Nesta encruzilhada em que nos encontramos e que teimamos em não encontrar uma saída é tempo para algumas reflexões sobre o futuro que nos espera. Com a chegada ao poder dum governo de matriz ultraliberal era sabido que a vida não iria ser fácil, desde logo, pelo memorando da "troika" que nos iria/está a condicionar e depois porque era claro - até por afirmações anteriores do atual PM - que se iria implementar essa agenda ultraliberal a coberto do memorando, ambição duma direita que nunca deixou de pensar nisso, com a maioria e um PR da mesma matriz, sonho acalentado há muito e que até então não tinha tido expressão. Mas para além disto, que já todos sabemos e duma forma bem dura, resta refletir para o futuro. O que este nos reservará e que medidas teremos que ir ajustando. É certo que, desde logo, o estado social não será mais aquilo que foi porque muito foi destruído e dificilmente recuperável, depois porque não temos dinheiro para o assegurar com qualidade. E por mais que outros partidos digam o seu contrário, pensamos que isto será uma inevitabilidade. Se há partidos que podem afirmar o que quiserem porque não terão que enfrentar as responsabilidades da governação, já do maior partido da oposição não se pode dizer o mesmo. Compreendemos que no âmbito da luta política se façam afirmações que caem bem junto do potencial eleitorado, mas se analisarmos friamente a situação, veremos que não será assim. Isto não significa que não defendamos o estado social, (porque necessário, porque importante), como já aqui o fizemos por variadíssimas vezes. E por mais "lobbies" que se apresentem, estes não conseguirão alterar a realidade. Sabemos da força que estes representam entre nós, desde logo, o dos médicos, dos juízes, dos professores e dos transportes, mas também temos que ter a consciência de que nada será como dantes, seja com este governo ou com outro, numa matriz de condicionamento financeiro que nos irá acompanhar durante muito e muito tempo. Ontem vimos como a UE já está a projetar a austeridade para 2015 - ano eleitoral e que este governo, (se até lá se mantiver), quereria que fosse diferente - mas esta irá manter-se para que o défice acordado com Bruxelas atinja os valores pretendidos. O problema é que depois de 2015 a saga continuará, num país empobrecido, envelhecido, com cada vez mais baixa produtividade, fruto até do próprio envelhecimento populacional, e assim sendo, este caldo em que nos movemos não irá ser libertador a curto prazo. Desenganem-se aqueles que pensam o contrário. Por mais greves que se façam - e isto não significa que não consideremos as greves um direito importante de quem trabalha - mas, só por si, estas não vão condicionar nada, porque a pobreza do nosso país falará sempre mais alto, infelizmente para todos nós. Apenas se sacrificam as populações que são as que mais sofrem em momentos de desespero, e o país que se vê mais enfraquecido e necessitará de mais apoio. É nesta espiral de perturbação que, sobretudo nesta semana de muitas greves, se vê com clareza meridiana, seja qual for o ponto de vista que a olhemos. O contrário só poderá ser defendido por quem não percebe a realidade ou por quem, egoisticamente, pensa apenas no seu próprio umbigo. E isto parecendo uma afirmação dura, quando a descodificamos vemos que não é tanto assim. Temos assistido a frequentes greves de setores que até estão muito bem pagos e não querem abdicar de algumas mordomias quando temos um país a desmembrar-se caído na miséria e na ignomínia. Já não é só uma questão de visão, mas sim, dum egoísmo a toda a prova. E, o que é mais grave, isso não alterará a matriz que nos condiciona. Passamos a vida a clamar para que se atue do lado da despesa e depois não queremos que os funcionários públicos sejam afetados. Um paradoxo irresolúvel. Porque com os valores da dívida sempre a crescer, a possibilidade de a pagar-mos não passa duma miragem. Daí que esta situação nos irá condicionar por muitos anos, mesmo depois da saída da "troika". Com um estado social que não voltará a ser o mesmo, com um condicionamento financeiro que se arrastará por várias gerações, o futuro não nos parece muito risonho. Muitos já o perceberam e buscaram, - de novo -, os caminhos da emigração, sobretudo, aquela que também nos irá condicionar no futuro porque se trata de emigração de jovens e, para além disso, muito qualificados, que não regressarão mais ao seu país, sobretudo, no momento em que Portugal mais irá precisar deles. (E por isso, cuidado com as análises que se fazem sobre as estatísticas em torno do desemprego!). Assim, quando muitos vêm defendendo um largo consenso, pensamos que não estão errados. Erradas estão as premissas de que partem quando o fazem porque no atual contexto tal não será possível sem que para isso o país seja chamado a eleições. Penso que todos já percebemos isso, mas depois das eleições, a questão vai manter-se e a inevitabilidade desse consenso terá que existir a bem do país. Com um programa cautelar, ou segundo resgate, ou seja lá o que vier por aí, os nossos credores imporão um largo consenso, pelo menos aos partidos do arco da governação, que terão que pôr de lado as suas divergências e convergir naquilo que os aproxima, desde logo, o bem de Portugal e dos portugueses. Daqui se deduz que o futuro risonho não passa duma parábola que pode ser usada nos discursos hiperbólicos que a política tece e em que é fértil, mas a realidade acabará por impor a sua decisão. Como dizia um político na semana passada a quando do debate do OE 2014, "a "troika" vai-se embora mas os problemas ficam". Pensamos chegada a altura de se pensar o futuro, sem medos, sem condicionalismos, sem constrangimentos, porque ele está aí, porque todos esperamos que rememos num mesmo sentido que nos liberte, o mais rápido possível, dos grilhões que nos tolhem os movimentos desde que esta crise anunciada se abateu sobre todos nós. O bom senso há-de imperar, assim o esperamos. E não tentem separar a política de algumas considerações morais porque por aí a solução não virá. Como afirmava Jean-Jacques Rousseau: "Aqueles que querem tratar separadamente a política e a moral nunca entenderão nenhuma das duas" (in "Émile ou de l'Education"). Deixemos que o bom senso impere porque é nos momentos decisivos, nos momentos de rutura que se veem os grandes homens, os grandes estadistas. E Portugal tem alguns desses - alguns que ainda estão entre nós - que souberam pôr o amor à pátria acima dos interesses mesquinhos e sempre pontuais da pequena política do momento.