"O momento presente" - Mais um conto oriental
A Inês, a mais bela flor do meu jardim de Outono, cumpre hoje o seu quinto mês de vida. Depois da aparição dos primeiros dentes, a seguir o comer da primeira papa, veio agora a descoberta dos primeiros gestos, nos afectos mais vincados, na euforia com que olha para aqueles que mais ama e que a amam muito também. Neste final de Inverno, pleno de canícula como se de Verão se tratasse, a Inês vai-se desenvolvendo cada vez com mais afinco e vigor. A Inês do meu contentamento, continua a fazer a sua caminhada com a determinação digna do nome de rainha que ostenta. E eu, no meu Outono, vou olhando para ela com a certeza de que a Inês há-de ser uma mulher determinada, solidária com o seu semelhante, amiga dos animais e respeitadora da natureza. É vê-la com que curiosidade tenta tocar, acariciar, os meus cães. Como olha para eles com admiração numa nova descoberta que até aí ainda não tinha surgido. A Inês é uma criança muito sorridente e observadora, olhando atentamente para tudo o que a envolve tentando compreender este mundo diferenciado e colorido a que chegou. Mas depois, um belo sorriso se desenha no rosto, qual cumprimento a quem chega e a quem ela reconhece o mesmo carinho que ela própria irradia. Já por diversas vezes, a Inês do meu contentamento, tem vindo a minha casa. Não estranha nada a mudança de envolvência, como se esta também fosse a sua casa, - é a sua casa -, uma casa onde ela se sente bem, com o muito amor e carinho que lhe está destinado, amor e carinho que lhe é transmitido por quem viu a sua vida mudar, embora já no seu Outono. Ela é sol radioso que ilumina, - me ilumina -, dando-me novo alento. A Inês é um ser de luz. Inês amor, Inês flor do meu jardim de Outono, aqui estou a celebrar mais uma data, uma data pequenina mas importante, porque nela revejo a redenção que tanto ansiava e que uma criança - tu, Inês - na sua pureza melhor do que ninguém é capaz de induzir. Inês aqui estou, como sempre, ao teu lado.
"Amado Filho, O dia em que este velho já não for o mesmo, tem paciência e compreende-me. Quando eu derramar comida sobre a minha camisa e esquecer como atar os meus sapatos, tem paciência comigo e lembra-te das horas que passei ensinando-te a fazer as mesmas coisas. Se quando conversas comigo, repito e repito as mesmas palavras e sabes de sobra como termina, não me interrompas e escuta-me. Quando eras pequeno, para que dormisses, tive que contar-te milhares de vezes a mesma estória até que fechasses os olhinhos. Quando estivermos reunidos e, sem querer, fizer as minhas necessidades, não fiques com vergonha e compreende que não tenho culpa disso, pois já não as posso controlar. Pensa quantas vezes quando menino te ajudei e estive pacientemente a teu lado esperando que terminasses o que estavas a fazer. Não me reproves porque não quero tomar banho; não me chames a atenção por isso. Lembra-te dos momentos que te persegui e os mil pretextos que tive que inventar para tornar mais agradável o teu banho. Quando me vejas inútil e ignorante na frente de todas as coisas tecnológicas que já não poderei entender, suplico-te que me dês todo o tempo que seja necessário para não me ferires com o teu sorriso sarcástico. Lembra-te que fui eu quem te ensinou tantas coisas. Comer, vestir e como enfrentar a vida tão bem como o fazes, são produto do meu esforço e perseverança. Quando em algum momento, enquanto conversamos, eu chegue a me esquecer do que estávamos falando, dá-me todo o tempo que seja necessário até que eu me lembre, e se não posso fazê-lo não fiques impaciente; talvez não fosse importante o que falava e a única coisa que queria era estar contigo e que me escutasses nesse momento. Se alguma vez já não quero comer, não insistas. Sei quando posso e quando não devo. Também compreende que, com o tempo, já não tenho dentes para morder, nem gosto para sentir. Quando as minhas pernas falharem por estarem cansadas para andar, dá-me a tua mão terna para me apoiar, como eu o fiz quando começas-te a caminhar com as tuas fracas perninhas. Por último, quando algum dia me ouvires dizer que já não quero viver e só quero morrer, não te enfades. Algum dia entenderás que isto não tem a ver com teu carinho ou o quanto te amei. Trata de compreender que já não vivo, senão que sobrevivo, e isto não é viver. Sempre quis o melhor para ti e preparei os caminhos que deves percorrer. Então pensa que com este passo que estou a dar, estarei construindo para ti outra rota num outro tempo, porém sempre contigo. Não se sintas triste, enojado ou impotente por me ver assim. Dá-me o teu coração, compreende-me e apoia-me como o fiz quando começaste a viver. Da mesma maneira que te acompanhei no teu caminho, te peço que me acompanhes para terminar o meu. Dá-me amor e paciência, que te devolverei gratidão e sorrisos com o imenso amor que tenho por ti. Atenciosamente, Teu Velho". Momento grandioso de reflexão, dum profundo sentimento de amor pelo outro que tantas vezes é esquecido. Curvê-mo-nos perante esta sabedoria que um dia se aplicará a nós.