Turma Formadores Certform 66

Thursday, June 30, 2011

No quinto aniversário deste espaço

Cumprem-se hoje, dia 30, o quinto aniversário da criação deste espaço. Numa iniciativa do Dr. António Rolo um dos formadores da turma 66 da Certform, ele criou este blog, no início quase por divertimento, nunca pensando, seguramente, que cinco anos volvidos este ainda continuasse em aberto. Infelizmente, nunca contou com grandes colaborações do grupo que lhe deu o nome, vindo ultimamente um dos seus elementos a assegurar este espaço, tendo-o encaminhado para uma janela de cultura. Ultimamente, e dada a pressão social e política que Portugal tem sofrido, abriu-se uma outra janela mais ligada ao comentário político e económico, embora nunca esquecendo a vertente cultural que foi sempre a sua vocação primeira. Não deixa de se lamentar a falta de colaboração e o debate sempre enriquecedor que espaços como este propiciam. Mas se formos seguidos por um pequeno grupo - embora não participante - já nos sentimos recompensados. Espaços destes são, na maioria das vezes, utilizados para outros fins, mais imediatistas e que congregam mais seguidores obtendo assim mais popularidade. Contudo, a opção pelo fácil e pelo óbvio, nunca nos entusiasmou. Preferimos seguir na senda da utilidade pública, quanto mais não seja, na formação de algumas pessoas que possam estar interessadas naquilo que aqui trazemos. Se isso estiver a acontecer já nos daremos por satisfeitos. Não vamos voltar a apelar à participação, porque já o fizemos sobejas vezes sem sucesso. Quem estiver interessado é só dizer. Este é um espaço de todos, sobretudo, daqueles que fazem da cultura e do conhecimento, a sua maneira de estar na vida. Cinco anos volvidos, parecem muito, mas tal tem-nos dado um gozo enorme, porque sabemos que somos seguidos por diversas pessoas, embora duma forma silenciosa. Só isso nos tem mantido aqui, com regularidade, ao longo de todo este tempo. E esperamos continuar. (Em anexo, exibimos uma foto que recorda esse fantástico grupo de à cinco anos atrás).

Wednesday, June 29, 2011

"Economia, Moral e Política" - Vítor Bento

Voltamos desta feita à colecção Ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos com um livro muito interessante e oportuno no momento que atravessamos. Trata-se de "Economia, Moral e Política" de Vítor Bento - um homem que gostaria de ter visto no ministério das finanças do actual governo que, entretanto se soube, foi sondado mas recusou. Quanto ao livro trata-se de um conjunto de reflexões sobre a economia olhada mais de um ponto de vista filosófico do que científico, pois é abordada na perspectiva das suas ligações com a moral e a política. No fundo, isso corresponde a um "regresso às origens", pois, no princípio, o estudo da economia encontrava-se fundido com o estudo daquelas outras disciplinas, fazendo parte de um departamento universitário comum às três ou, pelo menos, a duas delas (ciências morais ou ciências políticas). Defende-se que toda a acção visando influenciar o funcionamento da economia e os juízos formulados sobre os resultados económicos são, sempre e por natureza, moralmente orientados; que uma tal acção pertence, também por natureza, à política. Quanto ao autor, Vítor Bento, é licenciado em economia e tem um mestrado em filosofia. É actualmente presidente da SIBS (a empresa que gere o multibanco) e conselheiro de Estado. Lecciona economia nas Universidades Nova de Lisboa e Católica Portuguesa. Foi presidente do Instituto que gere a Dívida Pública, director-geral do Tesouro, director do Departamento de Estrangeiro do Banco de Portugal e administrador do Instituto emissor de Macau (actual Autoridade Monetária), entre outras posições que ocupou ao longo de uma carreira profissional de 38 anos. Foi membro do Comité Monetário da UE e participou activamente, a nível nacional e europeu, nas tarefas de preparação da UEM. Foi presidente da Sedes e é comentador regular sobre assuntos de economia e finanças. É autor ainda de "Os Estados Nacionais e a Economia Global" de 2004 e "Perceber a Crise para Encontrar o Caminho" de 2009. Quanto à Fundação Francisco Manuel dos Santos já tecemos vasta informação em anteriores crónicas, não deixando de aconselhar uma atenção especial à colecção de livros que tem editado - na sua colecção Ensaios - e que, seguramente, continuará a editar, com a mesma chancela de qualidade a que já nos habituou. Este é um livro muito interessante, numa linguagem muito simples para que todos - o público em geral - possam entender os intrincados caminhos da economia, por vezes não muito fáceis de compreender. Um livro actual numa conjuntura especial onde os factores economia e finanças ocupam os primeiros lugares das nossas preocupações.

Tuesday, June 28, 2011

Conversas comigo mesmo - XVII

Nem tudo o que se vê na TV existe. Se fosse verdade que só existe o que aparece na televisão teríamos sobejas razões para estarmos mais preocupados e pessimistas quanto ao mundo de que fazemos parte. Felizmente, para além do caudal imenso de desgraças e misérias, de injustiças e de violências, de egoísmos e barbaridades, de futilidades e de degradações de todo o género que ela nos mostra, dia após dia há também, mesmo sem visibilidade mediática, uma corrente poderosa e regeneradora de altruísmo e de bondade, de abnegação e de empenho pelo bem comum, de atenção, de defesa e de ajuda aos mais fracos e desvalidos. Uma corrente dia a dia alimentada pelos inumerávis "copos de água" oferecidos pela solidariedade activa dos incontáveis voluntários de todo o mundo e de todos os sectores. Eles são a honra da nossa Humanidade e esperança de um mundo melhor. São pessoas comuns, sem qualidades excepcionais mas pessoas que se deixam perturbar pelos problemas, pelas situações, pelas necessidades e pelo sofrimento dos outros e se dispõem a fazer e a dar o que está ao seu alcance. E dão: dão sangue e dão orgãos, dão o seu tempo e as suas aptidões, dão as suas palavras de compreensão, de alento e de esperança, seus gestos de apoio e de colaboração, sua escuta sem pressas e sua amizade, copos de água que dão vida e não deixam desertificar o nosso mundo. Hoje, noite de S. Pedro - um dos apóstolos mais determinantes na liturgia cristã - é normalmente venerado em alguns locais do país. Era nesta noite que, antigamente, se faziam as célebres largadas de balões no antigo Palácio de Cristal no Porto, atitude hoje já quase esquecida. (As tradições já não são o que eram). Contudo, se estiverem no Porto não deixem de ir ver e celebrar o S. Pedro na Afurada em Vila Nova de Gaia, terra de pescadores e de mar, e vão ver que vai valer a pena.

Monday, June 27, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 115

O início de actividade do novo governo acabou por ter momentos bons e momentos menos felizes. Um dos momentos bons prende-se com a primeira apresentação do novo executivo em Bruxelas. Sendo certo que se ia discutir, essencialmente, a situação grega, mas a vontade com que Passos Coelho se apresentou para fazer cumprir o plano da "troika" foi algo que jogou a seu favor. Quanto à Grécia parece que a situação se vai degradando a cada dia que passa e o empenho em a ajudar prende-se, sobretudo, com os fortes interesses dos bancos alemães que têm lá muitos interesses que poderão perder a qualquer momento. Embora, ironicamente, a Alemanha tenha sido o país que reagiu mais tarde, talvez sem a visão do alto risco que a situação grega representava, quer para os interesses alemãs, quer para a própria UE. Contudo, é bom dizê-lo, a Grécia não tem feito muito para se ajudar a si própria, com a forte contestação de rua, as sucessivas greves gerais, os partidos políticos que não se entendem, na ânsia de - lá como cá - "irem ao pote". Só para dar um exemplo, os cabeleireiros gregos têm a reforma aos 45 anos (!) pelo facto da sua profissão ser considerada de risco!!! Isto é bem o exemplo daquilo que se passa nesse país e, ao que parece, ninguém ainda conseguiu inverter. A Grécia está a pedir novo empréstimo sem que assuma os seus compromissos com o anterior, e isto não leva à credibilização do país e dos seus políticos, como é bom de ver. Quanto ao lado mais infeliz, - diríamos mais populista - do novo governo, prende-se com as viagens. O primeiro-ministro achou que se devia viajar em classe económica, este seria um sinal interessante, se não fosse a "fuga" da informação para os "media", que logo se fizeram eco do facto embora, um dia depois, a TAP ter afirmado que isso era irrelevante, porque o governo nunca paga quando viaja nos seus aviões. Logo aqui, se mostra o desconhecimento da situação e o aproveitamento fácil - populista, porque não dizê-lo - para marcar alguns pontos, mas parece que o tiro lhe saiu pela culatra. Quem deu ordem para a "fuga" de informação já deve estar arrependido de o ter feito, afinal só deu um sinal de profundo amadorismo. Mas as coisas não ficam por aqui. Passos Coelho sempre afirmou que queria o governo separado do partido. Achamos bem, mas a "praxis" até agora não tem sido essa. Como ontem bem lembrava Marcelo Rebelo de Sousa, o governo levou para o seu seio três das figuras mais importantes do PSD, a saber: Miguel Relvas seu secretário-geral, e dois dos seus vice-presidentes mais desacados, Marco António Costa e Paula Teixeira da Cruz. Ainda citando Marcelo Rebelo de Sousa, Passos Coelho não soube separar o partido do próprio governo, indo ao arrepio das suas próprias afirmações, decapitando até o próprio partido. Nada de novo, porque já outros o fizeram, dirão vocês, é a política do "olha para o que eu digo e não para o que eu faço". Já o anunciar em Bruxelas a antecipação das medidas de austeridade face ao derrapar da situação para 2011, vem também mostrar que as coisas não eram tão fáceis como o PM afirmava e que as medidas correctoras eram necessárias. Afinal o PEC 4 não era uma figura de retórica e se tivesse sido aprovado não havia necessidade de antecipar medidas ainda mais gravosas. Mas a ânsia do "pote" - como todos se lembrarão - falou mais alto nessa altura. De qualquer modo, são contradições e pontos negativos a mais, para uma só semana de governo. Mas a hipocrisia política não fica por aqui, e os equívocos também não. Esta prende-se com o economista João César das Neves que traçou um rasgado elogio a José Sócrates considerando-o "uma figura deslumbrante do ponto de vista político", sendo acompanhado nesta ideia por Mário Crespo jornalista da SIC Notícias que o entrevistava. Isto até poderia ser algo de normal, não fossem os dois protagonistas serem dois dos seus mais ferozes adversários. O jornalista - já objecto das nossas crónicas por falta de parcialidade face ao anterior governo - figura muito ligada à direita e o economista - ele defensor das teses liberais - que muito criticou o ex-primeiro-ministro, vir agora fazer este tipo de afirmações, não deixa de ser caricato. Porque então as críticas feitas anteriormente eram injustas e falsas, ou os eleogios actuais são mera hipocrisia política, seja lá qual for a situação, nenhuma delas abona a favor de qualquer das figuras em causa. Enfim, são os equívocos muito usuais na nossa democracia que em nada a dignificam e leva a que os portugueses fiquem, cada vez mais, arredados e desconfiados dela.

Sunday, June 26, 2011

Do Eu Solitário ao Nós Solidário

Fui surpreendido com uma entrevista na SIC Notícias na passada segunda-feira. Nela estava Frei Fernando Ventura, comentador habitual da estação e da TSF, que entrou com um discurso que muito surpreendeu o experimentado entrevistador. Nessa entrevista fiquei a conhecer o livro que hoje vos trago. Foi apresentado no passado domingo na FNAC do NorteShopping em Matosinhos. Este livro muito interessante de Frei Fernando Ventura, - um frade Capuchinho - em colaboração (cumplicidade) com o jornalista Joaquim Franco. O frade Capuchinho, Frei Fernando Ventura, nasceu nos arredores do Porto, mais propriamente num bairro operário na Senhora da Hora, - bem perto do local onde ele apresentou o livro - onde desde cedo se habituou a conviver com a pobreza, a solidariedade, muitas vezes confundida com algum aspecto de comunitarismo tão combatido pelo Estado Novo e pela sua polícia política a PIDE/DGS que vigiava o bairro amiúde. É com esta origem que nasceu e cresceu frei Fernando Ventura. Um homem preocupado com o seu tempo, com o presente e, sobretudo, com o futuro, não deixando de olhar o passado onde vai colher ensinamentos e experiências. Foi com este espírito que surgiu o livro "Do Eu Solitário ao Nós Solidário: Deus , o homem e o mundo numa conversa sem rede ou preconceitos". Um livro muito interessante que, embora passando pela espiritualidade dos autores, não deixa de ser um livro que interroga a sociedade actual, os políticos, os empresários, no fundo, cada um de nós. Divagações e reflexões sobre a actualidade com viagens ao passado para melhor podermos escolher um caminho de futuro. A não perder a entrevista que deu, na passada segunda-feira na SIC Notícias, e que está disponível para ser visualizada no site desta estação. Quanto ao livro, merece ser descoberto, lido e reflectido, porque se trata duma das obras mais importantes que faz uma reflexão do tempo em que vivemos, tempo difícil para muitos de nós, sem deixar uma janela de esperança, que a Fé do(s) autor(es) encerra. Sobre os autores: frei Fernando Ventura é, como já atrás referimos, frade capuchinho e nasceu em 1959. Teólogo e biblista, foi professor de Ciências Religiosas no ISCRA em Aveiro. É intérprete na Comissão Teológica Internacional da Santa Sé. Colabora, como tradutor, com diversos organismos internacionais, como a Ordem dos Capuchinhos, a OFS e a Fundação Bíblica Mundial. Pertence ao quadro de redactores da revista Bíblica, onde assina artigos de aprofundamento teológico. Autor do primeiro estudo sobre "Maria" no Islamismo, lançou o livro "Roteiro de Leitura da Bíblia" (Editorial Presença). Ministra cursos e retiros, percorre o mundo, de convite em convite ou de conferência em conferência, como tradutor. É assíduo comentador de actualidade social e religiosa na SIC Notícias. A TSF escolheu-o como "figura do ano" em 2010. Joaquim Franco é jornalista da SIC, nasceu em 1967. Fez parte da equipa que fundou a SIC Notícias no ano de 2000. Formou-se no CENJOR. Especializou-se na temática religiosa, à qual tem dedicado particular atenção com reportagens, debates e entrevistas. Está ligado à Licenciatura em Ciência das Religiões da ULHT (Universidade Lusófona de Himanidades e Tecnologias). Ganhou um Prémio Comunicação Social/Rádio pela reportagem "Terceira Idade da Inocência", emitida pela TSF. Foi um dos enviados especiais da TSF a Timor-Leste, em 1999, num trabalho que valeu à rádio uma distinção da Assembleia da República. Recebeu a menção honrosa Impresa pelo documentário "João Paulo II, o 1º Papa global", emitido na SIC e distribuído pelo jornal Expresso. Lançou em 2010 o livro "Leitura (im)possível de uma visita" (Edições Universitárias Lusófonas) sobre a viagem de Bento XVI a Portugal. Permitam-se que insista, este é um livro a ser descoberto, urgentemente.

Thursday, June 23, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 114

Hoje, o novo governo português tem o primeiro teste a nível da internacional com a reunião da UE. Será o apresentar da continuidade em relação ao cumprimento do memorando da "troika". Mas antes disso, convém fazer alguns considerandos a quando da tomada de posse. Desde logo ao discurso do PR. Cavaco Silva não deixou de agradecer ao governo anterior - numa postura politicamente correcta - e foi pedindo apoio para ao novo governo, apoio à AR e, sobretudo, à oposição. Não deixa de ser curioso - ou talvez não - que esse mesmo apoio não fosse pedido quando deu posse ao governo anterior, todos sabemos que não era o governo da sua cor política, mas mesmo assim, era o governo de Portugal. Quando se começaram a visualizar os primeiros confrontos na AR, não vimos Cavaco vir em apoio do governo, vimos isso sim, num extremar de posições que conduziu a discursos que iriam abrir as portas à queda do governo e, consequentemente, à crise política que levou a que agora estejamos dependentes do exterior. Enfim, são critérios que a História não deixará de comentar quando houver o distanciamento necessário e conveniente para que ele seja feito com o maior rigor possível. Cavaco não deixou, também, de pedir compreensão para os erros que vão acontecer, coisa que também não vimos no passado, antes críticas contundentes que viriam a criar condições para a queda do mesmo, abrindo assim as portas para que o seu partido chegasse ao poder. Dois pesos e duas medidas que não dignificam o PR nem a magistratura em si. Já quanto ao discurso de Passos Coelho, embora interessante, não deixou de mostrar uma crispação face ao anterior governo, - coisa que pensavamos ultrapassada -, indo ao arrepio daquilo que tinha dito antes sobre a não utilização do passado para justificar os seus próprios erros. Não esperávamos outra coisa, embora pensassemos que, dada a situação, merecíamos um discurso mais abrangente e nacional e não tanto um discurso de "révanche". Contudo, e porque achamos que devemos ser o mais conciliadores possível, não deixamos de deixar aqui uma palavra de apoio ao novo governo, não tanto pela ideologia ultraliberal que trás no seu seio - e com a qual não concordamos -, mas em nome de Portugal e dos portugueses. Assim, estamos aqui a saudar a nomeação de Assunção Esteves para o cargo de presidente da AR. Não só pela dimensão da pessoa em si - e o discurso de posse foi uma verdadeira peça de oratória que merece uma leitura atenta -, mas também, porque é a primeira vez que uma mulher exerce este alto cargo de segunda figura do Estado. Pensamos ser um escolha feliz e um sinal importante dado por Passos Coelho, que a ovação de pé por todas as bancadas, dá bem a ideia do assentimento da pessoa, em contaponto ao infeliz caso de Fernando Nobre, que caiu sem honra e sem glória. E porque o governo ainda está no início e pretende dar alguns sinais, outro terá sido o de viajar para Bruxelas em classe económica. É um sinal significativo, mas confessamos que gostaríamos antes de ver o mesmo rigor nos hotéis que escolhem, onde se paga bem mais do que nas passagens de avião. É um sinal, mas insuficiente, correndo o risco de se tornar até populista. Já quando à não nomeação de novos governadores civis - que constou do discurso de posse - não deixamos de estar de acordo. A figura dos governadores civis já à muito, estava desgastada e desprestigiada. Desgastada porque aquilo que eram as suas funções estavam praticamente ultrapassadas e esvaziadas, sem conteúdo; desprestigiada porque sempre se assumiu que estes lugares eram uma espécie de compensação para membros do partido que estava no poder quando estes não eram eleitos deputados. Eram lugares de nomeação política, e nem PS nem PSD estão isentos de responsabilidades quando lá colocaram os seus "boys" de confiança. Mas agora, o que nos interessa é o futuro, um futuro que se avisinha difícil - como outros ao longo da nossa História -, mas que sempre fomos capazes de superar. Para os mais timoratos, é bom lembrar que ao longo da nossa já longa História de quase nove séculos, tivemos sete falências técnicas do país, a primeira da quais em 1558, em pleno século XVI, o século grandioso da nossa História. Por vezes, a História tem destas ironias. Por isso, somos um país habituado - diríamos mais, mal habituado -, a algum desgoverno, mas com a capacidade de "desenrascanso" - que é sobejamente conhecida -, lá fomos conseguindo ultrapassar as crises e resistir enquanto povo e enquanto nação. Não cremos que agora seja diferente. Teremos tempos difíceis, mas no fim do percurso, lá voltaremos à nossa senda que a História vem registando à perto de 900 anos. Por isso, somos tentados em deixar aqui, um sentimento de coragem e determinação, de crença no futuro, que serão os segredos que nos irão fazer sair da situação em que agora nos encontramos. O importante é que tenhamos aprendido com os erros, - coisa que nem sempre aconteceu -, e que a História bem ilustra. Esperemos que seja desta. No entretanto, para aqueles que são do Porto, à que ir festejar a noite de S. João - de grande tradição nortenha -, porque "tristezas não pagam dívidas", nem a soberana, dizemos nós!!!

Wednesday, June 22, 2011

Manifesto dos Economistas Aterrados

Numa altura em que o novo governo de Portugal está a iniciar funções, este livro apresenta uma enorme actualidade. Porque este novo governo é determinado por teses ultraliberais - como é do conhecimento geral - tal implica que as políticas que irão ser seguidas - já para não falar das da "troika" - serão muito restritivas quanto ao estado social, alinhando pelo que é hoje o projecto ultraliberal europeu, que tem conduzido a Europa a um beco sem saída, quiçá, à sua própria destruição. Terão os responsáveis políticos europeus aprendido alguma coisa com a crise causada pelos excessos do sector financeiro? Há dúvidas. Para reduzir os défices ocasionados pelo resgate de bancos e com a recessão, a Comissão Europeia e os governos apressaram-se a aplicar pacotes de medidas que, historicamente, têm demonstrado poder aumentar a instabilidade económica e as desigualdades sociais. Estas políticas de submissão ao poder da finança põem em risco o futuro do projecto europeu. Aterrados com tudo isto, os autores - Philippe Askenazy, André Orléan, Thomas Coutrot e Henri Sterdyniak - tomaram a iniciativa de escrever este manifesto. Aqui se denunciam dez falsas evidências, cientificamente infundadas, brandidas para justificar as actuais políticas na Europa, apresentando para dicussão vinte e duas propostas que visam uma estratégia alternativa. Inicialmente dirigido à comunidade de economistas, este manifesto destina-se sobretudo aos cidadãos. Hoje, está bem patente a fragilidade das afirmações dogmáticas de "especialistas" e dos seus diagnósticos. O que se pretende com este texto é ajudar as pessoas a expressar as suas dúvidas e reforçar a ideia de que se podem debater outras opções. Opção fora do âmbito ultraliberal, apostando mais nos mais desfavorecidos, no serviço de saúde gratuito, na escola pública, em suma, numa economia mais saudável virada mais para o cidadão comum e menos para o grande capital. Nestes momentos de crise, é tempo de se pôr tudo em causa, visto o modelo que tem sido seguido já ter mostrado o seu falhanço. A Europa terá que sofrer uma remodelação profunda, possivelmente com a saída de alguns países, mas rejeitando a tutela alemã que já se esqueceu dos problemas que teve a quando da reunificação, bem como, o papel que teve quando arrastou a Europa para duas guerras mundiais. Por vezes esquecemo-nos disso, mas os factos estão aí para provar a verdade desta asserção. Neste cenário actual, talvez esteja na hora de os países periféricos se unirem, formando um grupo coeso contra a tirania alemã, isto é, assumindo a revolta contra aquilo que se está a passar e deixando de ter o comportamento dos "bons alunos". É altura de questionar a Europa - à qual todos nós pertencemos - sem medos, mas com firmeza e determinação. Por tudo isto, este livro é muito interessante no contexto actual, oportuno até, e deve ser lido com atenção porque nele encontraremos outras respostas para as mesmas perguntas que todos fazemos, mas respostas bem diferentes daquelas que nos têm "vendido" os actuais dirigentes. Quanto aos autores, Philippe Askenazy pertence ao Centro Nacional de Investigação Científica, André Orléan é presidente da AFEP, CNIC - Escola dos Altos Estudos em Ciências Sociais, Thomas Coutrot é membro do Conselho Científico da ATTAC e Henri Sterdyniak pertence ao Observatório Francês das Conjunturas Económicas. Gente de reputada condição a cima de qualquer suspeita. No final do livro aparecem os nomes dos 630 signatários do manifesto que foi subscrito em 24 de Setembro de 2010. Este pequeno livro em formato de livro de bolso tem a edição da Actual Editora. Livro muito interessante e oportuno que merece ser descoberto por todos os que se interessam pela economia, ou seja, por tudo aquilo que nos afecta e afectará no nosso dia-a-dia nos próximos tempos.

Tuesday, June 21, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 113

Neste dia em que o Verão se inicia, inicia-se um novo ciclo político com a entrada em funções do novo governo. A tarefa é gigantesca mas não é impossível. E os exemplos vêm de fora, sobretudo de países que são referência para nós, como por exemplo, a Suécia. Talvez muitos já não se lembrem que no anos 90 os bancos suecos estavam falidos, e eles foram capazes com a determinação e a organização nórdicas tão bem conhecidas, de inverter a situação e hoje serem, de novo, um país pujante no seio da Europa. Mas, mesmo entre nós, a ideia de crise foi algo que sempre nos acompanhou ao longo da História. Na passada crónica falavamos das caravelas que vinham cheias de ouro d'além mar e que nem descarregavam em Lisboa para se dirigirem para Inglaterra onde esse ouro era utilizado para pagar as dívidas da coroa. Não nos podemos esquecer das célebres cortes convocadas por D. João III - Torres Novas - porque o país estava em crise. Esta é pois uma certa sina lusitana que se perde na bruma do tempo e que, infelizmente, nunca fomos capazes de afastar duma forma definitiva. Mas os tempos são outros e estes tempos que são os nossos é que nos interessam aqui. Um pouco por todo o lado têm vindo para a rua manifestações sobre uma outra maneira de ver a democracia e o mundo. As praças Tahir foram-se multiplicando um pouco por todo o lado e temos que estar atentos a estes movimentos e tirar deles as devidas ilacções. Na semana passada, vimos movimentos destes na rua em Portugal (embora com expressão ainda reduzida), mas duma forma mais visível em Espanha e na França. Pensamos que se está a criar uma nova consciência de que a democracia não pode ser algo mítico tutelado por meia dúzia de senhores que estão acima de tudo e de todos. As pessoas querem participar, querem ser donas dos seus destinos, querem uma outra forma de fazer política e de exercer a democracia, querem uma democracia directa. Por agora, ainda os políticos fazem de conta que não vêm, ou acham que são todos irresponsáveis, possivelmente jovens no fulgor da sua juventude. Mas desenganem-se, estes movimentos estão a ter cada vez mais expressão e é preciso estar atentos a eles, porque são o sinal mais genuíno das populações. Depois de vermos uma UE "a brincar com o fogo à demasiado tempo"- para usarmos uma expressão de Juncker - é tempo de se começar a encarar os problemas com outra determinação. A Grécia está ingovernável em virtude do centro-direita não se querer solidarizar com as medidas, e levando a uma maior instabilidade na Europa que minimizou a situação grega durante demasiado tempo, onde a Alemanha tem aqui graves responsabilidades. Por isso, Portugal assume-se para a UE, como o país que tem que ter sucesso. Portugal não pode falhar, não só para que o nosso país não entre numa ruptura de consequências imprevisíveis, mas também, porque a UE precisa desse sucesso, primeiro para dar exemplo aos outros países, e depois, porque é fundamental estancar a situação de crise que se está a espalhar por toda a Europa. É pois assim, que este governo (possível) que se formou entre nós, tem a missão de não falhar, caso contrário, não é só o país que está em causa, mas toda a UE com o efeito de contágio que estas situações normalmente têm, e que Portugal irá sofrer ainda mais, caso a Grécia entre em colapso. Numa Europa irresponsável, liderada por uma Alemanha sobranceira que acha que a culpa é sempre dos outros e não deles próprios - veja-se o caso da bactéria e-coli -, numa liderança dessa mesma Europa dentro dum modelo ultraliberal - a mesma ideologia do nosso actual governo - não tem sido capaz de encontrar saídas. A eminência de alguns países de terem que sair da zona euro, na eminência da própria desagregação da UE, este é o cenário em que, entre nós, se vai atalhar a crise. Mas se o ultraliberalismo arrastou a Europa para o precipício - bem longe do modelo dos seus fundadores -, será que o governo português será capaz de nos tirar desta aflição, governo que tem por base o mesmo modelo ideológico que tanto dano tem causado à UE? Esta será certamente uma pergunta que por agora não sabemos responder, teremos que aguardar que este governo (possível) nos mostre daquilo que é capaz, sendo certo que, a avaliar a maneira como ontem teve o seu primeiro revés na AR - com a eleição falhada de Fernando Nobre - não deixa os melhores augúrios para o futuro. Não queremos tirar ilacções antecipadas deste triste episódio, vamos esperar para ver daquilo que são capazes. Uma coisa é certa, este governo não terá o seu "período de graça", porque simplesmente, não existe tempo para isso. Terá que tomar muitas medidas rapidamente - quase uma por dia - para cumprir o acordo que Portugal fez com a "troika". Veremos agora, se aqueles que tanto contribuíram para a chegada da ajuda externa, serão capazes de viver com ela. No fundo, será o nosso futuro que está em jogo, muito para além das políticas e dos políticos. Será que, tal como a Alice no País das Maravilhas, seremos capazes de passar para o outro lado do espelho?

Monday, June 20, 2011

Conversas comigo mesmo - XVI

Ontem, domingo, na liturgia católica celebrou-se a festa da Santíssima Trindade, que não é mais do que, um convite à contemplação do mistério de Deus, à luz do Evangelho, e uma renovada exortação a dar-lhe glória no compromisso de viver à sua imagem. Celebrar esta festa é, pois, abrirmo-nos à presença envolvente de um Deus que é origem e sentido da nossa vida; é dispormo-nos a viver, seguindo Jesus, o Filho de Deus, e descobrir n'Ele e com ele que a verdadeira postura na vida é a atitude filial diante de Deus e a atitude fraternal perante o próximo; é aprender a viver guiados pelo Espírito, o Espírito de Deus que Jesus testemunhou e que, agora, nos comunica, e donde nos vem o impulso e a sabedoria para vivermos de forma mais lúcida e compassiva, mais livre e solidária. O mistério da Santíssima Trindade não é um problema de matemática, mas um dinamismo de vida em que estamos incorporados e que devemos viver também. Dinamismo de vida que é diálogo, doação e comunicação. Pois dizer que o Homem foi criado à imagem de Deus, é afirmar a sua vocação comunitária e que a tarefa de cada pessoa e da Humanidade, em geral, é realizar essa vocação. Na verdade, a imagem de Deus não é o indivíduo isolado: é a comunidade dos homens. Por isso, não foi acaso que, em muitas diocese, se celebra o dia diocesano da família. Como comunidade de vida e de amor, a família é, ou pode ser, uma bela imagem do mistério de Deus que hoje celebramos. Este também é dia, em algumas dioceses, onde se celebra o fim da catequese, isto é, para aqueles que completaram todo o ciclo catequético. Isto, naturalmente, para os que professam o catolicismo, porque para outros será uma realidade diferente, embora como dizia o antigo bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, - o bispo que se opôs a Salazar -, "tenho muita Fé nos ateus, porque se forem honestos, chegarão a Deus". Muitas vezes, um crente tem mais dificuldades, acrescento eu.

Sunday, June 19, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 112

Já temos novo governo. a primeira sensação que dá é que se trata do governo possível, depois de algumas recusas - segundo a informação veículada pelo Expresso - formou-se o governo mais curto desde o 25 de Abril e, porventura, o mais jovem. Mesmo assim, e depois de alguma expectativa criada em torno da sua formação, soube de facto a pouco. Um governo com vários técnicos sem experiência política, que pode ser uma vantagem, mas tambem pode ser um inconveniente, não devemos esquecer que todos os ministérios são políticos e os seus detentores terão, inevitavelmente, de tomar decisões políticas. Lamentamos, fortemente, o desaparecimento do ministério da cultura. Isso diz bem o que o governo pensa sobre a cultura em Portugal, o que significará que esta irá estagnar, depois de alguma visibilidade que os governos anteriores lhe deram. É a sina do nosso país, futebol muito, para fazer esquecer os problemas do dia-a-dia; cultura, nem por isso, porque quanto mais culto for o povo mais reinvidicativo é, afinal, uma velha asserção que já vem do Estado Novo. Agora à que por em prática o famoso memorando da "troika" que as instituições estrangeiras nos impuseram. Desde logo, a UE que parece que já decidiu alargar os prazos da Grécia, antes que esta entre definitivamente na bancarrota. Para isso, recorreram à Iniciativa de Viena que em 2009 recuperou da situação financeira os países do leste europeu. Europa que anda à deriva, sem saber bem o que fazer, desde que entrou num devaneio ultraliberal liderada por Merkel e Sarkozy. (Leiam sobre este tema a lúcida autobiografia de Jacques Chirac ex-presidente de França). Os problemas da UE estão, essencialmente, no modelo que estão a seguir bem diferente do espírito dos seus fundadores e que vigorou até à queda do muro de Berlim. Por cá, é a continuação do aperto financeiro que não é nada de novo para nós. Já esta debilidade era visível no século XVII quando as caravelas vinham carregadas de ouro para Lisboa e que de imediato seguiam para Inglaterra para pagar dívidas. (Ver livro do sociólogo Boaventura Sousa Santos com o título "Portugal : Ensaio contra a autoflagelação"). O que, historicamente, a austeridade trouxe sempre e vai trazer de novo, é ao aumento das desigualdades sociais, o esmagar dos sindicatos até onde for possível, a depauperação da riqueza nacional. A austeridade não leva a nada porque não cria dinâmica empresarial e investimento, não cria emprego, não estimula o consumo que por sua vez vai estimular as empresas. A austeridade é mais para assegurar a cobrança da dívida pelos credores e não tanto para beneficiar o país e as suas populações. É um dado histórico que não pode ser escamoteado. E este governo ultraliberal, até pela sua sintonia ideológica com a UE, lá estará para nos fazer lembrar isso. Com algumas medidas que são controversas, como a privatização da água. Achamos um erro, e um erro grave. Há países que têm na constituição que a água será sempre um bem público, entre nós parece que não será assim. Porque não taxar os produtos agrícolas, mesmo de primeira necessidade, que viagem mais de 1.000 Kms? Talvez assim, deixassemos de ver nas grandes superfícies tantos produtos que vêm de zonas longínquas e que atrofiam os produtores portugueses. (Agora, a mesma UE que incentivou e pagou a alguns países, entre eles Portugal, para não cultivarem e para destruirem a frota pesqueira, - na altura o mandatário dessa política entre nós foi Cavaco Silva(!) - vem agora dizer precisamente o contrário, - ainda à dias o comissário para a agricultura da UE, Dacian Ciolos, veio clamar pela desertificação do interior português (!!!), - que desnorte. Mas este é o governo que o povo elegeu. Em Portugal continuasse a votar no partido - como se este fosse o clube de futebol - e não nos deputados; continuasse a falar muito em Europa e menos em Ocidente, há um divórcio entre as populações e o governo, tratando-os por "eles", (vidé Prof. Adriano Moreira), estas são questões que a nosso ver estão erradas. Esperemos que o futuro não nos venha a dar razão, porque se tal se vier a confirmar, poderemos estar, de facto, numa situação bem complicada e para a qual os portugueses ainda não tiveram a percepção necessária. Vamos preferindo este jogo do diz-se diz-se dos" media" que hoje em dia representa o terror da informação. Os ingleses têm uma expressão curiosa que diz "if you don't read newspapers you are uninformed, if you read the newspapers you are misinformed" (se não lemos jornais estamos mal informados, se os lemos estamos desinformados). Mas neste informa e desinforma, teremos que aguardar o que nos reserva o futuro. Não será nada de risonho, sobretudo, na próxima década, mas devemos encarar isto como uma medida correctiva ao nosso desbragado consumismo que, em boa verdade, tão estimulado foi pelo poder político.

Friday, June 17, 2011

"Corrupção" - Luís de Sousa

Nos tempos que vamos cruzando nada mais actual do que o tema da corrupção. Corrupção que é transversal ao ser humano quase desde que ele apareceu sobre a Terra. Houve-se falar dela em todos os lugares, desde o desporto à política, do mundo empresarial ao mais comum dos cidadãos. A corrupção, enquanto forma de influência ou compra de decisões, permaneceu invariável ao longo dos séculos, mas o modo como o poder se estrutura e é exercido em sociedade tem evoluído, criando novas oportunidades e incentivos para este tipo de prática. O que é a corrupção? Como se estrutura e se processa? Que tipos de corrupção são vistos com tolerância e que tipos são considerados danosos para o financiamento das instituições? Quais as causas que explicam a prevalência da corrupção em determinada sociedade ou contexto histórico? Que factores de risco potenciam a sua ocorrência? Como se tem desenvolvido o combate à corrupção em Portugal? Que papel compete à política, à justiça, aos media e à sociedade civil? Estas e outras questões são objecto de reflexão neste livro. Num país onde o "favorzinho" continua a ser a prática comum, onde o "dar um jeitinho" é quase endémico, este livro aparece pleno de actualidade. O seu autor, Luís de Sousa, é investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Doutorou-se em Ciências Sociais e Políticas pelo Instituto Universitário Europeu de Florença em Julho de 2002, com uma tese sobre políticas públicas de combate à corrupção. É o fundador e coordenador responsável da primeira rede de agências anti-corrupção (ANCORAGE-NET) e presidente da Transparência e Integridade - Associação Cívica (TIAC), ponto de contacto nacional da Transparency International. É consultor internacional em medidas de controle da corrupção e do financiamento político. "Corrupção" é um livro de permanente actualidade ao qual aconselho uma leitura atenta. A edição é, mais uma vez, da Fundação Francisco Manuel dos Santos e da Relógio D'Água Editores. Nesta, já apreciável colecção da Fundação, que continua a ser uma referência para pensar livremente, ajudando-nos a conhecer melhor Portugal. Aconselhável a todos os títulos.

Thursday, June 16, 2011

Sondagens, Eleições e Opinião Pública - Pedro Magalhães

Depois do acto eleitoral e do muito que se falou sobre eleições e dos interesses que, por vezes, elas encerram, apresento-vos aqui um livro de plena actualidade. O que é uma sondagem? Como devemos olhar para os seus resultados? Quais os seus limites e as suas potencialidades? Para que servem as sondagens? São nocivas ou benéficas para a nossa democracia? Este livro é uma introdução não técnica ao mundo das sondagens e, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre o panorama das sondagens em Portugal: como são feitas e, especialmente, como são encarados os seus resultados. Num tempo em que muito se discute a sua fiabilidade, na maneira como os eleitores podem ser ou não influenciados por elas, dos interesses que por vezes as rodeiam. Livro actual e de muito interesse que merece uma leitura atenta, até porque está escrito numa linguagem acessível para qualquer pessoa. A edição é da Fundação Francisco Manuel dos Santos em conjunto com a Relógio D'Água Editores. Cumpre ainda dizer que, na selecção dos temas a tratar, a colecção Ensaios da Fundação obedece aos princípios estatutários da Fundação Francisco Manuel dos Santos: conhecer Portugal, pensar o país e contribuir para a identificação e resolução dos problemas nacionais, assim como promover o debate público. O principal desígnio desta colecção resume-se em duas palavras: pensar livremente. Sobre o autor, Pedro Magalhães, nasceu em 1970. É investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, licenciado em Sociologia pelo ISCTE e doutor em Ciência Política pela Ohio State University. Foi director do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa entre 2005 e 2009. Os seus trabalhos, sobre temas como a opinião pública, o comportamento eleitoral, o sistema judicial e o sistema de governo português, têm sido publicados em várias revistas académicas, tais como Electoral Studies, Public Choice, West European Politics e Análise Social, e editoras como Oxford University Press, Routledge, MacMillan, Armand Collin e Imprensa de Ciências Sociais. É autor do blogue "Margens de Erro". Livro que recomendo, bem como, todo o catálogo da Fundação, pela sua grande qualidade e interesse.

Wednesday, June 15, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 111

Com o conhecimento do acordo entre PSD e CDS/PP e a inevitável formação do novo governo encerra-se este ciclo que a Constituição impõe, logo após, a audição dos partidos políticos pelo PR. E será bom que o governo comece rapidamente a trabalhar porque há muito a fazer e o tempo urge. A exemplo do que nos tem chegado da UE, em que Jean-Claude Junker já admite a reestruturação da dívida grega - não sabemos se as ameaças de mortes vindo desse país tiveram ou não algum efeito - por cá, também existe quem pense do mesmo modo. Contudo, achamos que ainda é prematuro ir por esse caminho. Primeiro, o governo deveria começar por implementar o plano da "troika", para dar uma imagem de que está interessado em resolver a situação, depois, esperar que os resultados vão aparecendo, para que com alguns resultados - que todos esperamos positivos - então passar à última fase, aí sim, de pedir a reestruturação da dívida. Porque começar desde já a falar sobre isso antes mesmo de começar a aplicar o plano, parece-nos um disparate. Apesar das dificuldades porque vamos todos passar, temos defendido neste espaço, que não concordávamos com a reestruturação da nossa dívida, não por qualquer espírito masoquista, mas sobretudo, porque conhecemos os portugueses e qualquer negociação que abrande a mão sobre a nossa vida, ou a dilatação dos prazos, terá como consequência inevitável o relaxar e o retorno imediato à vida que tínhamos no passado. Isto, todos sabemos, que não pode acontecer, logo, se temos que ser exigentes na aplicação do receituário, pois que o façamos, para ver se, em definitivo, não teremos que voltar a recorrer à ajuda externa. E à que partir para a resolução dos problemas duma forma decidida sem tergervações e sem medo de errar. Como dizia Bento de Jesus Caraça: "Não tenho medo de errar, porque me permite corrigir o erro". Pois então que vamos em frente. E não basta começar já a criar dificuldades entre as forças políticas com a ideia da revisão constituicional, que necessita do apoio do PS e que achamos ainda não estar em condições de dar esse acervo. Até andam por aí uns arautos preocupados com o preâmbulo da Constituição - que não tem força jurídica - sobre o termo "socialismo" nele inscrito. Não sabemos porque estão tão preocupados com isso, - o termo é meramente emblemático -, e como vimos que as preocupações vêm da área da direita é bom recordar aqui as palavras de Sá Carneiro - tão invocado e tão mal entendido - que defendia "o socialismo à portuguesa". Não queríamos deixar passar em claro as palavras elogiosas que têm vindo de quase todos os quadrantes para Fernando Teixiera dos Santos - o ministro das finanças cessante - pelo empenho, capacidade de trabalho, competência técnica e seriedade. Nós que o conhecemos pessoalmente - como já o afirmamos por diversas vezes neste espaço - sabemos que essas palavras correspondem à verdade e são da mais elementar justiça que sejam ditas. A maneira como ele preparou a transição para o seu sucessor é disso exemplo, coisa não muito comum entre nós. Mas, para além de tudo isso, a crise larvar no mundo e, sobretudo, na Europa continua a fazer os seus estragos. Aqui na vizinha Espanha, já dois em cada três espanhóis necessitam de apoio social. E as coisas não vão ficar por aqui. Nouriel Roubini, (que já foi objecto de crónica neste espaço), o economista de origem turca, mais conhecido pelo "profeta da desgraça" - por ter antecipado a crise de 2008 em dois anos, e a quem ninguém deu ouvidos -, voltou a falar sobre aquilo que nos pode vir a esperar no futuro próximo. Antecipando os efeitos económicos em quatro grandes países, como: os EUA com a crise orçamental, a Europa com a crise financeira, o Japão com a estagnação económica e a China com o abrandamento da economia, fazem prever momentos muito difíceis para a economia mundial. Aquilo que ele chama de "tempestade perfeita" pode estar na iminência de acontecer dentro de dois ou três anos. E não deixa de ter a sua razão, porque não só são verdade os argumentos atrás apresentados, como vemos, por exemplo, na Turquia, uma economia que estava a crescer bastante à custa do aumento do consumo interno e do aumento do investimento estrangeiro ávido de encontrar um porto de abrigo, começou a retrair-se por efeito amplificado dos outros países, nomeadamente, a Europa, bem como, a China que está a seguir o mesmo percurso, tentando corrigir o sobreaquecimento da economia que não é desejável. A China tem que, rapidamente, começar a travar o crescimento, caso contrário, pode vir a ter problemas sérios no curto/médio prazo. Roubini vai mais longe, afirmando que a Europa pode vir a desagregar-se dentro de cinco anos, - nada que nos surpreenda, como atestam alguns escritos nossos neste espaço -, a menos que, a Europa opte por uma solução federalista o mais rapidamente possível - acervo que também temos vindo a defender com insistência nestas crónicas. É neste permanente mundo desequilibrado que vamos vivendo, onde os políticos não encontram soluções, dando a sensação de estamos a caminhar para o abismo, sem que sejamos capazes dele nos afastarmos. Talvez seja aí que muitos dirão que chegará a "Nova Era" (New Age) depois do colapso do sistema social, político e económico em que temos vivido. Mas para além destas metáforas exotéricas, vamos tendo que continuar a viver e a encontrar soluções dia após dia neste mundo caótico em que vivemos.

Tuesday, June 14, 2011

13 de Junho - Dia de efemérides

O 13 de Junho tem sempre a referência entre nós do dia de S. António, referência maior da cultura popular e religiosa, que se celebra em várias zonas do país, tendo como expressão mais significativa a capital, Lisboa. (S. António nasceu em Lisboa a 15 de Agosto de 1191 ou 1195 - não se sabe ao certo a data - e viria a morrer a 13 de Junho de 1231 em Pádua). É, de igual modo, o início dos festejos dos Santos Populares, que nos levarão até ao final do mês. Mas o 13 de Junho é também uma data importante por motivos bem menos prosaicos. Desde logo, o dia do nascimento dum dos nossos maiores poetas, - ao nível dum Luís de Camões -, de seu nome Fernando Pessoa. Poeta nascido em Lisboa a 13 de Junho de 1888 e que viria a falecer, também em Lisboa, a 30 de Novembro de 1935. (Completaram-se, na passada segunda-feira, 123 anos sobre o seu nascimento). O poeta dos heterónimos, que tal como Camões, nunca foi reconhecido em vida pelos seus concidadãos. Poeta maldito para alguns, homem alcoólico e obscuro para outros. O certo é que viveu a sua vida com dificuldades sem o reconhecimento público de que hoje é alvo. Sou dos que pensam que as pessoas devem ser apoiadas e reconhecidas em vida e não depois de mortas daí o desencanto quando vejo as homenagens que os media, bem como as instituições lhe consagram, as mesmas que em vida o renegaram, vilipendiaram, enxovalharam. E não pensem que estou a ser demasiado duro. Talvez não saibam, mas este grande poeta, só foi reconhecido entre nós, depois da atenção que o Brasil lhe começou a dispensar - coisa muito habitual entre nós - por nomes famosos da escrita como Jorge Amado, ou como "diseurs" famosos, desde logo, como a grande cantora Maria Bethânia que o diz como ninguém e o canta amiúde. (É bom lembrar que Maria Bethânia é responsável pela divulgação de outros grandes poetas portugueses, como por exemplo, José Régio). E como tudo o que vem de fora é que é bom, a partir dessa altura, por cá, começou-se a ouvir falar de Fernando Pessoa, cada vez com maiores parangonas que estão na proporção da ignorância da sua obra. Quem já leu a "Mensagem" ou os belos "Poemas Ingleses"? Quem já leu os seus inolvidáveis poemas de amor, como por exemplo, o "Cartas de Amor", soberbamente declamado e cantado pela Maria Bethânia? Hoje é chique, é intelectualmente importante falar-se de Fernando Pessoa, mas quem o leu, quem o compreendeu até aos nossos dias? Estas efemérides de pouco valem, as estátuas ainda menos, quando em vida o não soubemos merecer. Contudo, o assinalar estas datas, é sempre importante, quanto mais não seja, para levar junto dos mais jovens o grande poeta, - como outros da nossa língua - jovens, que cada vez mais andam alheados da cultura e do conhecimento. Mas o 13 de Junho é também de efeméride para um grande artista português que faleceu nesse dia de seu nome António Variações. Este artista nasceu no Lugar de Pilar, Amares, a 3 de Dezembro de 1944 e viria a falecer a 13 de Junho de 1984. António Joaquim Rodrigues Ribeiro de seu nome completo, para o "nick-name" artístico de António Variações, foi um grande artista, hoje celebrado por muita gente, por muitos grupos diferentes que cantam as suas canções, por memórias as mais diversas, mas que no tempo em que ele viveu o marginalizaram, o insultaram, o humilharam, pelo simples facto de ser assumidamente homossexual. Em pleno século XX, ainda estas diferenças eram importantes - tal como hoje, em pleno século XXI -, onde o simples facto de ter sido convidado para ir à televisão pela mão de Júlio Isidro, assumiu nessa época foros de escândalo. Tal como S. António nascido em Lisboa, a mesma Lisboa que viu nascer Luís de Camões - ao que se presume -, a mesma Lisboa que nos revelou Fernando Pessoa ou, a mais afastada Amares, onde nasceu para o mundo António Variações, todos - embora com destinos diferentes -, têm algo em comum, o de serem reconhecidos apenas e só após a sua morte. "Ditosa Pátria minha amada/que tais filhos tem" cantava Camões, só que esses filhos eram (são) tratados como enteados, como bastardos, que viveram sempre à margem da sociedade do seu tempo. País ingrato, inculto, que não merece tão ditosos filhos. Que saibamos ao menos, transmitir às novas gerações o legado importante que estas figuras nos trouxeram e que engrandeceram o nome de Portugal. O 13 de Junho é dia de efemérides - umas celebrando o nascimento, outras a morte -, de algumas figuras importantes da nossa cultura. Saibamos merecê-las e legá-las às gerações vindouras.

Jorge Semprún - Um combatente da liberdade

No passado dia 7 deste mês de Junho, morreu em Paris, o escritor, intelectual, político e guionista cinematográfico, Jorge Semprún. Nascido em Madrid a 10 de Dezembro de 1923, no seio duma família da classe alta, cedo viria a encabeçar movimentos mais à esquerda na luta pela liberdade e pela igualdade. Passou pela guerra civil espanhola, foi para Paris onde estudou na Sorbonne. Em 1942 adere ao PCE e em 1943 viria a ser preso, torturado após denúncia aos nazis, tendo sido um dos prisioneiros do campo de concentração de Bruchwald, donde viria a fugir. Esta experiência iria marcá-lo definitivamente, quer do ponto de vista político, bem como, do ponto de vista literário. Após a libertação nazi, viria a ser saudado como herói em Paris onde se fixou, tendo escrito a sua obra em francês. Entre 1945 e 1952 viria a trabalhar para a UNESCO, vindo a assumir uma colaboração a tempo inteiro com o PCE a partir de 1952 e viria a ter uma actividade intensa na Espanha franquista, clandestinamente, sob o pseudónimo de Frederico Sánchez entre outros nomes que usou. Entre 1988 e 1991 viria a assumir a pasta da cultura no governo de Felipe González. Da sua obra vasta, sente-se a experiência de vida marcada pela prisão, tortura e clandestinidade, que ocuparam parte substancial do seu percurso de vida. Seria enfadonho citar toda a sua obra neste espaço, mas não poderia deixar de mencionar "Viente años y un día" de 2003 e "Autobiografía de Frederico Sánchez" de 1977, ambos escritos em castelhano. Como guionista saliento o filme "K" de Alexandre Arcady (1977), "El Atentado" de Yves Boisset (1972) e "La Confesión" de Costa-Gravas (1970). Detentor de vários prémios, os últimos dos quais são o Prémio Jose Manuel Lara por "Veinte Años y Un Día" em 2004, em 2006 o Prémio Annetje Fels-Kupferschmit e em 2008 o Prémio Medalla de Oro al Mérito en las Bellas Artes. Como sempre depois da morte, não falta quem celebre as personagens que se destacam, e no caso de Jorge Semprún tal se veio a repetir. Desde logo o "El Mundo" jornal da direita espanhola não deixou passar ao lado a morte deste grande escritor escrevendo que "era um homem demasiado honesto para estar na política". Por cá, não deixou de ser curioso ver algumas pessoas conotadas com a nossa direita a celebrá-lo também. Parece que neste momento as consciências pesam demasiado, a quem tanto vilipendiou quem pensou de maneira diferente e actuou em prol da defesa daqueles que não têm voz. É algo estranho ao ser humano e à sociedade em geral, que se vai repetindo amiúde, por vezes duma forma despodurada e desavergonhada. Mas homens como Semprún estão acima disso, no fundo, eles traçaram o seu destino, agarraram-no com determinação, quando alguns daqueles que o veneram agora o atacavam fortemente no passado, afinal - e para utilizar as palavras dum grande poeta português, também ele vítima do mesmo desaforo - são aqueles que "se foram da lei da morte libertando".

Monday, June 13, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 110

As negociações para a formação do novo governo continuam, embora pensemos que, este não terá muito espaço para alterar seja o que for, por efeito do memorando da "troika". Mas o importante é que entre governo e oposição exista um clima saudável para se ultrapassar divergências naturais e feridas que as campanhas eleitorais acabam sempre por deixar. Passos Coelho tem dado sinais de que por ele existirá uma sã convivência, embora as palavras em política valham o que valem, e nem sabemos sequer se Passos Coelho terá alguns graus de liberdade para fazer seja o que for, sem ser condicionado pelo próprio partido. Os sinais vindos dos já assumidos candidatos à liderança do PS também não deixam dúvidas de que essa boa relação venha a existir no futuro, porque será fundamental para a aplicação do memorando. Veremos se será assim ou não. O importante é que em momentos de crise - e esta é particularmente grave - se crie uma união de esforços no sentido de a ultrapassar o mais rapidamente possível. Vem-nos à memória uma frase de Ionesco: "As ideologias separam-nos e as angústias e mágoas unem-nos". Esperemos que seja assim, pelo menos angústias e mágoas não vão faltar por cá. Contudo, nós estamos inseridos na UE e pensamos que se tem falado pouco desta entre nós, e seria bom que tal viesse a acontecer, porque aquilo que nela acontecer terá repercurssões sobre o nosso país. Temos que inverter a tendência de considerar que a Europa é algo distante que não nos diz respeito. Uma Europa que está a braços com uma crise tremenda - e o impacto em Portugal já todos conhecemos - onde muito está a ser posto em causa. Desde logo, o euro que foi a seu tempo um grande passo na UE e que se se vier a confirmar que alguns países possam vir a abandoná-lo - fala-se da Grécia e veremos o que acontecerá com Portugal - será seguramente a morte anunciada desta. A reestruturação da dívida grega de que muitos, dentro da UE, já vão admitindo, tem impactos sobre Portugal, aumentando os juros da nossa dívida. Depois a profunda crise social que varre todos estes países, com o cortejo de desempregados conhecido. E medidas como as da "troika" em nada vêm a judar, antes pelo contrário. O facilitar dos despedimentos, induzido pela alteração da legislação laboral, para além de ser preocupante trás no seu seio uma outra medida encoberta e de que ninguém fala, a saber, a diminuição dos salários duma forma indirecta. Isto significa que as pessoas estarão disponíveis para trabalhar recebendo menos em vez de ficarem desempregadas. Todos sabemos como o patronato tem pressionado esta situação, - veja-se a alteração ao salário mínimo travada depois de acordada em concertação social -, para termos uma ideia daquilo que por aí virá. Medidas destas, precisam de um governo forte disponível para as impôr, e não sabemos se este governo tendo na sua matriz uma miscelânea de conservadorismo e ultra-liberlismo estará interessado em fazê-lo. Em nossa opinião não será por aqui que teremos boas notícias, compete a este mostar que estamos enganados.

Sunday, June 12, 2011

Conversas comigo mesmo - XV

Hoje celebra-se o dia de Pentecostes. A tradição cristã é fértil em sobreposições com outras religiões ou até com o chamado "paganismo". Este dia não foge à tradição, porque neste dia celebrava-se o "dia das colheitas", tradição pagã que foi absorvida pelo judaísmo e depois transformada pelo cristianismo. Assim, como disse atrás, o Pentecostes era uma das grandes festas judaicas. Com ela os Judeus celebravam a chegada do seu povo ao Sinai e o dom da Lei, que concluía e selava a Aliança entre Deus e o povo liberto da escravidão do Egipto. Para os cristãos, o Pentecostes é a culminação da Páscoa, é a celebração do Dom do Espírito Santo, origem e fundamento de um novo povo, de uma nova comunidade, a Igreja. Povo formado por todos aqueles que se abrem à presença e à acção desse Espírito, seja qual for a sua raça, a sua cor, o seu país ou condição. A celebração desta festa deve ser, por isso, momento de reflexão profunda sobre a origem da Igreja que somos, da sua Alma e da sua missão. A Igreja é um grupo de homens e mulheres reconcialiados com Deus e entre si, que crêem em Jesus Cristo e que, impulsionados e guiados pelo Espírito que O animou e que Ele agora lhes comunica, que querem acompanhá-Lo na sua obra e salvação, que colaborando na edificação do reino de Deus nas suas próprias vidas e no mundo de que fazem parte: reino de justiça, de verdade, de liberdade, de amor e de paz, que actuando cada um no seu lugar, conforme a sua vocação e circunstância, e de acordo com os talentos recebidos, pois, como nos lembra S. Paulo: "Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum". Como se vê, é voz comum que o cristianismo transformou tudo isto, que trouxe uma boa nova, uma realidade diferente. Mas, apesar disso, não devemos descurar, como disse no início, a coincidência de datas e celebrações que o cristianismo absorveu e transformou. (Como acontece com o Natal e a Páscoa, por exemplo, sobre os quais falarei noutra altura). Isto tem um significado profundo que não pode ser desbaratado e para o qual já venho escrevendo em crónicas anteriores, que o importante é a celebração dum Ser Superior, que pode e deve ser venerado seja qual for a forma, cristianismo, judaísmo, hinduísmo, sejamos mulçumanos ou apenas defensores da Natureza, que devemos venerar, animais que devemos respeitar, aves - intercessoras entre o céu e a terra - que devemos acarinhar, humanos que devemos ajudar, enfim, celebrar Deus dentro de cada um de nós. Se calhar Ele está mais próximo de nós do que aquilo que achamos, porque nesta vida cheia de pressão e de correria, não conseguimos arranjar tempo para olhar para nós próprios, para o nosso interior, pensar naquilo que somos e do que gostaríamos de ser, provavelmente se o fizermos, encontraremos Deus bem junto de nós.

Vivam os Santos Populares

Embora os tempos não estejam para festejos, estes acabam por ser uma espécie de bálsamo nos tempos que vão correndo. Embora, quando olhamos para o que está a acontecer, sempre que existem fins-de-semana prolongados, até parece que estou enganado e, afinal, só eu estou em crise. Neste fim-de-semana os hóteis algarvios estavam a 100% (!), as agências de viagem não se queixam, mesmo para os destinos mais exóticos. Ou a crise está a passar ao lado da maioria dos portugueses, ou então, estes ainda não perceberam no que estão metidos. Enfim, Portugal no seu melhor. Mas no meio de tanta desgraça, valham-nos S. António, S. João e S. Pedro. Talvez consigam presentear-nos com um milagre que nos ajude a suportar tudo isto. Não sei se vai ser assim, mas sei que os portugueses não deixarão de os celebrar. Afinal, nem que seja por um dia, é sempre bom pensarmos que tudo nos corre pelo melhor. Vivam os Santos Populres!

Saturday, June 11, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 109

Nas comemorações do 10 de Junho, lá vamos encontrando os equívocos e o desnorte dos nossos políticos, ou mesmo, daqueles que já o foram e falam deles como se nunca tivessem pretencido a tão delirante grupo. Referímo-nos, essencialmente, aos discuros de Cavaco Silva e de António Barreto. Se do primeiro temos pouco a esperar, do segundo - para quem o não conhecesse - poderíamos pensar que estavamos perante o mais impoluto cidadão, mas não é verdade. Quando António Barreto faz um ataque à classe política, deve estar a esquecer-se - ou pensa que já ninguém se lembra - do que ele foi e fez, enquanto político e ministro socialista. Ainda hoje, se deve poder ler em algumas paredes, alguns "grafitti" alusivos a este personagem. (Lembram-se da "lei Barreto")? Já aqui criticamos duramente a classe política, mas não podemos aceitar que um político ou ex-político venha criticar a mesma classe, como se nunca tivesse feito parte dela, e tendo feito parte dela, a exerceu com muita controvérsia, como foi o caso de António Barreto. É preciso não esquecer que quando em 1974/1975 se fez a chamada "reforma agrária" que veio a criar setenta mil postos de trabalho, António Barreto veio criar condições para a destruir, destruir os postos de trabalho e até contribuir para a destruição do próprio sector. Não nos podemos por de cima duma cátredra a dar lições aos outros quando, na verdade, não estamos com a consciência tão tranquila assim. Já de Cavaco Silva nunca esperamos nada de especial. O ano passado foi duma dureza inconcebível para com o governo, este ano veio de falinhas mansas - afinal já tinha conseguido afastar Sócrates - falar do retorno à agricultura. Confessamos que enquanto o ouvíamos ficamos com a sensação dum certo retorno bucólico às origens, bem dentro da filosofia "hippie". Tal como Salazar à umas décadas atrás dizia que a pureza do campo é que era importante, face ao bulício da cidade, para melhor afastar os mais desfavorecidos da contestação social que tanto temia, vem agora Cavaco dizer o mesmo, por outras palavras que os tempos mudaram, esquecendo-se que quem ajudou a destruir o que restava da agricultura foi ele mesmo enquanto PM. A desertificação começou com Cavaco, não podemos esquecer que ele encerrou 720 Kms de linhas férreas, basicamente no interior. Depois foram os fundos comunitários que ele tanto se empenhou a aplicar que ajudaram à sua destruição, desde o arrancar de vinhas, já para não falar no que aconteceu no sector das pescas, com a distribuição de dinheiro para destruir a frota. E já agora, não se pode esquecer o imenso betão que se produziu nessa altura e que tanto ajudou ao êxodo para as cidades. Não podemos aceitar que se passe uma esponja sobre o passado como se nada tivesse acontecido antes, e quem tanto contribuiu para tudo isto, venha agora dizer que os outros é que estão errados, e ele é que está certo, afinal ele "nunca se engana e raramente tem dúvidas". Temos vindo a assistir nos últimos tempos a um certo sacudir a água do capote de políticos que tiveram grandes responsabilidades no passado e agora querem passar por entre os pingos da chuva como se não tivessem feito nada, ou tudo o que fizeram foi para o bem das populações. Isto também é o desaforo dos políticos ou ex-políticos que em nada contribuem para a dignificação da política entre nós. Depois dizem que os jovens se afastam da política, com exemplos destes não sabemos se seria doutro modo. Como dizia o Prof. Agostinho da Silva: "As pessoas não têm virtudes nem defeitos têm características". É altura se reflectirmos sobre isto e não nos deixarmos embalar no canto da sereia que, normalmente, termina sempre da mesma maneira. Já para não falar do oportunismo de outros, que embora não sendo políticos têm uma voz que sabem influente no país. O caso mais curioso foi, recentemente, o de Belmiro Azevedo, que tanto criticou Sócrates na hora da saída, mas enquanto ele foi poder - e, sobretudo, poderia ser útil - nada disse. Todos nos lembramos do convite feito a Sócrates a quando da implosão das torres de Tróia, para que o seu grupo económico, construísse um empreendimento de luxo. Para não falar na ajuda que teve de Mário Soares nos anos 70 que muito contribuiu para que ele tivesse a pujança e a visibilidade que tem hoje. Enfim, infelizmente, não é só a classe política que trás estes maus exemplos, eles aparecem em todo o lado a mostrar que afinal ainda há muito a fazer na nossa democracia. E seria importante pensar sobre isto. No discurso de ontem de António Barreto - com o qual não concordamos - não deixamos de retirar uma frase importante, que deve merecer a reflexão de todos: "As democracias não são destruídas, destróiem-se a si mesmas". Será um bom princípio para pensarmos o nosso regime e o nosso país nos difíceis dias que temos pela frente.

Friday, June 10, 2011

Dia de Portugal - Castelo Branco

Hoje, dia 10 de Junho, celebra-se mais um dia de Portugal. Este ano ensombrado pela crise política, económica, financeira e social, em que o nosso país está mergulhado. Num momento que não é compaginável com festas celebramos mais esta efeméride, sem sabermos bem aquilo que nos espera - pelo menos a maioria dos portugueses que não leu o memorando da "troika" e a quem a campanha eleitoral não serviu para esclarecer -, mas com a convicção de que tempos difíceis por aí virão e durante um período longo. Se Portugal já vinha vivendo uma crise latente, embora não visível, à décadas - não foi só o governo de Sócrates o culpado como muitos o querem fazer crer -, esta foi potenciada pela crise internacional, bem como, por uma certa indefinição duma UE em formato liberal que está a ser conduzida - conscientemente ou não - para a sua desagregação. E se isso vier a acontecer, os países periféricos mas frágeis como Portugal sofrerão ainda mais do que o que já estão e vão continuar a sofrer. Crise internacional que foi escamoteada por muitos - desde logo, Cavaco Silva - que não se deve lembrar que foi no seu tempo de PM que as coisas começaram a correr mal, embora isso não fosse visível para a maioria dos portugueses, e o governo de então, também não achou conveniente trazer a lume a situação. Quem não se lembra das palavras do Prof. Miguel Cadilhe - figura destacada do PSD - quando dissertou sobre "O Monstro", artigo que provocou polémica junto de alguns puristas - leia-se cavaquistas - de então. Como sabemos é mais fácil acusar um governo do que explicar a crise, as suas razões e origens. Mas um novo governo está aí, na linha do pensamento liberal de Cavaco Silva, e veremos o que vai acontecer. Contudo, o importante é registar que as coisas estão difíceis, vão continuar difíceis, sem que se saibam ao certo por quanto tempo. E não será só em 2012 e 2013, como se diz por aí, e o memorando da "troika" indicia. Será, seguramente, por uma década, por mais desagradável que isto pareça. É neste cenário que este ano, em Castelo Branco, se celebrará o dia de Portugal, com algumas manifestações sociais, o tradicional discurso do PR, - que este ano será mais brando certamente porque já se conseguiu afastar Sócrates -, e depois as tradicionais condecorações a algumas personalidades - que nem sempre justificaram algo para as merecer. Depois o tradicional almoço, - porque a fome aperta depois de tudo isto -, e depois regressamos todos à realidade, nua e crua, que nos espera a todos, embora não doa a todos da mesma maneira. Mais do que o dia de Portugal, acho que temos que pensar que esta celebração será o dia de um certo Portugal, perdido na bruma, na boa tradição sebastianista de que tanto gostamos. Viva Portugal!

Thursday, June 09, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 108

Após as eleições e enquanto se forma o novo governo temos que ir reflectindo sobre o que será o nosso futuro próximo, qual será o futuro de Portugal. Num momento difícil como este, temos alguma dificuldade em ver Passos Coelho - com a sua visível inexperiência -, a governar Portugal. Algumas das suas propostas durante as eleições deixaram-nos preocupados, desde logo, a fusão de ministérios. Sobre isto, Franscisco Sarsfield Cabral - figura próxima do PSD - afirmava que "será um erro se ele continuar com esse desejo, porque a máquina do Estado é lenta, e a confusão que daí resultará bloqueará um governo que se pretende activo". Afirmando ainda que, "dada a situação do país e a inexperiência do PM, este deverá rodear-se de gente com experiência governativa". António José Teixeira foi até mais longe, quando afirmou que "o governo tem que começar a governar rapidamente dada a situação do país e não perder tempo com estas questões que dão votos nas campanhas mas que agora podem ser um obstáculo à eficiente governação". Não deixa de ser curioso que, estes homens que tantas afirmações produziram contra o governo anterior, estejam agora - e nem o escondam -, com receio deste novo governo e da inexperiência do PM. Sarsfield Cabral chegou até ao impensável quando deu um rasgado elogio ao primeiro governo de José Sócrates. É caso para lembrar o provérbio popular "A seguir virá, quem de mim bem dirá"... Surpreendente, também, foram as declarações de Luís Amado - o ainda titular da pasta dos Negócios Estrangeiros -, quando afirmou que "a economia portuguesa necessita dum choque liberal e que, talvez este governo que perfilha esta ideologia, esteja em condições de o fazer". Esta afirmação causou-nos espanto, porque não esperávamos ver um socialista vir defender um "choque liberal". Pensamos que Luís Amado estaria a pensar que, fomos perdendo competitividade com a adesão à UE e ao euro, e hoje, com a deriva liberal desta instituição, nos devessemos adaptar. Contudo, não concordamos com esta afirmação e até a consideramos perigosa. Porque a UE não foi sempre liberal, e não está condenada a sê-lo para sempre. A afirmação de Luís Amado, embora interessante, não deixa de ser contorversa, é como se num país de gente baixa, cortemos a cabeça aos mais altos para que todos fiquem ao mesmo nível! Percebemos a intenção, mas não concordamos com a receita, apesar, de termos uma particular simpatia por Luís Amado e pelo que fez à frente do seu ministério. Numa altura de mudança, seria necessário reflectir que o futuro não passa inevitavelmente pela destruição do que antes foi feito. Entre nós, é costume voltar atrás sempre que se muda de governo, e assim cada vez ficamos mais desfasados do mundo que nos cerca. Daí, o termos defendido neste espaço, por mais de uma vez, a criação dum Conselho Estratégico Nacional,- a exemplo do que acontece noutros países -, que faria com que as linhas condutoras da política do país não fossem postas em causa pelo governo seguinte vindo muitas vezes a destruir o que estava bem feito, apenas para ser diferente. Foi com agrado que vimos na sexta-feira passada, esta ideia defendida por duas grandes figuras da nossa política, Ângelo Correia do PSD e Vítor Ramalho do PS. Julgo que está no tempo de pensarmos seriamente sobre isto, e com duas destas figuras a defendê-lo talvez estejam criadas as condições de, pelo menos, se começar a falar sobre isto. Portugal teria muito a ganhar com isso. Uma das medidas preconizadas por Passos Coelho na campanha eleitoral foi a criação duma comissão de acompanhamento do execução orçamental, e ainda por cima, com a premanência de entidades estrangeiras!!! Esta medida tem causado estranheza, e o primeiro a levantar a voz sobre o tema foi o Prof. Miguel Beleza. Esta medida carece de sentido, porque se dela fazem parte o Banco de Portugal e o Tribunal de Contas, não se percebe o que aqui podem fazer, porque não é este que vai cortar uma despesa ou aumentar uma receita. Se isto é bizarro, a concorrência de entidades estrangeiras o é mais ainda, talvez "porque continuamos a achar que o que vem de fora é que é bom", concluiu o ex-ministro das Finanças e ex-consultor do FMI. Afinal, se já existe a Unidade Técnica Orçamental (UTAL), que está na dependência da Assembleia da República, para quê mais este grupo de pessoas? E ainda por cima, porque o PSD na legislatura anterior muito falou desta UTAL para o controle do governo de então. Mas enfim, deve ser para dar mais uns empregos a uns "boys", desta feita, mais alaranjados. Mas uma das medidas que está a preocupar todos os que se interessam pela causa pública é a alteração da lei laboral. Gomes Canotilho já veio pôr em causa a insconstitucionalidade desta medida inconsistente da "troika", bem como as forças mais à esquerda, nomeadamente o BE e a CDU. Esta última, pela voz de Octávio Teixeira, já deixou claro que a agitação de rua está garantida até às últimas consequências. Esta é uma situação recorrente na intervenção que a "troika" tem feito nos vários países, com consequências desastrosas. Daí o não ficarmos surpreendidos com a notícia das ameaças de mortes feitas a Jean-Claude Junker, o líder do Eurogrupo, vindas da Grécia. A pressão que a UE está a fazer às economias periféricas poderá, a curto prazo, virar-se contra a própria UE. É difícil justificar perante os eleitores que a UE leva um juro mais elevado do que o FMI. E isso é o que está a acontecer com Portugal e com outros países. Juros exorbitantes que Portugal dificilmente poderá pagar dado que, as medidas que lhe foram impostas, fazem com que o nosso país não cresça. Esta receita tem sido aplicada aos outros países também, e pode significar a curto prazo, a desagregação do próprio projecto europeu. Para já não falar do falhanço na formação que é transversal a muitos dos países da UE - e Portugal não é excepção -, de pessoas altamente qualificadas não encontrarem trabalho, porque simplesmente, o mercado de trabalho está desfasado dos cursos que são ministrados. Em Portugal isto é visível nos últimos vinte anos, mas noutros países, confrontamo-nos com a mesma realidade. Estas medidas assimétricas têm que ser corrigidas, caso contrário, o êxodo de cérebros, será cada vez maior, depauperando os próprios países que os sofrem, desde logo os periféricos, mais pobres e com mais dificuldades. E assim vamos, à espera do novo governo, a quem cumpre a difícil tarefa de levar em frente um projecto difícil e sem garantias claras de que as populações sejam as mais beneficiadas, antes pelo contrário, as medidas são, elas próprias, todas economicistas para satisfazer o lado dos credores e quanto ao resto...

Wednesday, June 08, 2011

Rui Patrício - "A vida conta-se inteira"

Numa altura em que a nossa democracia parece estar numa encruzilhada, trago-vos um livro que fala duma das figuras mais mediáticas, e porque não, mais simpáticas do final do anterior regime, que fala, essencialmente, sobre si próprio. "Escrita conversada". Assim define Leonor Xavier esta obra. A conhecida jornalista e escritora portuguesa, intimamente ligada ao Brasil, cruzou-se com o antigo ministro dos negócios estrangeiros de Marcello Caetano, Rui Patrício. Desse encontro surgiu a ideia de um livro onde se recolhesse o testemunho do mais jovens ministro do Estado Novo a governar. Sem arrependimentos, acérrimo defensor de Marcello e do regime, Leonor Xavier capta-lhe, pela sucessão de entrevistas entre Lisboa e o Rio de Janeiro, os tiques, o pensamento, a perspectiva do Portugal de então. Testemunha privilegiada de um certo tempo português - o antes e o depois do 25 de Abril -, Rui Patrício dá-nos aqui conta de um percurso político que se cruzou com a História e dela depois se emancipou. Portugal e Brasil são os principais cenários dessas evocações. Leonor Xavier soube tornar este livro de memórias um diálogo vivo, polémico, esclarecedor. Depois de o 25 de Abril ter posto termo à tarefa de insucesso anunciado a que fora chamado por Marcello Caetano, a de convencer a comunidade internacional da bondade da política colonial portuguesa, pôde finalmente revelar as suas inegáveis qualidades de inteligência, competência técnica e dinamismo, como um gestor empresarial de sucesso. Rui Patrício, um homem sem angústias na fidelidade ao seu passado, ajuda-nos a melhor entender certas decisões assumidas na política externa do Portugal de então, num curioso retrato, a preto e branco, do estertor da ditadura - uma foto, em alto contraste, de dois mundos separados por uma certa noite de Abril. Leonor Xavier, a autora, é jornalista e escritora, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, viveu no Brasil entre 1985 e 1987. No Rio de Janeiro foi correspondente do Diário de Notícias. Por duas vezes recebeu o Prémio de Melhor Jornalista da Comunidade Portuguesa no Rio de Janeiro. É autora das biografias "Maria Barroso - Um Olhar Sobre a Vida" (1995) e "Raul Solnado - A Vida não se Perdeu" (2009); dos romances "Ponte Aérea" (Rio de Janeiro, 1983), "E só eram Verdade os que Partiram" (RJ, 1988), editado em Portugal com o título "Botafogo" (2004), "O Ano da Travessia (1994) e, em co-autoria "Treze Gotas ao Deitar" (2009); dos livros de entrevistas "Entrevistas" (1983) e "Falar de Viver" (RJ, 1986); dos ensaios "Atmosferas" (RJ, 1986) e "Portugal: Templo de Paixão" (2000); do livro de crónicas "Colorido a Preto e Branco" (2001); e da autobiografia "Casas Contadas" (2009). Agora traz-nos este livro "Rui Patrício - A Vida Conta-se Inteira" (2010) que nos dá uma visão dum certo Portugal anterior à Democracia. Um livro muito interessante e importante para todos os que se interessam sobre este período da História recente de Portugal. Recomendo, vivamente, a sua leitura. A edição é do Círculo de Leitores na sua colecção "Temas e Debates".

Tuesday, June 07, 2011

Equivocos da democracia portuguesa - 107

Depois das eleições e do frenesim que se instalou para a formação do novo governo, cumpre aqui, uma palavra ao PM cessante, José Sócrates. Nunca neste espaço idolatramos quer quer que seja, nem pensamos que essa seja uma boa atitude em política. Contudo, também não o diabolizamos como muitos. Mas, neste momento, não resistimos em deixar aqui uma saudação a José Sócrates. Primeiro porque foi um verdadeiro líder. Atrevemo-mos a dizer que Sócrates foi, talvez, o líder mais carismático do PS para além de Mário Soares. Ele, desde o discurso da sua tomada de posse, começou a enfrentar as críticas de vários sectores da sociedade que viram os seus privilégios afectados. O primeiro - derivado desse discurso de tomada de posse - foram os farmacêuticos. Todos pensavam que Sócrates seria mais um com novas ideias, mas que as exigências da governação, levariam a mudar de rumo. Não contaram com a determinação e força interior deste, e a breve trecho muitas das corporações instaladas na sociedade portuguesa começaram a fazer-lhe uma guerra sem quartel, nem sempre para isso, com processos que se possam considerar limpos. Como nada conseguiam, tentaram atacá-lo por diversas vias - a judicial foi apenas mais uma -, mas parecia que quanto mais o atacavam mais ele se fortalecia. E o certo é que os resultados do governo cedo começaram a aparecer, não fosse a malfadada crise, e talvez hoje, a história tivesse sido outra. Todos os objectivos estavam a ser atingidos e com sucesso, e o mundo começou a olhar para nós como o bom exemplo a seguir, - afirmação que correu nos corredores da UE -, e que vinha mostrar que Portugal tinha um líder forte e determinado para levar em frente o país. Contudo, a crise veio, e as coisas complicaram-se, mesmo assim, este homem ainda conseguiu ganhar as eleições seguintes, - embora sem maioria absoluta -, mas que demonstrava que os portugueses, apesar das dificuldades que iam aparecendo, o consideravam a pessoa certa no lugar certo. Mas esta foi-se agravando, e os portugueses começaram a mudar de opinião. A esquerda, - a mesma esquerda onde o PS se insere -, foi a primeira a trair, aliando-se à direita, numa estranha convergência, para o derrubar. (O BE, que foi o principal motor de tudo isto, veio a sofrer a penalização que os portugueses lhe infligiram nas eleições.) Mas a propaganda em torno do que estava a acontecer era por demais evidente. Sócrates sempre resistiu à entrada da ajuda externa, mas pressionado pela crise política criada pela própria esquerda e bem aproveitada pelo PSD, com a cumplicidade da banca, levou a que esta viesse mesmo para Portugal. É sempre mais fácil culpar um governo num momento de crise em vez de a esclarecer. E até não havia interesse em esclarecer a crise, porque o que interessava era ir, rapidamente, "ao pote". Passos Coelho na sua inexperiência o veio a afirmar para embaraço dos seus pares. Mas os dados estavam lançados. A queda do governo era inevitável para gaúdio de muitos que, não podendo combater Sócrates, a todos os esquemas recorreram para o torpedear. Um conhecido conselheiro de Estado do PSD teve o despudor de dizer publicamente que era preciso "passar uma rasteira ao governo". Mas esses, perder-se-ão na poeira da História. Hoje poucos são aqueles que sabem quem foi o autor de tão torpe afirmação, mas Sócrates - com a sua força e determinação - seguramente que terá um lugar na História deste país. Não agora, porque homens com a sua dimensão que tanta tensão provocaram, carecem de tempo, daquele tempo que leva a História a fazer o seu percurso. Sócrates, no passado domingo, teve um discurso lúcido, saiu da liderança do PS - assumindo a responsabilidade da pesada derrota - "com uma grande e espantosa dignidade" (a frase é de um dos seus opositores mais ferozes, - Pires de Lima - que no momento da rendição, teve que o reconhecer). Em tempos, um dos seus outros adversários - o Prof. Fernando Rosas -, dizia que "Sócrates é um político duro". E desses, os adversários não gostam, porque é difícil vencê-los, e as corporações não os querem, porque não se deixam intimidar. Daqui a uns anos, estamos certos, a história que se há-de escrever sobre José Sócrates, será bem diferente daquela que hoje todos nós conhecemos. Porque alguém há-de vir reconhecer o estadísta - mais do que o mero político - a sua força e determinação que pôs na defesa dos interesses de Portugal. (Vejam o sucesso da Cimeira de Lisboa, que muito foi comentada nos corredores de Bruxelas, ou nas suas relações previligidas com os poderosos dessa mesma União, que o consideravam um político determinado, daqueles que fazem falta à própria Europa). Sócrates já entrou para a História - gostemos disso ou não - História onde, muitos daqueles que o vilipendiaram, nunca nela terão lugar. Não pensem que eramos uns defensores da sua política "tout court", muitas vezes neste espaço tomamos posições claras sobre aquilo que pensavamos ser algumas das suas diatribes políticas. Mas não podemos ser complacentes para com aqueles que, com razão ou sem ela, a tudo recorreram para o atacar, utilizando por vezes processos bem pouco dígnos. Na política, como na vida, não pode valer tudo. Mesmo quando não concordamos com alguma coisa ou alguém. Daqui a alguns anos, estamos certos, alguém nos dará razão, a mesma razão que agora, por ventura, não nos reconhecem. Por nós, temos que deixar aqui um agradecimento a José Sócrates pela maneira como conduziu Portugal. Não podemos esquecer que Sócrates foi um dos mais atacados PM na história da democracia portuguesa, diríamos mais, da política portuguesa em geral. Mas ele resisitiu e os portugueses admiram os fortes. Por vezes as derrotas no presente são vitórias no futuro. Pensamos que este é um desses casos.