa, porque ou os "Homens da Luta" não sabem do que falam ou - mais grave do que isso - defendem outros formas de governo que não querem confessar. É certo que, os jovens facilmente embarcam nesta retórica, porque é "fixe", porque é "cool", porque está na moda contestar. Mas é preciso que alguém os alerte para o que tudo isto pode conduzir. Já agora, vimos o tal Jel a defender a música - que ele chama de contestatária - (até José Afonso se remexeu na sepultura!), comparando-se com outros revolucionários que fizeram música, como Verdi, como Beethoven, como o poeta José Carlos Ary dos Santos, como José Afonso!!! Este jovem, - não tão jovem assim, já tem 34 anitos! -, não deve ter a percepção daquilo que fala, ou a quem se está a comparar. Isto também é um sinal dos tempos, e um alerta que se deve deixar no ar. Contudo, a manifestação é de levar em conta, e pensar que as pessoas começam a estar esmagadas pelas restrições que lhe estão a ser impostas, o que pode vir a criar situações propícias a outras saídas políticas e movimentos que já achavamos banidos da nossa terra e da nossa História. Vamos estando atentos aos sinais, porque as coisas não ficarão por aqui seguramente. Ainda voltando à atitude do governo com a apresentação surpresa dum novo PEC, não deixa de ser sintomático que este não tenha sido apresentado ao PR - assim vão as relações entre ambos - nem na AR - de quem o governo depende - mas sim, duma forma abrupta e desconexa que só veio agravar o ambiente político que já existia. Não deixou de ser curioso que Marcelo Rebelo de Sousa, na sua habitual crónica de domindo na TVI, afirmasse que "Sócrates acabou de abrir uma crise política sem o querer, criando assim, condições para haver eleições". (Já o presidente da JSD o tinha afirmado, que coincidência!!!) À primeira vista assim parece, embora achemos estranho que a experiência de Sócrates o levasse a cometer tal erro (infantil). Será que o discurso do PR foi uma armadilha a Sócrates e este não se apercebeu, ou será que Sócrates tem alguma na manga que ainda ninguém vislimbrou? A abrir-se uma crise política, esta será mais uma dificuldade a juntar a tantas outras por que o país passa. Não achamos que isso vá resolver qualquer problema, poderá até vir a ampliá-lo, embora achemos que a ânsia do CDS/PP e do PSD de "chegar ao pote" rapidamente, pode tolher os raciocínios, levando a que neles o interesse nacional já não tenha lá lugar. Reafirmamos aqui, um pensamento que vimos defendendo desde já algum tempo, a saber, que a solução não está nos actuais partidos do chamado arco governamental, e que vai sendo tempo de se pensar na refundação da nossa democracia, bem como, dos partidos, antes que seja demasiado tarde, e nos vejamos confrontados com convulsões sociais e políticas, que podem ser incontroláveis. Está no tempo de se criar a 3ª República, para bem do regime. No entretanto, à que aguardar o desenrolar da situação para ver-mos com mais clareza o que se vai passar.

Friday, March 11, 2011

"O Aleph" - O novo de Paulo Coelho


"O Aleph" assinala o regresso de Paulo Coelho às suas origens literárias. Num relato pessoal franco e surpreendente, revela como uma grave crise de fé o levou a procurar um caminho de renovação espiritual. Com o fim de recuperar o empenho, a paixão e voltar a entusiasmar-se pela vida, o autor resolve começar tudo de novo: viajar, viver novas experiências, relacionar-se com as pessoas e o mundo. Assim, guiado por sinais, visita três continentes - Europa, África e Ásia -, lançando-se numa jornada através do tempo e do espaço, do passado e do presente, em busca de si mesmo. Ao longo da viagem, Paulo vai, pouco a pouco, saindo do seu isolamento, despindo-se do ego e do orgulho e abrindo-se à amizade, ao amor, à fé e ao perdão, sem medo de enfrentar os desafios inerentes à vida. Da mesma maneira que o pastor Santiago em "O Alquimista", o autor descobre que é preciso percorrer grandes distâncias para conseguir compreender aquilo que nos é mais próximo. A peregrinação faz com que se sinta vivo novamente, capaz de ver o mundo com os olhos de uma criança e de encontrar Deus nos pequenos gestos do dia-a-dia. Quanto ao autor, este é sobejamente conhecido. Paulo Coelho é um dos autores mais lidos e respeitados em todo o mundo. A sua obra está publicada em mais de 160 países e traduzida em 73 idiomas. Como atrás disse, Paulo Coelho é autor do clássico dos nossos tempos, "O Alquimista", considerado o livro brasileiro mais vendido de sempre. Nascido no Rio de Janeiro, em 1947, foi encenador e dramaturgo, jornalista e compositor, antes de se dedicar à literatura. Ocupa a cadeira número 21 da prestigiada Academia Brasileira de Letras, é embaixador Europeu do Diálogo Intercultural e Mensageiro da Paz das Nações Unidas. Em conjunto com a mulher, a artista plástica Christina Oiticica, fundou o Instituto Paulo Coelho, que oferece apoio e oportunidades aos membros mais desfavorecidos da sociedade brasileira, especialmente a crianças e a idosos. A obra de Paulo Coelho conta já com mais de 130 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. Resta acrescentar que a edição é, como sempre, da Pergaminho. Um livro que recomendo vivamente. A título de "post-scriptum" gostava de vos dizer o que é o Aleph. Pois é a primeira letra do alfabeto árabe, que curiosamente também o é, no alfabeto hebraico, correspondendo ao alfa grego ou ao a romano. Em chinês toma o nome de Ki, - e já agora, não deixem de ouvir o CD com o mesmo nome, interpretado pelo teclista japonês Kitaro -, onde o equilíbrio e a harmonia estão sempre presentes. O termo Aleph tem o simbolismo do começo de algo. Está muito próximo do I Ching, o livro de princípios filosóficos que suportam o aikido, uma das artes marciais mais famosas no Oriente.

Thursday, March 10, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 77


Ontem, tomou posse o Prof. Cavaco Silva, para um segundo mandato para PR. Assistimos a algo impensável na história da nossa democracia. Cavaco profere um discurso inapropirado, sectário e divisionista. Inapropriado, porque numa tomada de posse deve-se procurar consensos e não divisões, afinal ele foi eleito pelos votos de portugueses das mais variadas opiniões políticas, mesmo de gente afecta ao governo. Sectário, porque virado para a direita, não abrangendo o país como se esperava, essencialmente alinhado pelo seu partido. Divisionista, porque dividiu o país em dois, - e mesmo na AR, bastou ver que só o PSD e o CDS/PP aplaudiram o discurso -, porque nele viram a instabilidade que se avizinha, o que quer dizer, a possibilidade de chegarem ao governo mais cedo do que esperavam. Contudo, não deixa de ser estranho este discurso nesta altura. Cavaco até tem alguma razão sobre algumas questões mas porque não disse nada à mais tempo? Afinal este discurso tinha lugar à dois, três, quatro anos atrás, mas não foi feito porque havia a possibilidade de afectar os votos que por aí vinham. Cavaco afinal, com o seu silêncio de então, - os "tabús", como lhe chama -, acabou por ser conivente com tudo o que se está a passar, mas o oportunismo que é apanágio dos políticos - também de Cavaco, embora este o negue - fez com que só agora resolvesse falar mais claramente. Cavaco mostra que não esqueceu o que se passou na campanha eleitoral, bem como, algumas questões em que teve de ceder face ao governo. O lado vingativo de Cavaco - sobejamente conhecido - veio ao de cima duma forma, no mínimo, deselegante. Ouvimos falar, no anterior mandato, em "cooperação estratégica", - seja lá o que isso for -, coisa que nunca se soube bem o que era, talvez só tenha existido na cabeça do PR; agora ouvimos falar em "magistratura activa", o que quer dizer que Cavaco tudo fará para derrubar o governo - embora não o assuma - para colocar o seu partido no poder. Daí o entusiasmo com que o PSD aplaudiu o PR. Não se auguram tempo bons para a nossa democracia, não bastavam as dificuldades económicas e financeiras porque estamos a passar, para nos virmos confrontados com uma instabilidade política que em nada vai ajudar este país. Afinal já o tínhamos previsto aqui, a quando da campanha eleitoral. A profecia parece que se cumpriu. Veremos até quando... Mas o mais curioso é que não ouvimos nenhuma solução para os problemas que nos afligem. Depois duma tentativa de aula de economia e finanças, ficou por indicar as terapias a seguir, só por isso, soube a pouco. No final da cerimónia muitos falaram, e bem, sobre o diagnóstico feito, mas o que faltou foi dizer que medicação deveria ser prescrita a este doente chamado Portugal. Criticar é fácil, e Cavaco sabe-o bem, até porque foi PM durante dez anos, mas arranjar e implementar soluções é mais difícil. Não nos pareceu que Portugal tenha beneficiado alguma coisa com esta intervenção, sobretudo num momento em que precisa do apoio externo. Esta clivagem assumida publicamente pelo PR face ao governo em nada vem ajudar a já de si difícil situação do país. Há coisas que, em política, não podem ser ditas publicamente, e Cavaco sabe-o bem. Daí o discurso que fez ter o sabor de criar condições de ingovernabilidade e preparar o terreno para que o seu próprio partido chegue ao poder. Foi claro que, alguns dos dirigentes do PSD e do CDS/PP assim o interpretaram, e com certeza o país não deixou de tirar as suas ilações. Veremos como as coisas vão evoluir daqui para a frente, mas a estabilidade prometida por Cavaco, parece que só existe nas palavras, o que não deixa de ser uma deslealdade para quem o elegeu no pressuposto de buscar essa estabilidade política em momento tão difícil. Veremos se esta entrada de "leão" não prefigurará um PR "à rasca"!!! Estejamos atentos aos sinais. À noite numa entrevista, o Prof. Adriano Moreira, - um verdadeiro Senador da nossa República, e personalidade acima de quaisquer suspeitas -, dizia sabiamente: "Depois de ter ouvido este discurso, cheguei à conclusão que a campanha eleitoral ainda não acabou, o que é mau para Portugal". Mas o mais curioso, é que hoje os principais jornais "on-line", abriam com destaque para as mais variadas notícias, remetendo o discurso de Cavaco para um segundo plano. Até o especializado jornal "Económico" abria com as principais fortunas portuguesas, e o discurso do PR aparecia numa terceira linha, quase em rodapé. Será que isto quer dizer alguma coisa?

"Pedro e o Lobo" - Um disco educativo


Foi recentemente editado um CD de muita qualidade e pedagogicamente importante, sobretudo para os mais novos. Com o título de "Pedro e o Lobo" a criação para crianças de Sergei Prokofiev, conta com a execução da orquestra da Gulbenkian superiormente dirigida pela maestrina Joana Carneiro. Conta ainda com a participação dos pianistas António e Eurico Rosado. A voz é da Catarina Furtado, figura muito conhecida dos ecrãs de televisão. Existem muitas versões desta obra, comentadas pelos mais variados e mediáticos artistas. Com expressão em português, só conhecemos a que foi gravada com a voz de Roberto Carlos (de difícil obtenção) e, uma mais recente, com a voz de Eunice Muñoz. Desde logo, o ter uma expressão em português, cumpre um dos objectivos fundamentais, que é o de se dirigir ao público mais jovens numa linguagem acessível e compreensível para todos. Contudo, este disco não fica por aqui. Tem ainda uma das peças mais emblemáticas de Camille Saint-Saenz, o famoso "Carnaval do Animais" e termina com uma peça muito interessante, mas menos conhecida de Benjamin Britten, chamada o "Guia de Orquestra para Jovens" - variação sobre um tema de Henry Purcell. Peça muito interessante, que nos leva a percorrer toda a orquestra, a ouvir os instrumentos e naipes de "per si" até ao climax final de toda a orquestra. Aqui, mais uma vez, a voz de Catarina Furtado nos conduz no caminho por entre os músicos da orquestra. É um disco fundamental e muito didáctico para os mais jovens, para lhes criar o gosto pela música (clássica) sem tabús de nenhuma espécie. Se por vezes temos dificuldade em escolher um presente para uma criança, optando muitas das vezes por lhe dar algo de inútil, que em nada lhes serve para a sua formação, aqui fica a sugestão dum presente, interessante e didáctico, que com certeza irá alegrar a criançada e criar-lhes um gosto por música de qualidade. Por vezes, a ideia que temos de que a música (clássica) é algo de difícil só acessível aos mais eruditos, não passa de um mito. Temos sempre dificuldade em entender aquilo que não conhecemos, mas depois de descodificado, tudo se torna mais fácil. Por isso, este também é um disco para os mais velhos, que perfilham esta ideia de hermetismo, que os leva a optar por outras formas de música, mais imediatas e, por vezes, de qualidade mais do que duvidosa. Resta acrescentar que a edição é da Sony Music. Um disco que recomendo, quer pela qualidade de gravação, quer pela qualidade interpretativa.

Wednesday, March 09, 2011

Conversas comigo mesmo - VII


Depois das folias do Carnaval, chegamos ao período da Quaresma - com esta quarta-feira de cinzas - que nos há-de conduzir à festa, a maior da litúrgia cristã, que é a Páscoa. Assim, iniciamos um período de reflexão e introspecção tão necessários nos nossos dias. Temos a capacidade e a responsabilidade de traçar, dia a dia, rumos diversos para os nossos passos e para a nossa vida. Rumos e passos que nos aproximam dessa entidade a que chamamos Deus; rumos e passos que nos aproximam ou nos afastam uns dos outros; rumos e passos que nos encaminham para a vida ou para a morte. Viver é escolher... e das escolhas que fazemos depende o valor e o destino da nossa vida. Ela é fonte da sabedoria que importa acolher, aprofundar, interiorizar e viver. Por isso, esse Mestre que foi Jesus - o Homem só de que aqui já falamos -, nos diz mais uma vez que não veio revogá-la mas sim ajudar-nos a compreendê-la profundamente e a vivê-la a partir do nosso íntimo. Mas diz-nos também, claramente, que é preciso não confundir "lei" com legalismo, nem "culto" com ritualismo para não cairmos na falsa "justiça" dos escribas e dos fariseus. É que eles pensavam que Deus se contenta com os nossos ritos e com a nossa fidelidade exterior e que se pode, por isso, separar a fé da vida, e a liturgia do esforço por um mundo mais justo e reconciliado. E não pode... Não basta dizer que somos cristãos. O ser cristão também implica responsabilidades, que por vezes esquecemos. Temos que ter um olhar fraternal com que nos aproximamos de cada ser humano, - e porque não dos animais tão sofredores neste mundo (veja-se o exemplo de S. Francisco de Assis) -, independentemente da sua cor, da sua idade, da sua condição, do seu credo político ou religioso; é o acolhimento solidário que sabe dispensar a todos os que o encontram ou procuram, sem descriminações de qualquer espécie; é, sobretudo, a capacidade de ultrapassar ofensas e ressentimentos e surpreender o que espera a vingança, castigo ou desdém, com uma atitude de compreensão, de confiança e de paz. Sim, a tentação é sempre reduzir o cristianismo a um assunto de administração ordinária, esquecendo que ele é, fundamentalmente, uma vida iluminada por um novo olhar, animada por um novo espírito. Num mundo materialista como este em que vivemos, o dinheiro assume um papel primordial nas nossas vidas. O dinheiro, como diz o dicionário, é um meio de troca convencional, uma porta de acesso a bens necessários, úteis ou agradáveis. Por isso, numa sociedade como a nossa, ele torna-se verdadeiramente indispensável e apetecível, dada a crescente variedade e qualidade da oferta. Mas o dinheiro pode ser o bom "servo" mas também o mau "senhor". Fundamentalmente, porque a relação que podemos estabelecer com ele e uns com os outros por causa dele, tem a ver também com o uso que dele fazemos e com o modo como o buscamos e adquirimos. É aí que está ou pode estar a sua "bondade" ou "maldade". Na verdade, o dinheiro pode adquirir-se com trabalho honesto ou negócios sujos, pode comprar o remédio que salva ou o veneno que mata, pode fomentar sociedades mais justas, mais equilibradas e solidárias ou sociedades opressoras, egoístas com desigualdades escandalosas. O dinheiro serve, essencialmente, para servir mas não para ser servido, porque servir o dinheiro é fazer dele o valor absoluto e determinante, ao qual tudo o mais se sacrifica ou pode sacrificar. Numa sociedade tão materialista como aquela em que vivemos, à que reflectir, sobre se somos escravos do dinheiro, ou se o usamos para buscar a plenitude da nossa vida. Nesta Quaresma, que agora se inicia, reflictamos sobre tudo isto, para não seguirmos caminhos que nos conduzem ao vazio, em vez da plenitude almejada.

Monday, March 07, 2011

No Carnaval ninguém leva a mal


Aqui estamos no Carnaval. Tempo de folia e diversão, embora as coisas não estejam tão animadas assim. Contudo, por alguns dias, pensemos que a crise não existe, que somos os senhores do mundo, que somos os políticos que iríamos resolver os problemas do país, enfim, enganando-nos por alguns dias, que a realidade irá desmentir na quarta-feira, quando a diversão tiver acabado. Mas por momentos, pensemos que tudo se resolveu e que somos felizes. Por vezes, necessitamos destes momentos para carregar as baterias tão mal tratadas no dia-a-dia. Do sensual e erótico Carnaval do Rio, ao místico Carnaval de Veneza, ao excêntrico Carnaval de New Orleans, não falta por onde escolher. Mas provavelmente, será os que se fazem por cá que terão mais atenção, até porque os tempos vão difíceis, e os dinheiros não chegam sequer para o básico. Baptizados com a chuva que os especialistas anunciam. A todos os bom Carnaval. Divirtam-se!!!

Saturday, March 05, 2011

Equivocos da democracia portuguesa -76


Os factos mais recambolescos continuam a assolar a nossa democracia, mesmo vindo de sectores não políticos da sociedade. À quinze dias tivemos um destes casos, protagonizado pelo Prof. Medina Carreira na SIC Notícias. Este ex-ministro das finanças, veio-se tornando numa figura quezilenta, até um pouco grosseira, que o seu saber e o seu "curriculum" não faziam antever. Mas esta pseudo-frontalidade (leia-se, má educação) era objecto de gaúdio do jornalista Mário Crespo - figura destacada da SIC Notícias - quanto mais não fosse, porque Medina Carreira alarvava os mais palavrosos comentários sobre o actual governo. (Longe vão os tempo em que pensava de maneira diferente, quando foi ministro das finanças dum governo... socialista (!), então liderado por Mário Soares - I governo constitucional - 1976/1978). Mas enfim, as pessoas mudam, e mudam sobretudo quando não vêm satisfeitas as suas ambições, que ainda acalentavam, de voltar ao poder. O certo é que Medina Carreira era figura muito convidada do Jornal da Noite e do jornalista Mário Crespo, ao ponto de este criar um programa, de seu nome "Plano Inclinado", onde Medina Carreira tinha lugar cativo. Mas não há bela sem senão, e à dias este - sempre quezilento e achando-se detentor da verdade -, se envolveu numa acesa discussão com o próprio jornalista Mário Crespo (Isto a acreditar naquilo que se diz no "bàs-fond"). Final da história, o assunto foi tão grave que, Medina Carreira achou que não devia continuar no programa e este, foi simplesmente cancelado pela direcção da estação, sob a capa de uma reestruturação do dito programa. Como se vê, as coisas entre nós estão difíceis e vem-se gerando uma histeria colectiva que se começa a instalar perigosamente na nossa sociedade. Pensamos que faltam movimentos de cidadania, a mesma que foi encabeçada por Fernando Nobre nas últimas eleições presidenciais, que é normal nas democracias evoluídas como por exemplo nos países nórdicos e que por cá ainda não fez o seu caminho. Parece que, no subconsciente colectivo, ainda existem reminiscências dos tempos da ditadura que faz com que ainda tenhamos algum receio de mostrar as nossas ideias em público. Mas as dificuldades parece não pararem por aqui. Ao nível político, agora é o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, que já veio dizer que na próxima reunião do banco é provável que as taxas de juro voltam a subir. Isso significa que vão subir mesmo (fala-se em um quarto de ponto percentual). E as dificuldades vão-se agravar para os particulares, sobretudo aqueles que têm crédito, nomeadamente à habitação, (subirá em média 48 euros, segundo aquilo que se conhece, para já, das intenções do BCE); e, para o país, que perde o guarda-chuva de que até agora disfrutou. O efeito da reunião de Sócrates com Merkel, acabou assim, por ser anulado com este anúncio de Trichet. Mas este tem como missão contrariar as tendências inflaccionistas dentro da zona euro, e no limite, defender o próprio euro. E as tendências inflaccionistas estão a aparecer de novo, - Portugal não é excepção -, e quanto ao euro, todos sabemos os ataques que têm surgido nos últimos tempo e que têm sido veículados pelos especuladores sobre os países periféricos, como está a acontecer com Portugal. Não são boas notícias para nós. Como disse Jorge Sampaio, numa conferência que se realizou na quinta-feira passada, sobre o tema "Portugal e a UE": "Portugal está em apuros". Coisa que já todos nós tinhamos percebido. Nessa conferência estava também Rui Rio que afirmou que "não basta mudar de governo ou de partido, é necessário mudar de política". Afirmação inteligente que já vimos defendendo neste espaço à já algum tempo. (Embora, diga-se em abono da verdade que, o PSD não tem projecto para enfrentar as dificuldades por que hoje passamos). Se alguma coisa esta crise veio por a nú, foi a noção de que, a nível nacional, a baixa produtividade é o nosso "calcanhar de Aquiles", o que leva à desconfiança dos mercados sobre Portugal, sobretudo, a sua incapacidade para crescer fruto, essencialmente, da falta de produtividade crónica no nosso país. Já agora, convém pensar nos resultados da última sondagem conhecida, que dá um empate técnico entre esquerda e direita. Isto vem de certo modo ainda ampliar o problema.

Friday, March 04, 2011

"Justiça Fiscal" - J. L. Saldanha Sanches


Trago-vos um livro de plena actualidade nos dias que correm, difíceis para todos nós, onde muitas vezes, olhamos para os impostos como o mal maior, factor de distorção social, dos mais pobres - que não lhe podem fugir - face aos mais ricos - que encontram sempre maneira de os tornear. É uma visão muito interessante, que resume o pensamento do Prof. Saldanha Sanches dos últimos trinta anos. O Estado contemporâneo alimenta-se de impostos pagos pelas empresas e pelos cidadãos. Neste ensaio sobre justiça fiscal pretende-se reflectir sobre o eterno problema da repartição da carga tributária entre os contribuintes: tributar mais o rendimento ou mais o consumo? Conceder benefícios fiscais? A quem? A questão da justiça fiscal é também o problema da despesa pública descontrolada e do efeito no aumento dos impostos gerados por fenómenos como a corrupção e a fraude fiscal, que crescem com apoio em leis complexas, tribunais formalistas e sigilo bancário encobridor. Este livro pode ser complementado por imensa bibliografia que existe disponível no mercado (embora nem sempre em versão portuguesa) que pode ajudar a uma visão mais detalhada destes temas. Desde a "Constituição dos Atenienses" de Aristóteles, passando pela Revolução Francesa com Alexis de Tocqueville no seu livro "L'Ancient Régime et la Révolution" (1856), até obras mais recentes, como "Crisis of the Tax State" de Schumpeter (1918), sobejamente conhecido de qualquer estudante de economia, até à "Introdução da Economia" de Fernando Araújo (2005), não faltam obras no mercado para enriquecermos os nossos conhecimentos sobre este tema. Obra concluída, poucos dias antes do seu falecimento, é vendido com uma separata, onde consta a biografia do Prof. Saldanha Sanches, bem como alguns comentários de quem o conheceu de perto, desde logo, a sua esposa, a Dra. Maria José Morgado. Também trás um apêndice sobre toda a obra publicada pelo autor ao longo da sua vida. J. L. Saldanha Sanches nasceu em Lisboa em 1944. Estudou no Colégio Valsassina, no Liceu Camões, no Colégio Moderno e na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Licenciou-se em 1980. Obteve o grau de mestre em 1986. Doutorou-se em 1996. Esteve seis anos preso por razões políticas até 1972. Foi docente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e da Faculdade de Direito, Escola de Lisboa, da Universidade Católica Portuguesa. Foi colaborador frequente na imprensa escrita e na televisão. Escreveu vários livros e manuais de Direito. A edição é da Relógio D'Água Editores enquadrada nos Ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Um livro que recomendo vivamente.

Thursday, March 03, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 75


Apesar das muitas diferenças, os dois grandes partidos têm muito em comum, daí - como já por várias vezes afirmamos -, a substituição dum por outro, será uma mera mudança de rostos e não de políticas, como o passado já nos mostrou. Mas se ainda houvessem dúvidas, a aliança quanto ao vencimento dos gestores públicos entre PS e PSD, que inviabilizaram a moção apresentada na semana passada na AR pelos outros partidos. Depois, à que safar a face, e vir a terreiro afirmar que pretendem fazer alterações a esse nível, mas não da forma que a moção rejeitada prefigurava. Tudo isto não passa, mais uma vez, dum jogo de sombras, que não pode escapar aos portugueses. Na hora da verdade, a política do PS e do PSD são muito comuns, - basta analisar os respectivos programas -, embora embrulhado em papéis diferentes, para dar a ideia de que são coisas diversas. O CDS - partido que por vezes aparece como o grande justiceiro - também não fica de fora de tudo isto. Veja-se o que o Expresso da semana passada trás sobre a compra dos submarinos. Mais uma vez o Wikileaks na berlinda, mas não deixa de ser sintomática a crítica que o embaixador dos EUA faz, e que será, seguramente, semelhante à de muitos portugueses, quando viram tal desaforo. Não nos podemos esquecer que a sua aquisição, cujo pagamento começa a ocorrer agora, está a pesar duma maneira brutal nas contas públicas, que se queriam equilibradas. Mas aí estão os contribuintes para se sacrificarem mais um pouco, com vista a fazer face a compromissos assumidos por políticos esbanjadores (leia-se Paulo Portas, então ministro da defesa). Para quem tanto fala na defesa dos contribuintes não deixa de ser sintomático o ridículo de que estes senhores se cobrem. Ainda por cima, parece que os ditos submarinos não trazem sistema de mísseis, o que segundo o tal embaixador, não deixa de ser estranho. Estes "brinquedos caros" apenas servem para dizer que os temos e nada mais. É como se tivessemos um grande exército, muito bem fardado e cheio de medalhas, mas que não dispusesse de armas, apenas as necessárias para os desfiles, isto é, armas a brincar. Mas o contribuinte aí está para pagar tais desvarios. Por outro lado, o ministro das finanças já vai alertando para as medidas adicionais que por aí vêem, e que o contribuinte, mais uma vez, terá que assumir a factura. Como dissemos em anterior crónica, as medidas apresentadas - na nossa opinião - são insuficientes. E os discursos de José Sócrates e Passos Coelho (que até já se disponibilizou para analisar a questão) são disso um sintoma mais do que evidente. Teixeira dos Santos já vem colocar a questão publicamente em cima da mesa para que não restem dúvidas. E assim vai a nossa democracia. Os casos sucedem-se, os equívocos também. Até a justiça, Ministério Público e polícia que tão arredada tem andado dos portugueses, acaba por descobrir que no caso Rui Pedro, foram precisos treze anos (!!!) para se acusar o presumível criminoso. Que justiça se fará agora, passados tantos anos? Que problemas irão surgir durante o processo, à medida que ele for avançando? Enfim, é o Portugal no seu melhor... No meio de tudo isto, o desencanto das populações é enorme e, sobretudo, nos mais jovens que não vêm acesso a uma carreira profissional. Daí que, a exemplo do que vem acontecendo nos países árabes, comece a circular um e-mail com a convocatória para uma manifestação de indignação marcada para o dia 12 deste mês em Lisboa e Porto. Estamos certos que terá uma boa adesão, mas é preciso estar atento à possível instrumentalização dum direito de cidadania. (Cidadania que, ao fim de mais de trinta anos de democracia, ainda não sabemos exercer). Contudo, é preciso não esquecer que, nos países árabes luta-se pela liberdade face a ditaduras ferozes, mas em Portugal, existe uma democracia, e o governo que temos - gostemos ou não - foi eleito pela maioria da população e, portanto, legítimo. Mas, como vimos dizendo à muito tempo, é preciso estar atento aos sinais, agora é esta nova "geração à rasca" mas, como é facilmente comprovável, "à rasca" estamos todos nós. Como voltou a lembrar Mário Mendes, no dia em que abandonou o cargo de secretário-geral do SSI, as restrições ao nível das prestações sociais, a crise "soit disant", pode ser o rastilho para grandes convulsões sociais a curto prazo. E vindo de quem vem, acho que esta afirmação deve merecer, de todos nós, a nossa maior atenção.